Quando o assunto é “Técnica de
Passes”, nos deparamos com questões que ano após
ano permanecem em baila no Centro Espírita. Qual a técnica
correta? Como escolher esta técnica? Onde posso aplicar o passe?
Poderíamos enfileirar talvez uma página inteira com
tais exemplos, mas tendo em vista o espaço disponível,
nos concentraremos numa delas – A escolha da técnica
a ser trabalhada e, por meio das discussões que forem suscitadas,
conversarmos sobre a relação do médium com a
técnica.

O passe está presente de tal forma no que chamaríamos
de convivência com o Centro Espírita, e talvez até
com o Espiritismo, que é difícil dissociá-los.
É comum, ao convidarmos um conhecido para visitar o Centro
espírita, dizermos: “Vamos lá para você
receber passes”. Este convite já está errado na
forma. A casa espírita existe para o estudo doutrinário,
sequer precisa do fenômeno, qualquer que seja, e aqui está
incluído o passe, então o convite deveria ser “Vamos
lá para sabermos o que a Doutrina Espírita tem a nos
dizer sobre isso”. Mas é que o fenômeno tem um
apelo todo especial e terminamos por inverter as coisas, pondo a “sobremesa”,
que seria o passe, antes do “prato principal, mais substancioso”,
o estudo; observaria o nosso saudoso Professor José Jorge.
Então o problema já começa na concepção
que se tem da finalidade da casa espírita, mas iremos adiante
ao lembrar outro ponto – os passes, não são assunto
da Doutrina Espírita, eles pertencem a outra ciência
– o magnetismo. Então nos deparamos
com uma primeira exigência: para bem conhecer os passes, tanto
como de Doutrina Espírita, precisamos conhecer sobre o magnetismo.
Para Kardec isso não foi problema, pois sabemos que ele fora
estudioso do tema, aliás por muito mais tempo do que teve para
conhecer o Espiritismo. O mesmo não podemos falar dos médiuns.
Em geral, pouco se lê sobre o assunto (a maioria dos livros
estão esgotados) e menos ainda se estuda.
Para que o leitor amigo tenha uma ideia da seriedade do que estamos
a dizer, relato um caso acontecido comigo. Durante alguns anos estive
à frente do curso de magnetismo que prepara os médiuns
do CELD – Centro Espírita Léon Denis para o ingresso
na cura e na ocasião usávamos um determinado livro que
se tornara difícil de encontrar para que os alunos acompanhassem
o estudo. Fomos então diretamente à editora para tentarmos
saber o porquê da dificuldade. Lá fomos recebidos por
um dos encarregados que nos deu a seguinte resposta: “Não
temos reproduzido mais esse livro, pois vende muito pouco, praticamente
só vocês (referindo-se ao CELD) estudam isso”.
Apresentados a esta realidade, que não mudou desde aquela época,
e já se vão mais de dez anos, voltemos à nossa
conversa. Pouco havendo de oferta em termos de literatura, naturalmente
nos voltamos para outra fonte: a experiência dos médiuns,
e aí nos defrontamos com o “X” da questão.
As propostas de passes, não surgem como as propostas para tratamentos
e terapias do conhecimento acadêmico humano em torno da saúde.
Por exemplo, na Medicina estão bem estudadas as causas da maioria
das doenças e a presença de determinados fatores, é
sabido, vai provocar a doença “A” que será
tratada por meio de um procedimento mais ou menos estabelecido. Em
se tratando da medicina espiritual não é assim –
há o espírito. Inclusive vários envolvidos, o
doente, o médium, os guias...
Nesse contexto, não é possível para os passes
seguirem exclusivamente a experiência de um médium que,
inclusive, é um erro já identificado por Kardec em O
Livro dos Médiuns.
“Um médium é um instrumento
pouquíssimo importante, como indivíduo[...]”
O Livro dos Médiuns, cap. XX.
A experiência do médium foi para aquele
momento, com o apoio e direção daquele espírito,
com aquele doente, que teve sua problemática de saúde
ligada àquela condição espiritual, dentro daquele
ambiente. Como podemos ver, são muitas as variáveis
ligadas especificamente aquele caso o que não recomenda sua
simples repetição toda vez que nos deparamos com aquela
doença e até com aquele doente.
Da mesma forma, os chamados quadros sinópticos, comuns nos
livros sobre o assunto, que fazem relação entre determinada
doença e tal técnica ou posição das mãos
servem no máximo como uma referência, em especial para
os médiuns iniciantes que ainda não conhecem os movimentos
básicos, nem sua própria condição para
o trabalho como magnetizadores e menos ainda sobre os canais mediúnicos
que estariam ao seu alcance para realizar aquela tarefa. Tudo isso
é ganho que somente chegará após anos de trabalho
mediúnico regular como passista.
Mesmo os livros, e ressaltamos que quase 100% do que se tem dentro
do Espiritismo em termos de passes é oriundo do conhecimento
do Magnetismo, também precisam ser estudados com cuidado, uma
vez que tratam do assunto sim, mas a partir da ótica do magnetizador
que, de ordinário não era espírita e muitas vezes
sequer espiritualista. Há, a todo momento na literatura sobre
o tema narrativas baseadas em experiências pessoais e não
espíritas, por exemplo:
“[...] há mesmo alguns outros que
apresentam uma curiosa relação de alimentos antimagnéticos,
como chocolate, carne de porco, batata doce e muitos outros.”
(Edmund Shaftesbury – Instantaneous
personal Magnetism apud Michaelus, 1995, p.54).
“Embora a contestação de
alguns autores, a seda é apontada como obstáculo à
passagem do fluido. Como quer que seja, é aconselhável
evitar-lhe o uso durante o tratamento”.
Deleuze, Histoire Critique apud Michaelus,
1995, p. 124).
Kardec, como magnetizador que era, conhecia bem os
processos e resultados da magnetização, mas leva aos
espíritos sua pergunta sobre qual o papel dos espíritos
nesta atividade, numa evidência do quanto seria importante aprender
aquela “nova” variável do processo – a ação
do espírito.
“Entretanto, o médium é um intermediário
entre os espíritos e o homem; ora, o magnetizador, haurindo
sua força em si mesmo, não parece ser o intermediário
de qualquer poder estranho?
“É um erro; o poder magnético
reside, sem dúvida, no homem, mas é aumentado pela
ação dos Espíritos, que ele chama em seu auxílio.
Se magnetizas, tendo em vista curar, por exemplo, e invocas um bom
Espírito, que se interessa por ti e pelo teu doente, ele
aumenta tua força e tua vontade; dirige teu fluido e lhe
dá as qualidades necessárias.”
(O Livro dos Médiuns. 2010, p.198).
Nesse sentido, estudar ou ler livros sobre o tema
magnetismo é tarefa árdua e longa que pede comparações,
pesquisas e tempo para amadurecer as informações, concomitantemente,
com a prática do passe e o que acontece é que nem sempre
esse roteiro é seguido e aí se toma a experiência
de um como a regra para o trabalho. Esse o erro maior cometido pelos
médiuns que atuam com os passes.
Introduziremos nesse ponto a discussão presente no título
da matéria, um exemplo bem “espinhoso”, tendo em
vista sua larga utilização pelos médiuns –
os passes de baixo para cima aplicados nos pacientes com problemas
de má circulação nas pernas. Corriqueiramente,
quando perguntamos aos médiuns o porquê da escolha desta
técnica para tratar esta enfermidade, eles respondem “o
médium tal me ensinou” que tem também uma variante
“vi o médium tal fazer assim”.
Lembro-me de ter entrevistado o nosso querido ex-presidente, Altivo
Carissimi Pamphiro sobre a relação entre esta enfermidade
e a referida técnica, até porque muitos dos médiuns
o apontavam como aquele que “haviam visto” ou de quem
haviam recebido aquela orientação, ao que ele me relatou
que certa ocasião, o Dr. Hermann tratava as pessoas com aquele
problema com aquela técnica, mas que não era sempre,
e que ele, o médium, não usava aquela técnica,
era o espírito que agia.
Ora, vamos aqui examinar mais detidamente a situação.
Partiremos da literatura onde encontramos advertências para
o respeito ao que os magnetizadores chamavam de princípios
da magnetização que consideravam imutáveis (Michaelus,
1995, p. 78) e um deles é o sentido com que os passes devem
ser aplicados sempre (grifo do autor) de cima para
baixo.
“Como regra geral, que deve ser rigorosamente
observada, os passes não podem ser feitos no sentido contrário
às correntes, isto é, de baixo para cima, o que seria,
se assim podemos nos exprimir, uma verdadeira desmagnetização
(grifo no original) de consequências graves”. (Michaelus,
1995, p.75)
[...] a ação magnética só deve exercer-se
no sentido das correntes, isto é, da cabeça aos pés.”
(Alphonse Bué, 1984, p. 73).
[...] os passes devem ser executados sempre
de cima para baixo, da cabeça aos pés, dos órgãos
que estiverem mais acima aos que se encontrarem mais abaixo.
(Jacó Melo, O passe, seu estudo, suas
técnicas, suas práticas, 1992, p. 185)
Segundo, a relação médium e guia
aí faz toda a diferença, considerando que Altivo foi
um dos maiores médiuns do Brasil, muito seguro da própria
condição mediúnica construída ao longo
de mais de 40 anos de trabalho com o Dr. Hermann e outros.
Altivo, era uma combinação do médium experimentado,
conforme descreve O Livro dos Médiuns (pp. 216-217),
aquele cuja “experiência é fruto de um estudo sério”
e em quem a “facilidade de execução é uma
questão de hábito” com o médium positivo,
“cujas comunicações tem um caráter de nitidez
e precisão que se presta às comunicações
exatas” somadas às características do bom
médium, sério, seguro, modesto e devotado (p. 222).
Essa é a nossa condição mediúnica? É
uma boa pergunta que devemos nos fazer antes de nos lançarmos
na reprodução (ou tentativa) da ação por
ele executada. Se a resposta é sim, estamos na mesma
condição, então ótimo, quanto mais médiuns
nesta categoria melhor, contudo, sem nenhum rebuço, digo que
não, médiuns assim são raros.
Terceiro, a forma de trabalhar, desdobrado, lúcido fora do
corpo permitindo que o espírito utilizasse livremente seu corpo,
inclusive ao ponto do Dr. Hermann usar seu corpo numa sala, enquanto
ele, espírito, Altivo, atuava em outra. Creio que somente nestes
dois parágrafos, somados ao escrito neste artigo, até
então, já teria, o leitor amigo, material para entender
que o simples testemunhar do fenômeno ou ouvir seu relato não
nos autoriza a pensar que temos uma “fórmula para o passe”,
contudo há mais.
O próprio Altivo afirmava “é o Dr. Hermann quem
age assim” e aqui temos que fazer observações.
No mundo espiritual, com recursos muito diferentes dos disponíveis
em nosso mundo materializado, as regras de magnetização
podem ser diferentes das que estão disponíveis aos encarnados.
Temos o caso de Obreiros da Vida Eterna (FEB).
"Logo após, ante meus olhos atônitos,
Jerônimo inclinou-se piedosamente sobre o cadáver,
no ataúde momentaneamente aberto antes da inumação,
e, através de passes magnéticos longitudinais, extraiu
todos os resíduos de vitalidade, dispersando-os, em seguida,
na atmosfera comum, através de processo indescritível
na linguagem humana por inexistência de comparação
analógica, para que inescrupulosas entidades inferiores não
se apropriassem deles.”
Outra: “não era sempre assim que ele
agia” o que é coerente. Trata-se de dar passes em pessoas
diferentes, cujas doenças, sob a perspectiva espiritual, tiveram
causas distintas, médiuns e pacientes estão debaixo
de influências orgânicas, psíquicas, emocionais
e ambientais que podem variar de um momento ou de um dia para o outro,
então como o mesmo passe seria aplicado à mesma doença?
Fruto da experiência, todo médium sabe que se em todos
os passes que aplica ele “sente” a mesma coisa é
porque há algo errado, ao que tudo indica, está a se
utilizar de “fórmula” e não da própria
sensibilidade magnética ou do canal mediúnico disponível
para informação do que fazer.
Então, poderíamos perguntar, mas se a técnica
não está correta, por que as pessoas acusam alívio?
A resposta imediata é porque não aplicamos o passe sozinho.
Essa é uma tarefa conduzida pelos espíritos (citação
de O Livro dos Médiuns, item 176/2ª questão),
entre outras coisas eles “dirigem nossos fluidos e dão
a qualidade que lhes falta”. Esse seria só mais um trabalho
que daríamos aos espíritos guias dessa tarefa. Também
poderíamos perguntar se todos se sentem, de fato, aliviados?
Não é comum termos o retorno do doente acerca do trabalho
realizado, muitos usam medicamentos ao longo do tempo que recebem
os passes e assim, não é muito simples aferir o efeito
final, se é fruto dos passes ou do tratamento clínico.
A verdade é que estamos diante de um caso, mais um, onde os
médiuns simplesmente foram replicando informações
compartilhadas generosamente, pelo médium e pelo espírito,
sem se dar conta das condições especialíssimas
do fenômeno, que determinara a escolha e execução
daquela técnica e, numa generalização fruto de
um misto de desconhecimento e ingenuidade, adotaram-na como “regra”.
Claro, nada impediria que, na ausência do canal mediúnico
claro, da experiência ou sensibilidade magnética adequada,
outro médium mais experiente nos recomendasse agir assim, entretanto,
casos como este seguiriam como exceção, aplicados em
circunstâncias muito específicas, o que está muito
distante do quadro atual, onde simplesmente se associou a técnica
à enfermidade, de forma que toda vez que surge algum candidato
aos passes com problemas de circulação nos membros inferiores,
lá se põe o médium a aplicar passes de baixo
para cima.
Caros amigos, “o passe é um exercício inteligente”,
dizia o mesmo médium, nosso caro Altivo, o que nos leva imediatamente
a considerar que esta tarefa pede raciocínio, reflexão,
pesquisa, enfim, nos chama a pensar antes de aplicá-lo. A repetição
de fórmulas não é, em absoluto, exercício
de quem se propõe a ver o passe como ato inteligente. Obediência
a fórmulas sequer é prática espírita.
Fica aqui uma motivação a mais para o estudo da Doutrina
Espírita sim, mas também sobre o magnetismo, ciência
sem a qual pouco avançaremos como trabalhadores do passe, permanecendo
como simples doadores de fluidos, o que já é algo, frente
aos nossos imensos débitos com a Grande lei de Amor, porém
muito pouco, diante do que esta tarefa de Luz e de Jesus, potencialmente
representa.
