Dissertação (Mestrado em Psicologia)
– Universidade Federal do Espírito Santo, Centro
de Ciências Humanas e Naturais.
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Resumo
A questão penitenciária é amplamente
discutida na sociedade atual, seja por aspectos relacionados à
segurança pública, pela (in)eficiência do sistema
penitenciário na recuperação de apenados ou por
suas condições estruturais. A realidade brasileira nos
mostra um universo prisional deficitário e carente de políticas
que efetivem a garantia dos direitos dos detentos.
Nesse contexto, atividades religiosas têm assegurado espaço
nos presídios, que são vistos como um campo fértil
de atuação. Acredita-se que o discurso religioso seja
o discurso com o qual o detento mais tenha contato e que dentre os
tipos de assistência, a religiosa seja a que mais se cumpra
na prisão.
O objetivo desse trabalho foi investigar os significados da vida prisional
e religiosa entre internos de um presídio e voluntários
que realizam a assistência religiosa na instituição.
A pesquisa foi organizada em duas etapas e desenvolvida no Instituto
de Readaptação Social (IRS), Vila Velha, Espírito
Santo. Em um primeiro momento, que durou cerca de dois meses, foi
realizada a observação das práticas religiosas
na unidade. Após esse período foram entrevistados individualmente,
com auxílio de um de roteiro semiestruturado, seis agentes
religiosos e 11 internos do IRS. Todas as entrevistas foram gravadas
em áudio mediante autorização dos participantes,
que assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, e posteriormente
foram transcritas integralmente, para serem submetidas à análise
por meio do software Alceste. Utilizou-se também o
recurso de diário de campo, onde foram registrados todos os
dias de visita a unidade prisional.
Pressupostos teóricos de Michel Foucault e Erving Goffman orientaram
as discussões desta pesquisa. No estudo realizado com os voluntários
religiosos, foi possível perceber singularidades entre as práticas
dos diferentes grupos religiosos.
A assistência religiosa prestada pelos grupos católico
e espírita apresenta semelhanças e parece mais voltada
ao coletivo carcerário, sendo a religiosidade menos enfatizada,
embora seja um aspecto presente. Católicos e espíritas
entendem que a assistência religiosa tem o objetivo de garantir
melhores condições de vida aos detentos, pela busca
do respeito aos seus direitos. A ressocialização é
um objetivo presente, mas é vista a partir da transformação
das condições de vida na prisão.
O principal objetivo da assistência religiosa evangélica
é a conversão, portanto o foco das atividades é
no indivíduo e na sua transformação pessoal.
A ressocialização, entre os evangélicos, é
vista como uma transformação íntima na vida do
detento por meio da assimilação de uma doutrina religiosa.
No estudo realizado com os internos do presídio foi possível
observar algumas estratégias de vida que os detentos criam
para viver na prisão. Embora o universo prisional possa ser
considerado um espaço de mortificação, os internos
não se entregam a esse processo de despotencialização
da vida. Na busca de alternativas possíveis para lidar com
o encarceramento, criam modos de vida que rompem com essa ideia de
sujeição ao sistema penitenciário. O tempo de
prisão pode estar associado a determinadas formas de lidar
com o encarceramento. As análises indicaram que quanto maior
o período de prisão, mais intenso parece ser o processo
de mortificação do eu.
O encontro com o mundo religioso na prisão também é
uma via possível para lidar com o encarceramento. A religiosidade
permite aos internos significar as suas vidas, além de ser
um recurso para enfrentar situações adversas na prisão.
Por meio dessa vivência os detentos parecem sentir certa autonomia,
embora estejam submetidos a um regime de controle. As práticas
religiosas funcionam, dessa maneira, como ajustamentos secundários,
que permitem aos detentos certo conforto psíquico, uma satisfação
que seria difícil de ser atingida por outros meios, nas circunstâncias
em que eles se encontram. Enfatiza-se a importância de se construir
na prisão espaços que não tenham efeitos mortificadores,
mas que potencializem os modos de vida. É fundamental que o
detento tenha a possibilidade de cumprir sua pena em melhores condições
e de compreender a sua vida por distintas vias discursivas. Transformar
o sistema penal é urgente, para que o universo penitenciário
não seja um mecanismo de aplicação de práticas
punitivas, coercitivas e moralistas. É preciso romper com a
visão do presídio como uma instituição
custodial.
André Mota do Livramento
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade Federal do
Espírito Santo, como parte dos requisitos para a obtenção
do grau de Mestre em Psicologia.
Orientação: Profª. Drª. Edinete Maria Rosa
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