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Federal de Rio Grande do Sul
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“O tempo
torna-se tempo humano na medida em que é articulado num modo
narrativo, e que a narrativa atinge a sua significação
plena quando se torna uma condição da existência
temporal ,”
Paul Ricoeur . Tempo e Narrativa III
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Neste artigo discuto brevemente a estruturação
do sentido das narrativas de obsessão no interior do sistema
religioso espírita, compreendendo tais narrativas como o principal
locus de atualização dramática de sua
teodicéia – sua concepção de Mal e consequente
ajuste exegético e moral da Perfeição Divina à
Imperfeição do Mundo - aonde sua visão de mundo
e noção de pessoa é encenada e reelaborada.
Espaço de convergência entre doutrina e relato, ritual
e narrativas, oralidade e escrita, a sessão de desobsessão
é o momento não apenas de contato verbal com espíritos,
mas também de atualização de uma tradição
narrativa e dramática no espiritismo. É a partir dos relatos
e diálogos travados entre médiuns e espíritos que
se elabora uma vasta e popular literatura doutrinária no kardecismo,
que contém uma estrutura de ficção e uma afirmação
de testemunho, acompanhada de interpretações religiosas.
No entanto não será feita aqui uma análise de ritual,
mas sim de seu núcleo narrativo. Ao vislumbrar a existência
de padrões narrativos nos rituais de desobsessão, inspiro-me
na tradição formalista de estudos da narrativa, a qual
desmonta um corpus de fábulas em busca de invariantes estruturais
que desvendem a lógica das narrativas num plano ordenador mais
profundo e abstrato. Na esteira desses posicionamentos sustento que
o corpus oral e escrito subjacente às histórias de obsessão
tem padrões narrativos que podem ser analisados em relações
estruturais e componentes semânticos, compostos de funções
e motivos recorrentes.
A concepção
espírita: a obsessão como uma enfermidade espiritual e
relacional.
A obsessão é uma categoria espírita que designa
uma enfermidade espiritual. Consiste no assédio de um
espírito obsessor sobre um obsidiado com propósitos
de vingança (em virtude de dívidas contraídas
em situações passadas), ou simplesmente atraído
por relações de afinidade, “extraindo os fluidos
necessários para continuar sentindo aquilo que sentia quando
encarnado”. A sessão de desobsessão consiste
num contato dialogado com esses espíritos, com o propósito
de esclarecê-los, convencendo-os a abraçar a ética
cristã e desistir do ânimo de vingança, abandonando,
finalmente, o obsidiado. Mas consiste também na moralização
do obsidiado, considerado também responsável pela obsessão,
por não cultivar uma atitude moral e um conhecimento que o levasse
a sintonizar uma faixa vibratória elevada, afastando-se de uma
conduta religiosa regida pelos critérios do grupo, abrindo o
caminho para a ação do obsessor. Assim, os principais
males catalogados pelo espiritismo são tidos e vistos não
apenas pela concepção “da Terra ser um planeta de
expiações e provas, habitado em sua maioria por espíritos
inferiores”, mas pela conseqüência da obsessão
acompanhar esses problemas: drogadicção, dissolução
de laços familiares, comportamentos violentos e até guerras
seriam causados ou potencializados pela obsessão. Grande parte
das narrativas literárias espíritas relacionam-se com
a obsessão por dramatizar a idéia de justiça no
espiritismo (Giumbelli,1997) e do embate entre Bem e Mal. Como todas
as atividades no espiritismo, a desobsessão é objeto de
um sem-número de publicações de autores espirituais
e encarnados, que discutem sua teoria e técnica.
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Fonte:
https://www.academia.edu