
Já sabemos as ideias básicas do estoicismo:
você deve concentrar-se apenas naquilo que pode controlar, e abster-se
de gastar energia com o que está fora do seu alcance. Essa ideia
pode ser aplicada de forma efetiva em praticamente todos os aspectos
da vida – mas sua aplicação é particularmente
notável nas interações entre pessoas.
Em geral, ao interagirmos com os outros, costumamos ter desejos e expectativas
quanto ao que farão. Seres humanos buscam padrões por
natureza. A imprevisibilidade nos assusta – portanto, gostamos
de acreditar que estamos no controle da situação. É
impossível, porém, controlar o estado mental e a resposta
dos outros. Dessa forma, nossas expectativas são frequentemente
quebradas, o que nos deixa frustrados.
A maioria dos problemas interpessoais com os quais lidamos vem de expectativas
que temos quanto ao comportamento dos outros. Talvez esperemos que nosso
colega de quarto mantenha a casa arrumada, mas ele não o faz.
Podemos desejar que alguém de nosso interesse corresponda o que
sentimos, mas não é o caso. Contamos um segredo a alguém
de confiança, mas a pessoa o espalha.
Assim como aqueles descritos no artigo anterior,
esses problemas podem soar como parte inevitável da experiência
humana. De fato, é impossível garantir que as outras pessoas
responderão a nossas ações da forma que desejamos
– temos controle apenas sobre nós mesmos, não sobre
os outros. É possível, porém, estar em paz com
isso: você precisa apenas se libertar dessas expectativas.
Claro, é impossível abandonar plenamente todas as expectativas
quanto aos outros. Ao lidar com outros seres humanos, estamos constantemente
interpretando seu comportamento e adaptando nossas ações
para interagir com eles. Se alguém te abraça calorosamente
sempre que o vê, você supõe que está lidando
com uma pessoa carinhosa e que gosta da sua companhia. Se você
faz um comentário negativo quanto a determinada crença
ou religião e alguém faz uma expressão de desgosto,
você supõe que esses valores significam algo para a pessoa.
Ao conviver com alguém, você constantemente
acumula pequenas notas mentais sobre ela. Cada interação
o ensina algo a seu respeito, e eventualmente você tem um complexo
modelo mental para representá-la. É fácil, muitas
vezes, prever que tipo de reação um bom amigo seu terá
a determinado comentário, e imaginar o que sentirá ao
ouvi-lo, por exemplo. Muitas vezes assistimos a um filme, ou escutamos
uma música, e imediatamente pensamos que a obra agradaria certa
pessoa que conhecemos.
Ter esse tipo de pensamento é perfeitamente saudável,
e as expectativas em si não são ruins. É importante,
apenas, que você não se apegue demais a estes modelos mentais.
Por mais completos que possam ser, e por mais perspicaz que você
seja, as pessoas são imprevisíveis por natureza, e tendem
a mudar ao longo do tempo. No caso de espalharem um segredo seu, por
exemplo, é perfeitamente razoável que você acredite
poder confiar em alguém – mas você não pode
ter plena certeza.
Se você conta um segredo, automaticamente cria a possibilidade
de que seja espalhado. O segredo estaria seguro se não tivesse
contado a ninguém, de forma que a responsabilidade inicial por
ele ter sido espalhado é exclusivamente sua. Por mais que você
espere que seu confidente não contará o segredo a ninguém,
não é sensato ter absoluta confiança nele –
porque você não tem controle sobre os outros.
Como escola filosófica, o Estoicismo
está associado a crenças em certos valores religiosos
e morais – mas ao aplicar suas ideias voltadas para o modo de
ver o mundo, somos levados diretamente ao agnosticismo, à ideia
de estar em paz com aquilo que não sabemos. Se não é
possível ter certeza que seu confidente irá manter o segredo
para si, você não deve ter certezas ao contar algo a ele.
Na situação do colega de quarto, novamente, estamos esperando
de alguém algo que não temos garantia que fará.
Se você se atém à ideia de que ele deveria ajudar
na arrumação da casa – mesmo que você esteja
certo, e tenham concordado previamente que ele o faria -, você
atrela sua felicidade e satisfação a algo externo, que
está completamente fora de seu controle. Ao se colocar numa situação
onde você só estará satisfeito caso alguém
faça algo, seu bem-estar depende puramente das ações
desta pessoa. Como seres humanos são imprevisíveis, você
provavelmente ficará insatisfeito boa parte do tempo.
Por último, o exemplo mais dramático: Quando alguém
não corresponde a seu interesse romântico.
Essa é uma situação capaz de angustiar e frustrar
imensamente a grande maioria das pessoas. É compreensível
que, ao apaixonar-se, você invista muito em alguém –
isso acontece o tempo todo. Mas, novamente, você está permitindo
que seu bem-estar dependa do outro sem absolutamente nenhuma garantia,
e dessa vez de forma muito mais dramática.
Pode ser difícil controlar-se para impedir essa situação
de dependência. Muitos, em vez de fazê-lo, suprimem esse
tipo de sensação completamente, não se permitindo
apaixonar-se para evitar a dor da rejeição. Uma solução
menos limitante é estar consciente de si a ponto de perceber
esses sentimentos à medida que eles começam a surgir,
e manifestá-los antes que você tenha tanto a perder. Dessa
forma, caso seja rejeitado, o impacto no seu emocional será muito
menor – especialmente caso você já tenha desenvolvido
o hábito de controlar seu estado mental. E, caso seja correspondido,
você terá tempo para deixar que este sentimento cresça
de forma muito mais controlada – ao perceber que pode confiar
na pessoa.
Ainda assim, é importante que você não se entregue
completamente. Mesmo que o sentimento dure e nunca se esvaia –
o que raramente é o caso -, pessoas podem ser separadas pelas
mais diversas razões. Um de vocês pode ter de ir para outro
país, alguma mudança súbita em suas vidas pode
impedir que tenham tempo de se ver, ou algo pode torná-los incompatíveis
de alguma forma. Não só os relacionamentos não
duram pra sempre como as pessoas também não, de forma
que, por mais que soe sombrio pensar desta forma, não podemos
depender tanto dos outros.
Em especial ao lidar com pessoas, é importante que não
estejamos apegados a expectativas. Assim como você julga as ações
dos outros, eles fazem o mesmo com as suas. Quando você demonstra
ter um objetivo em particular ao interagir, pode parecer falso. Se é
demasiado óbvio que você busca algo, você soa como
um vendedor – tentando convencer a pessoa de algo que não
necessariamente é o melhor para ela. Estamos acostumados com
gente tentando tirar algo de nós, e ao notarmos essa intenção
em alguém, ficamos na defensiva.
Ao caminhar pela rua, se alguém para você com o intuito
de oferecer um produto, ou convidar para conhecer um grupo religioso
ou político, na maioria das vezes sua reação é
de fazer o que puder para se livrar da pessoa. Igualmente, se você
tem a impressão de que alguém com quem interage está
ativamente tentando alcançar algo – seduzir, mudar seu
comportamento ou extrair certa informação -, automaticamente
você desconfia dela, e, portanto, se distancia.
Existem métodos de atingir tais objetivos com mais precisão.
As pessoas são de fato manipuláveis até certo ponto,
e um bom sedutor ou vendedor conseguem controlar a resposta daqueles
com quem estão interagindo em muitas ocasiões –
mas caso você observe-os em ação, verá que
eles alegremente abandonam alvos que não respondem bem às
suas técnicas, e passam para os seguintes. Qualquer um que entenda
como seres humanos funcionam sabe que as pessoas são imprevisíveis,
e que não nos devemos permanecer presos às expectativas
quanto a elas.
Da próxima vez que tiver um problema com alguém, veja
as coisas da seguinte forma: você não tem controle sobre
os outros, portanto o máximo que pode fazer é tentar resolver
a situação sem se preocupar com o resultado. Caso o conflito
não se resolva, tudo bem – os outros tem o direito de discordar
e de estar frustrados com você. Já que não tem controle
sobre isso, não se preocupe – concentre sua energia em
algo diferente.