Atividades fazem do idoso um ser experiente, saudável e produtivo
Em setembro do ano passado, fui convidado
a proferir palestra sobre o idoso em uma Universidade de João
Pessoa, na Paraíba, onde resido há dez anos.
O convite nasceu porque me consideram um idoso que chegou em bom estado
de conservação até os 72 anos, que, a meu ver,
já não é uma idade tão avançada
é para os nossos dias.
Como tenho atividade intensa, especialmente ligada à área
mental e intelectual, acreditaram que eu teria o que dizer. Sou alguém
que está em termos de esclerose absolutamente dentro dos padrões
aceitáveis para a faixa etária. Um velho em relativo
bom estado, diríamos!
Antes de falar, ouvi palestras de diversos professores, especialistas,
geriatras e percebi que todos tinham como preocupação
dar ao velho todas as condições para que tenha boa saúde
e atendimento de acordo com as suas necessidades e limitações.
Os programas incluem as atividades dos grupos de terceira idade, exercícios
nas academias, as hidroginásticas, o acompanhamento nutricional,
as caminhadas, as danças, as viagens e tudo o que dá
ao velho prazer e bem estar.
O velho realmente precisa do amparo da família, do carinho
dos filhos, da atenção quando das enfermidades. E quem
souber que um velho é maltratado, deve denunciar.
Como não sou da área das ciências humanas, das
que lidam com a alma, não me interessei por esse tipo de enfoque,
embora necessário e justo. Mas ficou de lado, no meu conceito,
um aspecto importantíssimo: o intelectual.
Depois de viver certo número de anos, o velho acumula experiências
que lhe permitem continuar se aprimorando e até mesmo transferir
o seu conhecimento para os mais moços. Entre as tarefas do
velho, portanto, deveriam estar incluídas as atividades mentais
intensas, para que ele continuasse útil e produtivo. A inteligência
e a memória, especialmente, precisam de muito exercício
e treinamento. Os grandes comandantes das nações são
idosos, não imprestáveis.
Dei o meu depoimento quando falei da minha origem miserável
de menino de pé descalço na periferia de São
Paulo, em ruas enlameadas, luz de lampião a querosene, água
de poço tirada manualmente com sarilho e corda, condução
pouca e distante, num tempo de escassez de escolas públicas
quando havia meia dúzia de faculdades. Fui filho de pedreiro
e lavadeira, semi-analfabetos.
Vivi num tempo de segunda grande guerra, já que nasci em 1934,
quando tudo era penúria. Ficava-se entre cinco e seis horas
na fila do pão para comprar 250 gramas por pessoa dia sim dia
não. Açougue só abria às terças,
quintas e sábados e quase sempre sem ter o que vender. Frango
só para os ricos, na macarronada do domingo. Faltava açúcar,
sabão, o que mais se pensasse. Leite, manteiga, frutas, não
chegavam às mesas dos pobres. O fogão era de lenha,
o barraco era de chão de tijolo, as paredes sem reboque e o
telhado sem forro.
O rádio era de bateria de carro e tocava por três horas.
Depois tinha que recarregar. O toca disco era de corda e cada agulha
tocava dois ou três discos de acetato. Uma música de
cada lado, em setenta e oito rotações. Vendiam as agulhas
em caixas de 100.
Nosso primeiro fogão a gás chegou depois de uma fila
de espera de quase oito meses. O primeiro telefone foi instalado dezenove
anos depois de pedido. A casa que o pai fez em fins de semana levou
dez anos para ficar meio pronta. Sem falar da anterior que ele construiu
durante mais de seis meses e que um raio derrubou na hora em que chegávamos
com a mudança.
Nos restaurantes, o azeite estrangeiro era pesado antes de ir para
a mesa e o cliente pagava pelo que consumisse. A Antártica,
além da gasosa (soda limonada), água tônica e
guaraná, faturava muito com as barras de gelo de cinco a seis
metros que distribuía pelas ruas. Geladeira elétrica
só havia algumas importadas.
Minha preocupação, porém, nunca foi analisar
as dificuldades, mas seguir em frente e trabalhar. Sempre fui fanático
pelo trabalho, sem a preocupação de acumular riqueza,
aflito com o futuro ou com a velhice. Mesmo porque quem vive pensando
na velhice esquece de viver a juventude. E pode ser que a velhice
nem chegue. Meu pai, por exemplo, morreu com cinqüenta e quatro
anos, depois de ser operado de uma úlcera que ele amargou por
dezesseis anos.
Formei-me em contabilidade e acabei sendo sócio de uma empresa
onde eu trabalhava depois que o patrão teve sérias enfermidades
do coração e dividiu a empresa em duas. No ramo químico
ligado à área de metalurgia. Ele ainda está vivo
e forte e tem noventa e três anos. Lúcido e produtivo.
O menino da periferia era agora industrial. Deixei essa empresa pela
dificuldade de convivência com os outros dois sócios
e montei minha fábrica própria em Diadema, São
Paulo. Tempos difíceis. 1964, início da ditadura militar.
Tempo em que o nosso Lula era presidente do sindicato e insuflava
as greves nas fábricas do ABCD.
Conheci o mundo em diferentes viagens aos vários continentes,
algo jamais sonhado por quem é filho de operário neste
país de tantas desigualdades sociais. E mesmo entre os da classe
média, só possível para uns poucos privilegiados.
Vendi a indústria em 1986 e depois de ter algumas outras atividades
mudei-me para João Pessoa, onde edito um jornal literário
que é bem aceito a ponto de a Assembléia Legislativa
da Paraíba conferir-lhe dois votos de aplausos, por diferentes
deputados, e depois me outorgar o título de Cidadão
Paraibano e a Medalha Augusto dos Anjos, comenda aos que se destacam
na área de cultura. Tenho também cadeira na Academia
de Letras e Artes do Nordeste, Núcleo Paraíba.
Todo este relato para mostrar que o velho, além de um amontoado
de doenças que a natureza traz, implacavelmente pela degeneração
das células, é uma inteligência que não
precisa necessariamente deteriorar junto com a fraqueza dos órgãos.
Vejam Stephen Hawking, o físico inglês que só
tem movimentos do pescoço para cima. É uma das mais
brilhantes inteligências do planeta, apesar de suas limitações
físicas. Que nos sirva de exemplo.
Cada velho tem o direito de viver como uma individualidade plena.
Será bom se puder ter o carinho dos filhos e a atenção
dos amigos, bem como a assistência médica e a boa alimentação.
Mas caso algo lhe falte, que ele se baste por si mesmo. Preencha o
vazio da solidão com a utilidade do serviço. Aprimore-se
o quanto possa e oferecendo aos outros o conjunto de suas experiências.
O velho hoje está valorizado, em função da crise
social que provoca o desemprego. Cinqüenta e quatro por cento
dos lares brasileiros têm na aposentadoria do velho o sustento
da família. Por isso os bancos vivem assediando-os para oferecer
empréstimos. Se antes o desejo era que o velho morresse logo
para não dar despesas, hoje fazem orações para
que ele viva muito. Caso ele morra, enterra com ele o sustento da
casa.
Ninguém afirme que não vale a pena lutar e progredir
porque já está no fim da vida. Esse tempo, fim da vida,
não existe porque a vida não tem fim. O que termina
é apenas a reencarnação, mas a vida do espírito
continua e tudo o que ele acumular lhe pertence e levará para
a espiritualidade e também para as novas encarnações,
quando deverá viver mais algumas experiências.
Não trate a velhice como se fora uma doença crônica
e irreversível. Mais que isso, ela é o acúmulo
da sabedoria. É o grande e verdadeiro troféu que o ser
humano conquista na sua passagem pelo planeta. Valorize-se, meu velho,
e mantenha a força da sua juventude.
Neste ano que começa, faça planos como todo mundo. Melhore
sua cultura e ensine o que sabe. Seja útil. Ajude Deus a construir
um mundo melhor.
Feliz 2007.