Este artigo versa sobre uma ampla polêmica gerada pela apresentação
na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, no início
de 2015, de um projeto de lei, proposto por uma deputada evangélica
e ativista na defesa dos direitos dos animais. Fundamentalmente, o
projeto visava proibir o sacrifício de animais pelas religiões
afro-brasileiras no estado do Rio Grande do Sul. O texto retoma e
atualiza as disputas e debates gerados por um projeto semelhante apresentado
há dez anos neste mesmo Estado. Ambos possuem a recorrência
de terem sido propostos por legisladores declaradamente evangélicos
e visarem a interdição da imolação de
animais nas religiões afro-riograndenses. São analisados
os discursos e argumentos acionados pelos atores sociais defensores
e contrários ao projeto, o que coloca em confronto não
apenas concepções cosmológicas distintas, mas
também diferentes entendimentos acerca da liberdade religiosa
no Brasil.
O sacrifício de animais celebrado nas religiões de matriz
africana constitui um tema controverso e polêmico nas sociedades
latino-americanas. Enquanto para os membros dessas religiões
o sacrifício detém importante centralidade devido aos
significados simbólicos a ele atribuídos, sendo, ademais,
a sua realização assegurada pelo dispositivo constitucional
da liberdade religiosa, para outros atores e instituições
sociais o sacrifício representa uma afronta contra os direitos
dos animais e uma demonstração de primitivismo, incompatível
com os princípios e valores da modernidade. No Rio Grande do
Sul, o tema do sacrifício de animais foi objeto de grande debate
público entre os anos 2003 e 2005 quando o então deputado
estadual evangélico Manoel Maria dos Santos embutiu, sem sucesso,
na Lei do Código Estadual de Proteção dos Animais,
a proibição do sacrifício de animais em cerimônias
religiosas, subentenda-se, as religiões afro-brasileiras. Dez
anos mais tarde esta questão voltou com força à
cena pública rio-grandense, motivada novamente pela iniciativa
de um membro do parlamento, a deputada estadual Regina Becker Fortunati,
também evangélica, que retomou a tentativa de proibir
o sacrifício de animais. Este texto recupera ambos os debates,
originados na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul,
ouvindo as vozes dos diversos atores implicados na questão,
e evidenciando as lógicas e epistemologias em confronto. Mais
especificamente, a estrutura do texto procura promover uma reflexão
em torno destes confrontos a partir de uma perspectiva pós-colonial
que evidencia as formas imperantes de produção de Outros
“não alinhados” com as epistemologias e discursos
dominantes. Para introduzir esta perspectiva apresentamos na sequência
um episódio ocorrido na Índia, que nos abre o caminho
analítico pretendido neste artigo. Após discorrer sobre
esse evento, o texto retoma as polêmicas anteriores em torno
da questão do sacrifício de animais no Rio Grande do
Sul para, em seguida, se ocupar de fatos atuais. Finalmente, são
analisados os discursos favoráveis e desfavoráveis ao
último projeto que transitou na Assembleia Legislativa, levando
em consideração as contribuições de pesquisadores
brasileiros e do olhar des-colonial.
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Ari Pedro Oro
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Porto Alegre – Brasil
Erico Tavares de Carvalho
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Porto Alegre – Brasil
Juan Scuro
Doutor em Antropologia Social
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Porto Alegre – Brasil