Elas têm presença marcante na literatura,
no teatro, cinema, televisão, nas artes plásticas,
na música popular, sem falar do carnaval e suas escolas
de samba, da culinária originária da comida votiva,
e, sobretudo, da sua especial maneira de ver o mundo, frisa José
Reginaldo Prandi.
Ao assinalar a importância das religiões
afro-brasileiras para o Brasil, José Reginaldo
Prandi diz, em entrevista concedida por e-mail à
IHU On-Line, que a importância dessas religiões de
origem africana não pode ser medida simplesmente pelo minúsculo
tamanho de seus contingentes, mas pela sua participação
na formação da cultura nacional não religiosa.
E enfatiza: “Com isso, têm ganhado visibilidade, prestígio
social e respeito”. Talvez seja isso, segundo Prandi, uma
das razões pelas quais o candomblé tem atraído
adeptos brancos de boa renda e alta escolaridade, que se juntam
nos terreiros aos extratos mais pobres da população
brasileira, os negros, conforme atestam os dados do censo demográfico
de 2010.
Em resumo, a umbanda, para José Reginaldo
Prandi, é religião típica da classe média
baixa, sempre foi. “O candomblé era religião
exclusiva de negros, pobres, mas não é mais. No
candomblé há os mais pobres, sim, sobretudo os segmentos
negros, dada a origem étnica dessa religião, mas
também expressivo contingente de não negros de alta
escolaridade e renda. Essa presença branca de elevada extração
social faz das religiões afro-brasileiras um grupo cujo
perfil de escolaridade e renda somente é superado pelos
espíritas”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – No Censo 2010, as religiões
afro-brasileiras, tanto a umbanda como o candomblé, mantiveram-se
no eixo de 0,3% de declaração de crença. O que
isso demonstra?
José Reginaldo Prandi – Significa estagnação,
o que contraria o que os sociólogos pensavam no período
de 1960 até começo dos 1980. A umbanda chegou a ser
vista como opção ao pentecostalismo, como duas alternativas
sacrais para a sociedade brasileira que mudava muito rapidamente e
ia deixando o catolicismo para trás. Hoje, a umbanda mal se
mantém nas pernas, mas como o candomblé tem crescido,
as perdas umbandistas são compensadas pelos ganhos do candomblé,
o que deu ao conjunto das religiões afro-brasileiras a marca
de 0,3% nos dois últimos censos.
Perda
Mas se calcularmos até os centésimos,
veremos que o grupo como um todo continua perdendo adeptos. Enfim,
o quadro é desolador para o conjunto. Em resumo, a linha das
religiões afro-brasileiras tem os seguintes pontos nos anos
censitários de 1980 a 2010: 0,57%, 0,44%, 0,34% e 0,30%. E
ainda devemos considerar que esses números, a cada censo, são
melhorados, não somente pelo crescimento real dos adeptos,
mas também pelo aumento continuado da liberdade de escolha
religiosa no Brasil e dos movimentos de dessincretização,
que levam cada vez mais afro-brasileiros a deixarem de se declarar
católicos ou espíritas, declarando-se umbandistas ou
de outras religiões afro-brasileiras aos recenseadores. Com
esse devido desconto, o declínio ficaria bem acentuado.
IHU On-Line – No novo censo, de que maneira
é retratado o aumento ou a diminuição dos praticantes
da umbanda e do candomblé? O que isso significa?
José Reginaldo Prandi – A estagnação
ou declínio afro-brasileiro está ancorado na queda de
seguidores da umbanda, que sofre uma dupla ofensiva. De fora, a umbanda
é corroída pela campanha evangélica que visa
à conversão de seus seguidores e que chega ao ponto
de se valer da invasão de templos e perseguição
física dos umbandistas, como numa guerra. De dentro, sofre
pelo avanço do candomblé sobre suas fileiras. Grande
parte dos seguidores do candomblé, nas religiões em
que ele avançou, além das fronteiras tradicionais étnicas,
teve a umbanda como religião anterior.
IHU On-Line – O que diferencia o candomblé
da umbanda? Quais são os membros de cada uma dessas religiões?
Como podemos descrever os que frequentam a umbanda? Qual o perfil
dos praticantes? E dos que frequentam o candomblé?
José Reginaldo Prandi – Ambas são
religiões iniciáticas, organizadas em pequenos grupos
que se congregam nos terreiros ou centros em torno de um pai ou mãe
de santo. Os seguidores são chamados de filhos de santo. De
alto conteúdo mágico, procuram resolver problemas dos
filhos e também de uma larga clientela que vão aos terreiros
em busca de auxílio.
Candomblé é religião de culto
aos orixás nos moldes africanos, com a devida adaptação
ao Brasil. É religião sacrificial e oracular que supõe
a comunicação com os deuses orixás pelo transe
dos iniciados, mas as divindades só se manifestam no transe
para se congratularem com seus fiéis por meio de danças
ao ritmo de tambores e sob cantos em língua ritual africana.
Orixás não dão consultas nem fazem aconselhamento.
O pai ou mãe de santo, sacerdote-chefe do terreiro (grupo ou
local de culto), usa o oráculo do jogo de búzios para
se comunicar com os orixás e resolver problemas dos seguidores
e da clientela sem vínculo religioso. Para se alcançar
os favores dos deuses, eles devem ser agraciados com oferendas, em
geral alimentares, como é próprio das religiões
politeístas antigas e clássicas.
Umbanda
A umbanda também louva os orixás,
cantando para eles em português, mas o cerne do ritual consiste
na manifestação pelo transe de espíritos de mortos
mitológicos – segundo o modelo dos guias kardecistas
–, que são os caboclos, pretos velhos e outros tipos
característicos, que se encarregam de falar com os presentes,
dar conselhos, orientar e oferecer tratamento ritual para a cura da
doença e outros males. Tanto a umbanda como o candomblé
apresentam muitas variações internas e também
se entrecruzam, adotando cada uma elementos da outra.
Ambas contêm também muitos elementos
do catolicismo e, às vezes, de outras religiões. Por
conta disso, os orixás são sincretizados com santos
católicos. A umbanda se originou do encontro do candomblé
com o kardecismo, mantendo elementos dos dois. O rito sacrificial
foi quase apagado na umbanda, que incorporou do espiritismo a prática
sistemática da cura.
Para se ter uma ideia das diferenças
sociais presentes nos diversos ramos religiosos e o lugar ocupado
pelas religiões afro-brasileiras, podemos estabelecer o seguinte
alinhamento: os brancos representaram 69% dos espíritas, 49%
dos católicos, 47% dos afro-brasileiros e 41% dos pentecostais.
Para o conjunto da população brasileira de 10 anos ou
mais de idade, verifica-se que 22% dos espíritas estão
concentrados na faixa até um salário mínimo mensal
per capita, enquanto que na mesma faixa estão 44% dos afro-brasileiros,
56% dos católicos e 64% dos evangélicos pentecostais.
No outro extremo, têm rendimento mensal per capita acima de
cinco salários mínimos 20% dos espíritas, 7%
dos afro-brasileiros, 5% dos católicos e 2% dos pentecostais.
Em termos de educação, 32% dos espíritas têm
nível superior completo, taxa que cai para 13% entre os afro-brasileiros,
para 9% entre os católicos e que despenca a 4% entre os evangélicos
pentecostais. Tomando-se a outra ponta da escala, apenas 2% dos espíritas
não tiveram nenhuma instrução formal, número
que sobe para 3% entre os afro-brasileiros e 6% para os católicos
e os pentecostais.
Umbanda, religião típica
da classe média baixa
Em resumo, a umbanda é religião
típica da classe média baixa, sempre foi. O candomblé
era religião exclusiva de negros, pobres, mas não é
mais. No candomblé há os mais pobres, sim, sobretudo
os segmentos negros, dada a origem étnica dessa religião,
mas também há expressivo contingente de não negros
de alta escolaridade e renda. Essa presença branca de elevada
extração social faz das religiões afro-brasileiras
um grupo cujo perfil de escolaridade e renda somente é superado
pelos espíritas.
Importância
das religiões afro-brasileiras para o Brasil
Em termos de Brasil, a importância dessas religiões de
origem africana não pode ser medida simplesmente pelo minúsculo
tamanho de seus contingentes, mas pela sua participação
na formação da cultura nacional não religiosa,
com presença marcante na literatura, no teatro, cinema, televisão,
nas artes plásticas, na música popular, sem falar do
carnaval e suas escolas de samba, da culinária originária
da comida votiva e, sobretudo, da sua especial maneira de ver o mundo.
Com isso têm ganhado visibilidade, prestígio social e
respeito. Talvez seja isso uma das razões pelas quais o candomblé
tem atraído adeptos brancos de boa renda e alta escolaridade,
que se juntam nos terreiros aos extratos mais pobres da população
brasileira, os negros, conforme atestam os dados do censo demográfico
de 2010.
José Reginaldo Prandi tem graduação
em Ciências Sociais pela Fundação Santo André,
e mestrado, doutorado e livre-docência em Sociologia pela Universidade
de São Paulo – USP. É professor sênior do
Departamento de Sociologia da USP e pesquisador do CNPq. Dentre seus
livros publicados citamos Os Candomblés de São Paulo (São
Paulo: Hucitec, 1991); Um sopro do Espírito (São Paulo:
Edusp, 1998); e Mitologia dos orixás (São Paulo: Companhia
das Letras, 2000).