O gene de Deus
Seleção natural oferece nova
perspectiva para a religião
_________________________________________________________
Componente genético da religião
pode ser incômodo para ateus e crentes
____________________________________________________________

Batismo coletivo no Brasil; a religião
está presente em sociedades
com desenvolvimentos díspares
Os arqueólogos
Joyce Marcus e Kent Flannery fizeram uma descoberta notável
sobre a origem da religião ao longo de 15 anos de escavações
no vale de Oaxaca, no México.
Não encontraram nenhum templo monumental, e sim sinais
de uma transição crucial no comportamento religioso.
O registro começa com uma simples arena para danças
religiosas comunitárias feitas por caçadores-coletores
por volta de 7000 a.C., passa por locais de culto aos ancestrais,
surgidos após o advento do cultivo do milho, em torno de
1500 a.C., e termina em 30 d.C., com sofisticados templos com
orientação astronômica de um Estado arcaico.
Essa e outras pesquisas apontam a uma nova perspectiva a respeito
da religião, que busca explicar por que o comportamento
religioso aparece em sociedades de todos os estágios de
desenvolvimento e em todas as regiões do mundo. A religião
carrega as marcas de um comportamento evoluído, o que significa
que existe porque foi favorecida pela seleção natural.
É universal porque está impressa em nossos circuitos
neurológicos desde antes de os primeiros humanos se dispersarem
a partir da África.
Para os ateus, não é agradável a ideia de
que a religião evoluiu porque conferia benefícios
essenciais às primeiras sociedades humanas e seus sucessores.
Se a religião é necessária à vida,
fica difícil apontá-la como inútil.
Para os crentes, pode parecer ameaçador pensar que a mente
foi moldada para crer em deuses, pois isso pode tornar menos plausível
a existência do divino.
Mas a perspectiva evolutiva da religião não necessariamente
ameaça a posição central de cada lado. O
favorecimento da religião pela seleção natural
não comprova nem refuta a existência dos deuses.
Para os crentes, se é possível aceitar que a evolução
moldou o corpo humano, por que não também a mente?
O que a evolução fez foi dotar as pessoas de uma
predisposição genética a aprender a religião
da sua comunidade, assim como há uma predisposição
para a linguagem. Tanto na religião quanto na linguagem,
é a cultura, e não a genética, que fornece
o conteúdo do que é aprendido.
É mais fácil ver nos caçadores-coletores
como a religião conferiu vantagens na luta pela sobrevivência.
Seus rituais enfatizam não a teologia, mas uma intensa
dança comunitária que pode varar a noite. O movimento
rítmico contínuo induz a fortes sentimentos de exaltação
e compromisso emocional com o grupo. Os rituais também
resolvem atritos e impedem que o tecido social se esgarce.
A população humana ancestral de cerca de 50 mil
anos atrás teria vivido em pequenos grupos igualitários,
sem chefes. A religião servia como um governo invisível.
Unia as pessoas, comprometendo-as a colocar as necessidades comunitárias
acima do seu interesse próprio. Por medo da punição
divina, as pessoas seguiam regras da comunidade. A religião
as encorajava a dar suas vidas numa batalha contra estranhos.
Grupos fortificados pela crença religiosa teriam prevalecido
sobre aqueles sem fé, e os genes que induziam a mente ao
ritual teriam se universalizado.
Na seleção natural, os genes que permitem ao seu
portador deixar uma prole maior se tornam mais comuns. A ideia
de que a seleção natural pode favorecer grupos,
em vez de agir diretamente sobre indivíduos, é altamente
polêmica. Embora Darwin tenha proposto essa ideia, a visão
tradicional entre os biólogos é de que a seleção
entre os indivíduos elimina o comportamento altruísta
bem mais rapidamente do que a seleção em termos
de grupos poderia favorecê-lo.
Mas a seleção por grupos conquistou recentemente
dois defensores poderosos, os biólogos David Sloan Wilson
e Edward Wilson, que argumentam que duas circunstâncias
especiais na evolução humana recente teriam dado
à seleção por grupos uma vantagem muito maior
que a usual. Uma é a natureza altamente igualitária
das sociedades caçadoras-coletoras, o que faz todos se
comportarem de forma similar e dá aos altruístas
uma chance maior de transmitir seus genes. A outra é a
intensa guerra entre grupos, que fortalece a seleção
em favor de comportamentos benéficos à comunidade,
como o altruísmo e a religião.
A propensão a aprender a religião da própria
comunidade se tornou tão implantada no circuito neurológico
humano, segundo essa nova visão, que a religião
foi mantida quando os caçadores-coletores começaram
a se assentar em comunidades fixas, a partir de 15 mil anos atrás.
Nessas sociedades hierárquicas maiores, os governantes
cooptaram a religião como fonte de autoridade.
A religião é frequentemente criticada por seus excessos,
ao promover perseguições e guerras, mas recebe menos
crédito por sua função básica de manter
o tecido moral da sociedade.
Mas talvez ela não mereça nem culpa nem crédito.
Se a religião for vista como um meio de trazer coesão
social, são a sociedade e seus líderes que usam
tal coesão para fins bons ou ruins.