Espiritualidade e Sociedade





Alexandre Lobato

>   Passes de baixo para cima, que técnica é esta? - Por que é tão difícil harmonizar o
entendimento acerca do que seja o bom emprego da técnica de passes?

Artigos, teses e publicações

Alexandre Lobato
>   Passes de baixo para cima, que técnica é esta?
    - Por que é tão difícil harmonizar o entendimento acerca do que seja o bom emprego da técnica de passes?

 

Quando o assunto é “Técnica de Passes”, nos deparamos com questões que ano após ano permanecem em baila no Centro Espírita. Qual a técnica correta? Como escolher esta técnica? Onde posso aplicar o passe? Poderíamos enfileirar talvez uma página inteira com tais exemplos, mas tendo em vista o espaço disponível, nos concentraremos numa delas – A escolha da técnica a ser trabalhada e, por meio das discussões que forem suscitadas, conversarmos sobre a relação do médium com a técnica.



O passe está presente de tal forma no que chamaríamos de convivência com o Centro Espírita, e talvez até com o Espiritismo, que é difícil dissociá-los. É comum, ao convidarmos um conhecido para visitar o Centro espírita, dizermos: “Vamos lá para você receber passes”. Este convite já está errado na forma. A casa espírita existe para o estudo doutrinário, sequer precisa do fenômeno, qualquer que seja, e aqui está incluído o passe, então o convite deveria ser “Vamos lá para sabermos o que a Doutrina Espírita tem a nos dizer sobre isso”. Mas é que o fenômeno tem um apelo todo especial e terminamos por inverter as coisas, pondo a “sobremesa”, que seria o passe, antes do “prato principal, mais substancioso”, o estudo; observaria o nosso saudoso Professor José Jorge.

Então o problema já começa na concepção que se tem da finalidade da casa espírita, mas iremos adiante ao lembrar outro ponto – os passes, não são assunto da Doutrina Espírita, eles pertencem a outra ciência – o magnetismo. Então nos deparamos com uma primeira exigência: para bem conhecer os passes, tanto como de Doutrina Espírita, precisamos conhecer sobre o magnetismo. Para Kardec isso não foi problema, pois sabemos que ele fora estudioso do tema, aliás por muito mais tempo do que teve para conhecer o Espiritismo. O mesmo não podemos falar dos médiuns. Em geral, pouco se lê sobre o assunto (a maioria dos livros estão esgotados) e menos ainda se estuda.

Para que o leitor amigo tenha uma ideia da seriedade do que estamos a dizer, relato um caso acontecido comigo. Durante alguns anos estive à frente do curso de magnetismo que prepara os médiuns do CELD – Centro Espírita Léon Denis para o ingresso na cura e na ocasião usávamos um determinado livro que se tornara difícil de encontrar para que os alunos acompanhassem o estudo. Fomos então diretamente à editora para tentarmos saber o porquê da dificuldade. Lá fomos recebidos por um dos encarregados que nos deu a seguinte resposta: “Não temos reproduzido mais esse livro, pois vende muito pouco, praticamente só vocês (referindo-se ao CELD) estudam isso”.

Apresentados a esta realidade, que não mudou desde aquela época, e já se vão mais de dez anos, voltemos à nossa conversa. Pouco havendo de oferta em termos de literatura, naturalmente nos voltamos para outra fonte: a experiência dos médiuns, e aí nos defrontamos com o “X” da questão. As propostas de passes, não surgem como as propostas para tratamentos e terapias do conhecimento acadêmico humano em torno da saúde. Por exemplo, na Medicina estão bem estudadas as causas da maioria das doenças e a presença de determinados fatores, é sabido, vai provocar a doença “A” que será tratada por meio de um procedimento mais ou menos estabelecido. Em se tratando da medicina espiritual não é assim – há o espírito. Inclusive vários envolvidos, o doente, o médium, os guias...

Nesse contexto, não é possível para os passes seguirem exclusivamente a experiência de um médium que, inclusive, é um erro já identificado por Kardec em O Livro dos Médiuns.

“Um médium é um instrumento pouquíssimo importante, como indivíduo[...]”
O Livro dos Médiuns, cap. XX.

A experiência do médium foi para aquele momento, com o apoio e direção daquele espírito, com aquele doente, que teve sua problemática de saúde ligada àquela condição espiritual, dentro daquele ambiente. Como podemos ver, são muitas as variáveis ligadas especificamente aquele caso o que não recomenda sua simples repetição toda vez que nos deparamos com aquela doença e até com aquele doente.

Da mesma forma, os chamados quadros sinópticos, comuns nos livros sobre o assunto, que fazem relação entre determinada doença e tal técnica ou posição das mãos servem no máximo como uma referência, em especial para os médiuns iniciantes que ainda não conhecem os movimentos básicos, nem sua própria condição para o trabalho como magnetizadores e menos ainda sobre os canais mediúnicos que estariam ao seu alcance para realizar aquela tarefa. Tudo isso é ganho que somente chegará após anos de trabalho mediúnico regular como passista.

Mesmo os livros, e ressaltamos que quase 100% do que se tem dentro do Espiritismo em termos de passes é oriundo do conhecimento do Magnetismo, também precisam ser estudados com cuidado, uma vez que tratam do assunto sim, mas a partir da ótica do magnetizador que, de ordinário não era espírita e muitas vezes sequer espiritualista. Há, a todo momento na literatura sobre o tema narrativas baseadas em experiências pessoais e não espíritas, por exemplo:

“[...] há mesmo alguns outros que apresentam uma curiosa relação de alimentos antimagnéticos, como chocolate, carne de porco, batata doce e muitos outros.” (Edmund Shaftesbury – Instantaneous personal Magnetism apud Michaelus, 1995, p.54).

“Embora a contestação de alguns autores, a seda é apontada como obstáculo à passagem do fluido. Como quer que seja, é aconselhável evitar-lhe o uso durante o tratamento”.
Deleuze, Histoire Critique apud Michaelus, 1995, p. 124).

Kardec, como magnetizador que era, conhecia bem os processos e resultados da magnetização, mas leva aos espíritos sua pergunta sobre qual o papel dos espíritos nesta atividade, numa evidência do quanto seria importante aprender aquela “nova” variável do processo – a ação do espírito.

“Entretanto, o médium é um intermediário entre os espíritos e o homem; ora, o magnetizador, haurindo sua força em si mesmo, não parece ser o intermediário de qualquer poder estranho?

“É um erro; o poder magnético reside, sem dúvida, no homem, mas é aumentado pela ação dos Espíritos, que ele chama em seu auxílio. Se magnetizas, tendo em vista curar, por exemplo, e invocas um bom Espírito, que se interessa por ti e pelo teu doente, ele aumenta tua força e tua vontade; dirige teu fluido e lhe dá as qualidades necessárias.”
(O Livro dos Médiuns. 2010, p.198).

Nesse sentido, estudar ou ler livros sobre o tema magnetismo é tarefa árdua e longa que pede comparações, pesquisas e tempo para amadurecer as informações, concomitantemente, com a prática do passe e o que acontece é que nem sempre esse roteiro é seguido e aí se toma a experiência de um como a regra para o trabalho. Esse o erro maior cometido pelos médiuns que atuam com os passes.

Introduziremos nesse ponto a discussão presente no título da matéria, um exemplo bem “espinhoso”, tendo em vista sua larga utilização pelos médiuns – os passes de baixo para cima aplicados nos pacientes com problemas de má circulação nas pernas. Corriqueiramente, quando perguntamos aos médiuns o porquê da escolha desta técnica para tratar esta enfermidade, eles respondem “o médium tal me ensinou” que tem também uma variante “vi o médium tal fazer assim”.

Lembro-me de ter entrevistado o nosso querido ex-presidente, Altivo Carissimi Pamphiro sobre a relação entre esta enfermidade e a referida técnica, até porque muitos dos médiuns o apontavam como aquele que “haviam visto” ou de quem haviam recebido aquela orientação, ao que ele me relatou que certa ocasião, o Dr. Hermann tratava as pessoas com aquele problema com aquela técnica, mas que não era sempre, e que ele, o médium, não usava aquela técnica, era o espírito que agia.

Ora, vamos aqui examinar mais detidamente a situação. Partiremos da literatura onde encontramos advertências para o respeito ao que os magnetizadores chamavam de princípios da magnetização que consideravam imutáveis (Michaelus, 1995, p. 78) e um deles é o sentido com que os passes devem ser aplicados sempre (grifo do autor) de cima para baixo.

“Como regra geral, que deve ser rigorosamente observada, os passes não podem ser feitos no sentido contrário às correntes, isto é, de baixo para cima, o que seria, se assim podemos nos exprimir, uma verdadeira desmagnetização (grifo no original) de consequências graves”. (Michaelus, 1995, p.75)

[...] a ação magnética só deve exercer-se no sentido das correntes, isto é, da cabeça aos pés. (Alphonse Bué, 1984, p. 73).

[...] os passes devem ser executados sempre de cima para baixo, da cabeça aos pés, dos órgãos que estiverem mais acima aos que se encontrarem mais abaixo. (Jacó Melo, O passe, seu estudo, suas técnicas, suas práticas, 1992, p. 185)

Segundo, a relação médium e guia aí faz toda a diferença, considerando que Altivo foi um dos maiores médiuns do Brasil, muito seguro da própria condição mediúnica construída ao longo de mais de 40 anos de trabalho com o Dr. Hermann e outros.

Altivo, era uma combinação do médium experimentado, conforme descreve O Livro dos Médiuns (pp. 216-217), aquele cuja “experiência é fruto de um estudo sério” e em quem a “facilidade de execução é uma questão de hábito” com o médium positivo, “cujas comunicações tem um caráter de nitidez e precisão que se presta às comunicações exatas” somadas às características do bom médium, sério, seguro, modesto e devotado (p. 222). Essa é a nossa condição mediúnica? É uma boa pergunta que devemos nos fazer antes de nos lançarmos na reprodução (ou tentativa) da ação por ele executada. Se a resposta é sim, estamos na mesma condição, então ótimo, quanto mais médiuns nesta categoria melhor, contudo, sem nenhum rebuço, digo que não, médiuns assim são raros.

Terceiro, a forma de trabalhar, desdobrado, lúcido fora do corpo permitindo que o espírito utilizasse livremente seu corpo, inclusive ao ponto do Dr. Hermann usar seu corpo numa sala, enquanto ele, espírito, Altivo, atuava em outra. Creio que somente nestes dois parágrafos, somados ao escrito neste artigo, até então, já teria, o leitor amigo, material para entender que o simples testemunhar do fenômeno ou ouvir seu relato não nos autoriza a pensar que temos uma “fórmula para o passe”, contudo há mais.

O próprio Altivo afirmava “é o Dr. Hermann quem age assim” e aqui temos que fazer observações. No mundo espiritual, com recursos muito diferentes dos disponíveis em nosso mundo materializado, as regras de magnetização podem ser diferentes das que estão disponíveis aos encarnados. Temos o caso de Obreiros da Vida Eterna (FEB).

"Logo após, ante meus olhos atônitos, Jerônimo inclinou-se piedosamente sobre o cadáver, no ataúde momentaneamente aberto antes da inumação, e, através de passes magnéticos longitudinais, extraiu todos os resíduos de vitalidade, dispersando-os, em seguida, na atmosfera comum, através de processo indescritível na linguagem humana por inexistência de comparação analógica, para que inescrupulosas entidades inferiores não se apropriassem deles.”

Outra: “não era sempre assim que ele agia” o que é coerente. Trata-se de dar passes em pessoas diferentes, cujas doenças, sob a perspectiva espiritual, tiveram causas distintas, médiuns e pacientes estão debaixo de influências orgânicas, psíquicas, emocionais e ambientais que podem variar de um momento ou de um dia para o outro, então como o mesmo passe seria aplicado à mesma doença? Fruto da experiência, todo médium sabe que se em todos os passes que aplica ele “sente” a mesma coisa é porque há algo errado, ao que tudo indica, está a se utilizar de “fórmula” e não da própria sensibilidade magnética ou do canal mediúnico disponível para informação do que fazer.

Então, poderíamos perguntar, mas se a técnica não está correta, por que as pessoas acusam alívio? A resposta imediata é porque não aplicamos o passe sozinho. Essa é uma tarefa conduzida pelos espíritos (citação de O Livro dos Médiuns, item 176/2ª questão), entre outras coisas eles “dirigem nossos fluidos e dão a qualidade que lhes falta”. Esse seria só mais um trabalho que daríamos aos espíritos guias dessa tarefa. Também poderíamos perguntar se todos se sentem, de fato, aliviados? Não é comum termos o retorno do doente acerca do trabalho realizado, muitos usam medicamentos ao longo do tempo que recebem os passes e assim, não é muito simples aferir o efeito final, se é fruto dos passes ou do tratamento clínico.

A verdade é que estamos diante de um caso, mais um, onde os médiuns simplesmente foram replicando informações compartilhadas generosamente, pelo médium e pelo espírito, sem se dar conta das condições especialíssimas do fenômeno, que determinara a escolha e execução daquela técnica e, numa generalização fruto de um misto de desconhecimento e ingenuidade, adotaram-na como “regra”.

Claro, nada impediria que, na ausência do canal mediúnico claro, da experiência ou sensibilidade magnética adequada, outro médium mais experiente nos recomendasse agir assim, entretanto, casos como este seguiriam como exceção, aplicados em circunstâncias muito específicas, o que está muito distante do quadro atual, onde simplesmente se associou a técnica à enfermidade, de forma que toda vez que surge algum candidato aos passes com problemas de circulação nos membros inferiores, lá se põe o médium a aplicar passes de baixo para cima.

Caros amigos, “o passe é um exercício inteligente”, dizia o mesmo médium, nosso caro Altivo, o que nos leva imediatamente a considerar que esta tarefa pede raciocínio, reflexão, pesquisa, enfim, nos chama a pensar antes de aplicá-lo. A repetição de fórmulas não é, em absoluto, exercício de quem se propõe a ver o passe como ato inteligente. Obediência a fórmulas sequer é prática espírita.

Fica aqui uma motivação a mais para o estudo da Doutrina Espírita sim, mas também sobre o magnetismo, ciência sem a qual pouco avançaremos como trabalhadores do passe, permanecendo como simples doadores de fluidos, o que já é algo, frente aos nossos imensos débitos com a Grande lei de Amor, porém muito pouco, diante do que esta tarefa de Luz e de Jesus, potencialmente representa.

 

 

 

 

Referências Bibliográficas:

MICHAELUS. Magnetismo Espiritual. FEB, 1995.
BUÉ, A. Magnetismo Curador, a Técnica Magnética. FEB, 1984.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. CELD, 2010.
MELO, J. O Passe – seu estudo, suas técnicas, suas práticas. FEB, 1992.
XAVIER, F. C. Obreiros da Vida Eterna. FEB, 1996.

 

 

Fonte: Revista CELD de Estudos Espíritas
https://celd.xyz/wp-content/uploads/11-Revista_CELD_Novembro_2017.pdf

 

 

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