MARCOS MILANI

Projeto de 1868: a proposta de Kardec para a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas analisada sob a perspectiva das práticas atuais de governança corporativa

5.º ENLIHPE - Trabalhos apresentados

 

MARCOS MILANI
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RESUMO


O objetivo deste estudo foi identificar os elementos de governança presentes na proposta de Allan Kardec para a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas – SPEE, sob a perspectiva moderna das melhores práticas recomendadas pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, adaptadas às organizações sem fins lucrativos. Nesse sentido, pretendeu-se verificar a conformidade e a atualidade do modelo kardequiano desenhado para a SPEE em meados do século XIX. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica sobre o Projeto de 1868 (especificamente, sobre a Comissão Central proposta por Kardec) e analisou-se a presença ou ausência de 24 práticas de governança listadas pelo IBGC, com ênfase nas características do Conselho de Administração. A investigação apontou que 50% dos modernos elementos de governança estavam integralmente contidos na proposta organizacional da SPEE, 25% estavam parcialmente presentes e os demais 25% estavam ausentes. Considerando-se que a estrutura organizacional da SPEE influenciou, posteriormente, a criação de milhares de centros espíritas ao redor do mundo, os resultados obtidos neste estudo contribuem e estimulam novas análises sobre as práticas de governança das atuais organizações espíritas.


1. Introdução


Em 1868, onze anos após a publicação da primeira edição francesa de O Livro dos Espíritos, o qual pode ser considerado o marco inicial da Doutrina Espírita, Kardec já apontava a falta de unidade entre as centenas de grupos espíritas como um possível obstáculo capaz de retardar a propagação e a compreensão doutrinária. Nesse sentido, Kardec destacou a necessidade do estabelecimento teórico do Espiritismo e enfatizou que a precisão e a clareza dos conceitos seriam os elementos fundamentais para se evitar controvérsias e cismas futuros.

Além da publicação de suas obras, Kardec supôs que seria produtivo, para a consolidação dos princípios doutrinários, se ele pudesse exercer uma ação mais direta na orientação de grupos espíritas que se formavam em diferentes localidades e, também, contribuir para o esclarecimento do público em geral (KARDEC, 1985, p.340). Foi sob essa perspectiva que Kardec planejou, em 1868, a estrutura de uma organização que pudesse servir, ao mesmo tempo, para as reuniões de estudo e comunicações (como já era feito nas reuniões semanais da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas - SPEE, fundada em 1858), mas que também atuasse como um centro de referência e ponto de ligação com a comunidade sobre os ensinamentos espíritas. Desenhou-se, desde então, o modelo organizacional que influenciaria, nas décadas seguintes, a criação de milhares de centros espíritas ao redor do mundo e, particularmente, o estabelecimento de entidades federativas regionais no Brasil.

O objetivo deste estudo exploratório é identificar os principais elementos de governança propostos por Allan Kardec para a SPEE, em meados do século XIX, e compará-los com os atuais elementos divulgados na literatura especializada, como os propostos pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), a fim de se verificar a presença ou a ausência das atuais boas práticas de governança.

Justifica-se este estudo pela atenção crescente recebida pelas organizações do Terceiro Setor, especificamente aquelas com vínculos religiosos, com relação aos aspectos de transparência e prestação de contas. Sendo a SPEE um modelo amplamente utilizado para a estruturação de centros espíritas, torna-se relevante identificar os seus elementos históricos de governança para se compreender as atuais estruturas dessas organizações.

Espera-se que esta pesquisa estimule novos estudos para a discussão sobre a governança das unidades representativas do movimento espírita do Brasil, assim como para a própria estrutura dos centros espíritas, os quais são juridicamente independentes das entidades federativas e administrativamente autônomas para a condução de suas atividades doutrinárias, espirituais e de assistência social.


2. Referencial teórico

2.1 Governança corporativa


No ambiente empresarial, Jensen e Meckling (1976) definiram uma organização como um conjunto de contratos explícitos e implícitos que regulam o relacionamento entre os detentores do capital e os agentes contratados para gerir o capital. Nessa relação, os proprietários delegam autoridade executiva aos gestores, mas nem sempre esses últimos atuarão em prol dos interesses dos primeiros. O trabalho de Jensen e Meckling, precedido pelos estudos de Spence e Zeckhauser (1971) e Ross (1974), desenvolveu um corpo teórico sobre a assimetria informacional e os possíveis conflitos existentes entre o principal e o agente denominado de Teoria da Agência e contribuiu, significativamente, ao embasamento conceitual do que hoje se considera Governança Corporativa.

Sob a perspectiva econômica, a concepção contratual da firma vem sendo adotada desde os estudos de Coase (1937), não se limitando à relação entre proprietários e gestores, mas também considerando todas as partes relacionadas (stakeholders), como os funcionários, fornecedores e credores, entre outros. Coase justifica a existência da empresa quando os seus custos de organização são inferiores aos custos de transação com o mercado e isso sinaliza, implicitamente, para a necessidade de relacionamentos estáveis e vantajosas entre as partes da organização como forma de reduzir os próprios custos. Essa reflexão abrange o que Jensen e Merckling (1976) e Fama e Jensen (1983) viriam a tratar nos chamados custos de agência, representados pelos esforços despendidos pelos proprietários para reduzir o conflito de interesses com os agentes gestores e, assim, objetivar a maximização da própria riqueza.

Segundo Brigham e Ehrhardt (2006), os principais custos de agência entre acionistas e administradores estão relacionados a:
- monitoramento das ações dos gestores, tais como auditoria.
- formulação de políticas e implantação de práticas específicas para limitar o comportamento indesejável dos administradores, tais como nomear investidores externos para o conselho de administração.
- exigências burocráticas para maior controle das ações executivas, que podem aumentar a morosidade na tomada de decisão dos gestores e prejudicar o aproveitamento de oportunidades que aumentariam a riqueza do próprio acionista.

Genericamente, a governança corporativa busca gerar condições para otimizar o desempenho de uma empresa protegendo os interesses de todos os stakeholders da organização.

Para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM, 2002), a governança corporativa caracteriza-se pelo conjunto de práticas que buscam “otimizar o desempenho de uma empresa ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital”.

Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC, 2005), "governança corporativa é o sistema que assegura aos sócios-proprietários o governo estratégico da empresa e a efetiva monitoração da diretoria executiva [...]”.

 

Referências

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