JÁDER SAMPAIO

Satisfação, Desligamento e sofrimento de voluntários espíritas

5.º ENLIHPE - Trabalhos apresentados

 


JÁDER SAMPAIO
-> Satisfação, Desligamento e sofrimento de voluntários espíritas
5.º ENLIHPE - Trabalhos apresentados


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SATISFAÇÃO, DESLIGAMENTO E SOFRIMENTO DE VOLUNTÁRIOS ESPÍRITAS


RESUMO

Com a emergência de temas relacionados à responsabilidade e voluntariado na teoria administrativa há trabalhos sendo comunicados que enfocam o desenvolvimento de habilidades sociais por empregados que se voluntariam. São escassos os estudos sobre a paradoxal relação sofrimento-prazer desta forma de trabalho em organizações de terceiro setor. Empregou-se a metodologia de história de vida (Becker, 1994) de oito voluntários de uma organização espírita de Belo Horizonte. Este estudo é parte do resultado de uma tese de doutoramento, que inclui uma análise da cultura organizacional e da dinâmica motivacional dos voluntários. As entrevistas foram gravadas e parcialmente transcritas, sendo analisadas com base no referencial teórico desenvolvido por Christophe Dejours. A satisfação foi analisada a partir de um modelo teórico desenvolvido com base na revisão longitudinal de três autores: Maslow, McClelland e Joseph Nuttin. Observou-se a existência de relatos de sofrimento e prazer pelos voluntários, além de outro fenômeno que foi identificado como desligamento do sofrimento psíquico exterior à esfera do trabalho na organização estudada (geralmente familiar ou profissional). Como mecanismos de defesa individuais e coletivos utilizados pelos voluntários observou-se o uso do humor, o afastamento temporário do trabalho voluntário, o uso de contrapartidas, evitar-se falar de eventos desagradáveis e a idealização do líder carismático. Como fonte de satisfação observou-se o estabelecimento de contatos pessoais com trocas afetivas prazerosas, a valorização da auto-imagem, aprendizagem social e realização de projetos e aspirações pessoais.

Introdução

Com a resignificação do trabalho voluntário nos anos 90 e a construção da ideia de um terceiro setor, especialmente nas ciências administrativas e sociais, surgiram estudos enfatizando a importância desta prática para o bem estar do trabalhador ou para o desenvolvimento de suas capacidades (SILVA, ANTUNES, 2002; SANTOS, CARRION, COSTA, 2002). Paradoxalmente, surgiu também uma corrente crítica, reduzindo o trabalho voluntário aos interesses pessoais e colocando em questão o altruísmo (SARAIVA, 2006).

Contudo, muitos dos defensores do bem-estar promovido pelo trabalho no terceiro setor o fazem com estudos pontuais de metodologia apriorística, instrumentalizando assim sua visão pessoal, e muitos dos críticos o fazem com base em argumentos apoiados em pressupostos macroeconômicos e macrossociais ou teórico-ideológicos, que caem como castelos de cartas se um de seus pilares é posto em questão.

No pensamento de Kardec (1995), a prática da caridade não se apóia na lógica da ação desinteressada. Embora os espíritos que dialogam com o codificador entendam que a “ação pelo bem do próximo, sem pensamento oculto” seja virtuosa (questão 893), eles também reconhecem que “o verdadeiro desinteresse é coisa ainda tão rara na Terra que, quando se patenteia todos o admiram como se fora um fenômeno” (questão 895).

Considerando esta polêmica, realizou-se um estudo em profundidade com metodologia qualitativa com voluntários de uma creche espírita de Belo Horizonte. Este estudo baseia-se uma tese de doutoramento defendida na Universidade de São Paulo (SAMPAIO, 2004). O que se investiga é a dinâmica psicológica de voluntários espíritas.



Figura 1: Níveis de Construção dos Motivos

Com base neste modelo, parte-se de um pressuposto que as ações humanas são motivadas ou fruto de coerção. Cabe aqui a seguinte discussão: o que distinguiria a ação motivada da ação interessada?

Se considerarmos a ação interessada como aquela que despreza totalmente o si- mesmo, para atender às necessidades do outro, então, de fato, não há ação desinteressada, posto que se possa afirmar sempre há uma gratificação psicológica no ato de servir ao outro sem coerção, não importa o sofrimento que esteja associado o concomitante a ele. Se por interesse, entendermos os interesses da esfera econômica, diretos e indiretos (influências, cargos, posições, clientes, redes com finalidades de negócios, etc.) então se pode conceber a existência da ação desinteressada. A ação motivada, portanto, pode ou não ser interessada.

Ao investigar a satisfação de voluntários com uma metodologia que possibilita que eles próprios narrem sua trajetória, escolhas e vida psicológica, com o mínimo de intervenção do pesquisador, este tema pode ser estudado e discutido em bases fenomenológicas.

No presente estudo identificamos os seguintes tipos de motivos (projetos construídos para a satisfação de necessidades biopsicossocioculturais) a partir da análise das entrevistas:

a) Contatos interpessoais afiliativos – atendimento da necessidade de estar junto com outras pessoas, ser aceito pelo grupo, ser acolhido carinhosa ou respeitosamente.
b) Contatos interpessoais para atendimento da necessidade de poder – a necessidade de mobilizar, influenciar e motivar pessoas para consecução de objetivos pessoais ou coletivos.
c) Obtenção de informação – a necessidade de dar significado à existência, de adquirir novas informações que esclareçam dúvidas, de sentir- se crescendo interiormente pela aquisição de conhecimentos e experiência.
d) Realização pessoal – a necessidade de reconhecer-se em um objeto, ação ou obra finalizados, é também a necessidade de se envolver pessoalmente em um curso de ação com o qual a pessoa se identifica e do qual espera conseguir resultado capaz de satisfazer a necessidade de reconhecimento de si.
e) Consistência Interna – a necessidade de perceber-se harmonicamente, de considerar que seus princípios, valores e crenças estão coerentes com as suas ações no mundo.

O trabalho voluntário, contudo, não será abordado neste estudo visando a identificar a satisfação e o bem-estar dos voluntários, mas com a possibilidade de compreensão do sofrimento que pode estar associado a este tipo de trabalho, ainda que inesperadamente. Qual é a relação entre sofrimento e trabalho?


Sofrimento, Trabalho e Voluntariado

São mais recentes os estudos que tratam do sofrimento no trabalho, visto como algo diverso dos quadros de transtornos mentais da Psicopatologia e que não se reduz ao estresse considerando uma psicodinâmica laboral.

Apesar de polêmica e indefinida, em psicopatologia há uma corrente majoritária que aponta para fatores estruturais e individuais a origem das doenças mentais, que foram classificadas como transtornos pelo DSM-IV. Mais recentemente se discute se haveria nexo causal entre trabalho e transtorno mental (LIMA, 2002) e se explora a relação trabalho, sofrimento e bem estar.

Dejours (1992, 1994) após explorar diferentes manifestações de sofrimento psicológico associadas ao trabalho no seu “A Loucura do Trabalho”, mudou seu foco investigativo, explorando uma psicodinâmica do trabalho, na qual o trabalho pode estar associado ao sofrimento ou ser fonte de bem estar do trabalhador, conforme as possibilidades de “vias de descarga preferenciais” da tensão psíquica (Dejours, 1993) e de
uma organização de trabalho razoavelmente flexível, que possibilita ao sujeito uma adaptação das exigências da tarefa e da organização à sua própria constituição e características pessoais, desenvolvidas ao longo de sua história pessoal.

Outro conceito importante na teoria desenvolvida por este autor envolve a construção de estratégias defensivas contra as exigências da organização do trabalho, mecanismos estes que podem ser bem ou mal sucedidos, individuais ou coletivos. Trata-se de um conceito “importado” da Psicanálise e reconstruído no mundo do trabalho, o que é entendido por Enriquez (1990) como conceito transespecífico.

O conceito de sofrimento do autor francês é amplo e pode envolver medo, vergonha, o sentimento de solidão, o sentimento de inutilidade, a astenia, entre outros.

Autores anglo-saxões como Cooper (1988) desenvolveram as pesquisas sobre o de estresse laboral ou ocupacional e usam o termo “coping” para designar as ações realizadas pelas pessoas para enfrentar o estresse laboral. Apesar da diferença entre estresse e sofrimento, há uma proximidade essencial entre estratégias defensivas e coping: a ideia que é possível, individual ou coletivamente, agir contra os efeitos psicopatológicos das exigências do trabalho, embora o primeiro conceito envolva a possibilidade destas ações não conseguirem cumprir o papel almejado, funcionando como máscaras da consciência do processo psicopatológico relacionado ao trabalho.

Apesar do desenvolvimento dos estudos sobre o sofrimento e o estresse no trabalho, ainda é pouco conhecida a questão do trabalho voluntário. A literatura corrente, nacional e internacional ou se volta à prescrição de como devem as organizações lidar com os voluntários, ou narra experiências com ênfase na captação e inserção dos voluntários no trabalho ou ainda enaltece o trabalho voluntário para o empregado. São escassas as abordagens compreensivas do que se passa no mundo interior do voluntário em atividade, que se constituiu no objetivo do presente estudo.


Fontes Bibliográficas

CAVACANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. O mundo invisível: cosmologia, sistema
ritual e noção de pessoa no Espiritismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
COOPER, Cary. COOPER, Rachel, LYNN, H. Eaker. Living with stress. England: Penguin
Books, 1988.
DEJOURS, C. Ciências empírico-analíticas e ciências histórico-hermenêuticas. In: O fator
humano. São Paulo: FGV, 1997.
________. Psicodinâmica do trabalho. São Paulo: Atlas, 1994.
________. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5 ed. São Paulo:
Cortez, 1992.
________. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In: CHANLAT, Jean-
François (org.) O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. 2 ed. São Paulo: Atlas,
1993.
DEJOURS, Christophe et al. Por um trabalho, fator de equilíbrio. Revista de Administração
de Empresas, São Paulo, v 33, n 3, p. 98 - 104, maio/jun. 1993.
ENRIQUEZ, Eugene. Da horda ao estado: psicanálise do vínculo social. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1990.
GIUMBELLI, Emerson. Caridade, assistência social, política e cidadania: práticas e
reflexões no Espiritismo. In: LANDIM, Leilah (org.) Ações em sociedade: militância,
caridade, assistência, etc. Rio de Janeiro: NAU, 1998.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 76 ed. Rio de Janeiro:
FEB, 1995.
LIMA, Maria Elisabeth et. al. Aprisionado pelos ponteiros de um relógio: o caso de um
transtorno mental desencadeado pelo trabalho. In: JACQUES, Maria da Graça; CODO,
Wanderley. Saúde Mental & Trabalho: Leituras. Petrópolis: Vozes, 2002.
MERLO, Álvaro R. C. Psicodinâmica do trabalho. In: JACQUES, Maria da Graça; CODO,
Wanderley. Saúde Mental & Trabalho: Leituras. Petrópolis: Vozes, 2002.
SANTOS, Carolina Rosado, CARRION, Rosinha Machado, COSTA, Carlos Daniel R.
Terceiro setor e o desenvolvimento de competências: o caso da Telefônica Celular. In:
SEMINÁRIO SOBRE GESTÃO ORGANIZACIONAL DO TERCEIRO SETOR, 3, 2002,
São Leopoldo – RS, [Anais eletrônicos...] São Leopoldo: UNISINOS, 2002. CD-ROM.
SARAIVA, Luiz Alex Silva. Além do senso comum sobre o terceiro setor uma provocação.
In: Terceiros Setor: Dilemas e Polêmicas. São Paulo: Saraiva, 2006.
SILVA, Lisiane V., ANTUNES, Elaine. Programas organizacionais voltados à qualidade de
vida do trabalhador e à gestão socialmente responsável. In: SEMINÁRIO SOBRE
GESTÃO ORGANIZACIONAL DO TERCEIRO SETOR, 3, 2002, São Leopoldo – RS,
[Anais eletrônicos...] São Leopoldo: UNISINOS, 2002. CD-ROM.

 

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