Niterói
Maio de 2008
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Sumário
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1. |
APRESENTAÇÃO |
2. |
A
HOMOSSEXUALIDADE E CIÊNCIA OFICIAL |
3. |
A HOMOSSEXUALIDADE E SOCIEDADE |
4. |
A HOMOSSEXUALIDADE E A BÍBLIA |
5. |
A HOMOSSEXUALIDADE E AS RELIGIÕES TRADICIONAIS |
6. |
A HOMOSSEXUALIDADE E O ESPIRITISMO |
7. |
UMA TOMADA DE POSIÇÃO |
8. |
CONCLUSÃO |
9. |
REFERÊNCIAS |
1. APRESENTAÇÃO
Infinita é a misericórdia de Deus. Prova disso reside
no fato de não haver facultado ao nobre produto da celulose qualquer
senso crítico sobre o que é lançado em seu corpo
porque, do contrário, não poderia usá-lo para oferecer
a minha modesta contribuição, quer seja, revisão
da pesquisa que realizei sobre a homossexualidade para a equipe de atendimento
fraterno do Grupo Espírita Leôncio de Albuquerque de Niterói,
que se reuniu para estudar tal tema no último domingo de agosto
de 2007.
A pesquisa não foi aprofundada e a sua metodologia consistiu
na revisão bibliográfica de alguns escritos sobre a homossexualidade
na perspectiva da Psiquiatria, da Psicologia, da Psicanálise,
da Antropologia, da Biologia, do Direito, da Teologia (Católica,
Anglicana e Luterana) e do Espiritismo. A mesma contempla, ainda, uma
seção relativa ao tratamento que a sociedade confere ao
homossexual e outra onde manifesto a minha humilde opinião sobre
o tema, que é de inegável importância para os trabalhos
do atendimento fraterno.
Desde já esclareço que a imagem colocada no centro da
capa trata de um quadro de Abelardo, disponível no Museu de Imagens
do Inconsciente, e representa a sombra, isto é, o aspecto perigoso
da metade escura e não admitida da personalidade que, apesar
de escondida atrás da máscara de ator que usamos, é
mostrada fielmente pelo espelho, que não lisonjeia.
Confesso que tal imagem contém provocação porquanto
vislumbro na questão da homossexualidade um típico tema
que, invariavelmente, suscita reações que acabam por revelar
a real essência de quem busca analisá-la, ainda que tenha
por bem afivelada a máscara do personagem que deseja representar
perante o mundo.
Peço perdão pelas falhas que serão detectadas no
curso deste modesto estudo e que persistem, malgrado meu sincero esforço
de revisão.
2. HOMOSSEXUALIDADE E CIÊNCIA OFICIAL
Não há como tratar da homossexualidade sem se fazer uma
breve exposição sobre a sexualidade. E, na dicção
dos especialistas,
Sexualidade é uma dimensão
inerente da pessoa e está presente em todos os atos de sua
vida. É um elemento básico da personalidade, que determina
ao indivíduo um modo particular e individual de ser, manifestar,
comunicar, sentir, expressar e viver o amor. Sexualidade é
auto-identidade, é a própria existencialidade (MAIA,
1994, p. 209, apud Ivo, Pelizaro, Zaleski).
Segundo Gibson Bastos (2006), a sexualidade
é tão complexa que os estudos nessa área a definem
como dotada de quatro elementos: sexo biológico, identidade de
gênero, o papel sexual e orientação sexual.
O sexo biológico é definido a partir da percepção
dos órgãos reprodutores do indivíduo (Bastos, 2006).
A identidade de gênero é a identificação
psicológica que o indivíduo consegue ter em relação
ao seu sexo biológico. É a não identificação
com o seu sexo biológico que, em regra, compele os travestis
e os transexuais a mudarem de aparência ou a própria anatomia.(Bastos,
2006).
Não me parece demasiado explicar que a mudança da própria
anatomia em virtude da não identificação com o
seu sexo biológico foi objeto de regulamentação
pelo Conselho Federal de Medicina, consoante se infere de sua Resolução
CFM nº 1.652/2002. É a chamada de cirurgia de transgenitalismo
e tem o propósito terapêutico específico de adequar
a genitália ao sexo psíquico. Destina-se ao paciente transexual
portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual,
com rejeição do fenótipo e tendência à
automutilação ou mesmo ao auto-extermínio.
Pelo que se infere do conteúdo do referido ato normativo, a cirurgia
de transgenitalismo não depende apenas da vontade do paciente.
Depende, também, da avaliação de equipe multidisciplinar
constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista,
psicólogo e assistente social, obedecendo, ainda, os critérios
a seguir definidos, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento
conjunto: 1) Diagnóstico médico de transgenitalismo; 2)
Maior de 21 (vinte e um) anos; 3) Ausência de características
físicas inapropriadas para a cirurgia.
Também não me parece demasiado explicar, seguindo a trilha
aberta por Júlio Cezar Meirelles Gomes e por Lúcio Mario
da Cruz Bulhões, nos autos do Processo Consulta nº 39/97-C,
que o transexualismo deve ser enquadrado no âmbito das intersexualidades
não-orgânicas e que não se confunde com a homossexualidade
porque se caracteriza pela repulsa, pela rejeição à
própria genitália semelhante ao sexo desejado e que gera
o desconforto supremo da inadequação entre partes vivas,
a ponto do indivíduo ficar, inclusive, “propenso ao auto-exterminio
em face do grave conflito entre fenótipo e consciência
de opção sexual”.
A cirurgia de transgenitalismo regulamentada pelo Conselho Federal de
Medicina e as suas repercussões sociais não foram olvidadas
pelo Direito. Tanto é assim que foi aprovado o enunciado a seguir
na IV Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários
do Conselho da Justiça Federal e que contou com a participação
de renomados professores e profissionais de Direito de todas as áreas
e de todas as regiões do país:
276 – O art. 13 do Código
Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo
por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização,
em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal
de Medicina, e a conseqüente alteração do prenome
e do sexo no Registro Civil.
O papel sexual é outro elemento
da sexualidade digno de consideração. Consiste no conjunto
de normas estabelecidas pela sociedade, através de seus hábitos
e costumes, definidoras dos comportamentos aceitáveis para um
homem e para uma mulher (Bastos, 2006).
A orientação sexual “é caracterizada por
uma duradoura atração emocional, romântica, afetivo-sexual
que um indivíduo sente por outro” (Bastos, 2006, p. 20).
São três as orientações sexuais admitidas
pela ciência: heterossexualidade, homossexualidade e bissexualidade.
Gibson Bastos (2006) destaca que a orientação sexual não
se confunde com o comportamento sexual. A orientação sexual
refere-se ao desejo do indivíduo no campo afetivo-sexual. Já
o comportamento sexual reflete o modo como o indivíduo lida com
o impulso sexual, impulso este variável de pessoa para pessoa.
É possível que um heterossexual (orientação
sexual) tenha comportamento homossexual (comportamento sexual) ou mesmo
que um homossexual (orientação sexual) tenha comportamento
heterossexual (comportamento sexual). E mais. É possível
ainda que determinada pessoa, por não aderir ao papel sexual
imposto pela sociedade, receba a pecha de homossexual, apesar de heterossexual
ou mesmo a pecha de heterossexual, malgrado homossexual.
Explica Silvério da Costa Oliveira (2001) que:
O médico húngaro Karoly
Benkert introduziu o termo "homossexualismo" e trouxe neste
ano de 1869, o homossexualismo para a condição de doença
mental de natureza congênita e que requer um tratamento.
Foi, de certa forma, um avanço
porque tal médico pretendia proteger os homossexuais de leis
que criminalizavam a homossexualidade com pena, inclusive, como no caso
da Alemanha, de morte (Oliveira, 2001).
Tanto é assim que escreveu uma carta ao Ministro da Justiça
alemão requerendo a revogação da lei que criminalizava
a homofilia, sem obter sucesso.
Mas, conforme Lucineide Picolli (2005),
Em 1974, a Associação
Americana de Psiquiatria decidiu retirar o homossexualismo da lista
das doenças mentais, declarando: “A homossexualidade
é uma forma de comportamento sexual e, como as outras formas
de comportamento sexual, que não constituem distúrbios
psiquiátricos, ela não se inclui na lista das doenças
mentais.
Essa atitude foi apoiada pela Associação
de Psicologia Americana em 1975. A Organização Mundial
de Saúde, em 1993, retira a homossexualidade de suas listas de
doenças mentais por não mais considerá-la como
um desvio ou um transtorno sexual. (Bastos, 2006).
O Conselho Federal de Medicina brasileiro, em 1985, retira a homossexualidade
do rol de doenças psiquiátricas (Cruz, 2004).
O Conselho Federal de Psicologia, em 1999, editou a Resolução
CFP N° 001/99 com o escopo de estabelecer normas de atuação
para os psicólogos em relação à questão
da orientação sexual, destacando, já nos seus consideranda,
que a “homossexualidade não constitui doença, nem
distúrbio e nem perversão” e que “a forma
como cada um vive sua sexualidade faz parte da identidade do sujeito,
a qual deve ser compreendida na sua totalidade”.
Como conseqüência lógica da linha de entendimento
acima exposto, temos esta mesma Resolução CFP Nº
001/99, em seu art. 3º, parágrafo único, vedando
a colaboração dos psicólogos em eventos e serviços
que proponham tratamento e cura da homossexualidade.
Consolidando a perspectiva inaugurada pelo retrocitado ato normativo,
o Conselho Federal de Psicologia fez constar no Código de Ética
Profissional do Psicólogo, aprovado pela Resolução
CFP nº 010/05, de 21 de julho de 2005, a vedação
do Psicólogo de induzir a orientação sexual dos
seus pacientes.
É o que se infere do seguinte dispositivo:
Art. 2º – Ao psicólogo
é vedado:
(omissis)
b) Induzir a convicções
políticas, filosóficas, morais, ideológicas,
religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo
de preconceito, quando do exercício de suas funções
profissionais;
Alípio de Sousa Filho (2003),
professor adjunto do Departamento de Ciências Sociais da UFRN,
com doutorado em Sociologia pela Universidade de Sorbonne (Paris), após
analisar a homossexualidade na perspectiva da Psicanálise, asseverou
que:
Desde Freud e sua teoria do inconsciente,
seguido por Lacan, sabemos, se há alguma razão para
se falar de causa, que se aceite que todo desejo é causado
e, mais ainda, que todo desejo é uma causa: a causa do sujeito
do desejo, isto é, aquilo pelo que cada um se empenha, embora
sem saber. Deve-se saber, portanto, que a causa da homossexualidade
é a mesma da heterossexualidade e da bissexualidade: a escolha
inconsciente do objeto do desejo.
A importância da teorização
de Freud está em desnaturalizar a sexualidade humana, demonstrando
que todas as escolhas sexuais, como produções de desejo,
seguem igualmente determinações inconscientes. Freud
consegue isso demonstrando – a partir de material clínico
observado – que a sexualidade humana, buscando o prazer, afasta-se
do modelo da vida sexual animal, “perverte” (altera, imprime
novo modo de ser) à função da procriação
animal. Ensina-nos Freud, a sexualidade dos seres humanos é
múltipla, variegada, desordenada, caótica. Nessa esfera,
nenhuma escolha é mais natural ou normal do que outra, melhor,
pior, superior, inferior. Tratando-se de que não inflija sofrimento
a ninguém, não constitua violência sobre o outro,
agressão à dignidade humana, não se pode acusar
a homossexualidade de nenhuma dessas coisas.
O retromencionado professor ainda ensinou
que:
Uma das mais importantes contribuições
da antropologia ao estudo da humanidade foi conseguir demonstrar que
a sexualidade também se inscreve no rol de todas as criações
humanas, constituindo mais um objeto social da ordem da linguagem,
da cultura, do simbólico, não sendo a anatomia dos sexos
nenhuma causa do destino sexual dos seres humanos. A idéia
de um destino biológico como definidor do gênero sexual
não se sustenta à menor prova do confronto com as descobertas
da pesquisa etnológica. Depois de Marx, Durkheim, Freud, Claude
Lévi-Strauss, Jacques Lacan, Simone de Beauvoir, Michel Foucault,
Pierre Bourdieu, Françoise Héritier, Elisabeth Badinter,
entre outros, falar de destino biológico do desejo sexual é
ignorância, é cair no ridículo e atestar incompetência
em conhecimento teórico. (2003)
O teólogo católico canadense
Gregory Baum (2007), em artigo sobre homossexualidade, corrobora a linha
de raciocínio acima exposta ao dizer que:
Em primeiro lugar, as ciências
psicológicas e antropológicas descobriram que a orientação
homossexual não é nem uma doença, nem uma perversão
da natureza, mas uma variante absolutamente natural que diz respeito
a uma minoria de homens e mulheres.
Durante os anos sessenta e setenta,
organismos profissionais, aí compreendidas associações
de médicos, mudaram, por isso, seu juízo negativo com
respeito ao fenômeno homossexual.
Diante das novas perspectivas
adotadas pela ciência oficial, há relato na literatura
especializada de esforços para que os profissionais de saúde
passassem a utilizar o termo homossexualidade, em substituição
da palavra homossexualismo, vez que o sufixo "dade" significa
modo de ser ou de se comportar, e o sufixo "ismo", do ponto
de vista médico, significa doença (Ivo; Pelizaro; Zaleski,
2002). Ou seja, com o progresso da ciência, a palavra homossexualismo
tornou-se obsoleta. Mais do que isso, a palavra homossexualismo tornou-se
incorreta.
A ciência oficial, sem sucesso, buscou traçar a causa da
homossexualidade, esquecendo-se, como bem lembrou Gibson Bastos (2006),
de traçar uma explicação para a heterossexualidade.
Com relação a essa preocupação em identificar
a causa da homossexualidade, Alípio de Sousa Filho (2003) destacou
que:
Relacionar a homossexualidade
a causas biológicas (disfunção hormonal), psicológico
(traumas infantis), social (isolamento, ausência feminina) ou
a outras causas é dar status científico ao preconceito
moralista – fundamentalista – que quer fazer crer a todos
que a única expressão normal da sexualidade humana seria
a heterossexualidade, porque seria sua forma natural. Hoje, não
se pode mais aceitar a continuidade da aberração dessas
explicações como fundamento para “teses científicas”
ou como fundamento para a instituição do direito, sabendo-se
que até aqui, em muitas sociedades, os homossexuais continuam
excluídos da cidadania plena.
Para a Psiquiatria, Psicologia
e Psicanálise, a homossexualidade não constitui um transtorno
sexual. Constitui, sim, uma das formas naturais de manifestação
da identidade do indivíduo. Por via de conseqüência,
qualquer tentativa de um Psiquiatra, Psicólogo ou mesmo Psicanalista
voltada à “cura” da homossexualidade configura ofensa
aos Códigos de Éticas que regem cada uma dessas categorias
profissionais (Bastos, 2006).
Conforme Drauzio Varella, os “Desejos sexuais percorrem
circuitos de neurônios que fogem do controle consciente”.
Tal afirmativa foi construída a partir de uma pesquisa realizada
pela Academia Austríaca de Ciências, com drosófilas,
as mosquinhas que sobrevoam bananas maduras e que, durante muito tempo,
foram utilizadas pela Biologia para compreender, inclusive, a genética
humana.
Segundo o renomado médico, os austríacos transplantaram
a versão masculina do gene fru das drosófilas machos para
um grupo de fêmeas. E, num experimento paralelo, a versão
feminina do mesmo gene para um grupo de machos. Com isso, as fêmeas
que receberam a versão masculina de fru, quando levadas à
presença de outra fêmea, adotavam o ritual masculino de
acasalamento e quando colocadas em ambientes com moscas de ambos os
sexos, perseguiam sexualmente outras fêmeas, desprezando o sexo
oposto. Já os machos que receberam a versão feminina de
fru tornaram mais passivos, desinteressados pelas fêmeas e atraídos
por outros machos.
Assim, de forma soberba, a Biologia demonstrou que um único gene
é capaz de controlar um comportamento de alta complexidade.
Drauzio afirma ainda que “É muito provável que o
comportamento sexual esteja sob o comando do que chamamos de programa
genético aberto”, explicando que
Programas abertos são
aqueles em que o catálogo de instruções impresso
no DNA admite, dentro de certos limites, a inclusão de informações
colhidas por aprendizado, condicionamento ou outras experiências.
É dado um exemplo para
compreendermos o que seja programa genético aberto:
(...) se vedarmos o olho esquerdo
de uma criança ao nascer, ao retirarmos a venda três
meses mais tarde ela terá perdido definitivamente a visão
desse olho, embora enxergue normalmente com o outro. O programa genético
responsável pela distribuição dos neurônios
da retina no cérebro precisa interagir com a luz para incorporar
as informações necessárias ao desenvolvimento
pleno da visão.
Para a Biologia Moderna, continua
explicando Drauzio, o “homem é resultado de uma interação
complexa entre o programa genético contido no óvulo fecundado
e o impacto que a experiência exerce sobre ele”.
Desse modo, conclui Drauzio que “Considerar a orientação
sexual mera questão de escolha do indivíduo é desconhecer
a natureza humana”.
Corroborando as palavras de Drauzio Varella, temos um artigo publicado
na FolhaOnline de 10/12/2007 relatando que cientistas da Universidade
de Illinois (EUA), da Universidade de Borgonha (França) e do
Centro de Genômica de Lausanne (Suíça) identificaram
um gene que transforma a mosca "drosophila" macho em bissexual.
Segundo foi registrado no referido artigo, os experimentos comprovaram
que quando a produção de uma proteína de transporte
específica das células gliais é suspensa numa mosca
macho, o inseto deixa de distinguir fêmeas de machos durante o
cortejo.
O jornalista Ricardo Bonalume Neto conta-nos que estudo liderado pela
pesquisadora Han Kyung-an, da Universidade Estadual da Pensilvânia
(EUA) demonstrou que machos de drosófilas submetidos a uma constante
inebriação com etanol ficaram mais excitados e desinibidos
sexualmente, a ponto de não só voarem atrás de
fêmeas, mas também de outros machos.
O estudo foi realizado nas moscas drosófilas, explicou o aludido
colunista diante da “necessidade de estudos em modelos animais”
para melhor compreensão da relação causal do álcool
com excitação sexual e comportamento sexual desinibido
em humanos.
Paulo da Silva Neto Sobrinho (2007), em texto que aborda a homofilia,
cita o livro Biological Exuberance – Animal Homosexuality and
Natural Diversity (Exuberância Biológica – Homossexualidade
Animal e Diversidade Natural), do biólogo norte-americano Bruce
Begamihl, lançado em 1999, onde são descritos casos de
homossexualidade entre 450 espécies de animais, em sua maioria
mamíferos e aves.
Para Paulo da Silva Sobrinhon
(2007), tal livro comprova que a homossexualidade acontece na natureza,
“o que, para nós, justifica a mudança de atitude
em relação aos homossexuais que existem no nosso meio”.
O Direito, como ciência, também presta a sua colaboração
para compreensão da homossexualidade. Ensina Caio Mário
da Silva Pereira, Professor Emérito da Universidade Federal do
Rio de Janeiro e da Universidade Federal de Minas Gerais, que:
Não se pode negar que
a vida em casal, composta de um homem e uma mulher, não é
a única forma de vida comunitária. O casamento, até
então, tem se mostrado como a mais organizada e freqüente,
mas, nem por isto, pode-se desconhecer como válida a convivência
entre pessoas do mesmo sexo, a qual dia a dia se torna mais freqüente.
(2007, p. 65)
Nessa mesma linha é o seguinte
trecho extraído do voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal
Gilmar Ferreira Mendes, quando Ministro do Tribunal Superior Eleitoral,
prolatado nos Embargos de Declaração em Recurso Especial
Eleitoral nº 24.564/PA:
É um dado da vida real a existência
de relações homossexuais em que, assim como na união
estável, no casamento ou no concubinado, presume-se que haja
fortes laços afetivos.
Assim, entendo que os sujeitos
de uma relação estável homossexual (denominação
adotada pelo Código Civil alemão), à semelhança
do que ocorre com os sujeitos de uma união estável,
de concubinado e de casamento, submetem-se à regra de inexigibilidade
prevista no art. 14, §7º, da Constituição
Federal.
E mais. Dita o art. 5º, II e parágrafo
único, da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura
violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer
ação ou omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico
e dano moral ou patrimonial:
(omissis)
II - no âmbito da família,
compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são
ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por
afinidade ou por vontade expressa;
(omissis)
Parágrafo único.
As relações pessoais enunciadas neste artigo independem
de orientação sexual.
Para Leonardo Barreto Moreira
Alves, Promotor de Justiça de Minas Gerais e Membro do Instituto
Brasileiro de Direito de Família, tais dispositivos inauguram
um conceito legal que definitivamente reconhece a união homoafetiva
(entre mulheres e, pelo princípio constitucional da igualdade,
também entre homens) como entidade familiar, o que implica na
perda de interesse na aprovação de qualquer projeto de
lei que venha a disciplinar esta matéria e que tal união
não constitui sociedade de fato (e, sim, uma entidade familiar),
daí porque sua apreciação deve se dar sempre na
Vara de Família, nunca em uma Vara Cível.
Nota-se, portanto, que a ciência oficial, por meio da Psiquiatria,
da Psicologia, da Psicanálise, da Antropologia, da Biologia e
do Direito, confere à homossexualidade a consideração
que merece toda forma legítima de manifestação
da sexualidade e, por conseguinte, de auto-identidade do indivíduo.
3. A HOMOSSEXUALIDADE E A SOCIEDADE
Em artigo que analisa a homossexualidade na perspectiva das pastorais
pentecostais, Marcelo Natividade (2006) noticia que em agosto de 2004
começou a tramitação na Assembléia Legislativa
do Estado do Rio de Janeiro do projeto de lei do Deputado Estadual Édino
Fonseca que, em síntese, cria um programa de auxílio às
pessoas que, voluntariamente, optarem pela mudança da homossexualidade
para a heterossexualidade.
Em outras palavras, o projeto de lei pretende financiar a cura da homossexualidade.
Isso demonstra que o preconceito está tão arraigado na
sociedade que é capaz de institucionalizar a cura de uma realidade
que, segundo diversos ramos científicos, não é
sequer doença e, sim, um modo de ser.
Pior é que essa institucionalização da cura da
homossexualidade, com dinheiro público, além de atropelar
os Códigos de Ética das profissões atinentes ao
campo psi (Psiquiatria, Psicologia e Psicanálise), desconsidera,
como bem lembrado por Gibson Bastos (2006), que os métodos destinados
à modificação da orientação sexual
não são reconhecidos como eficazes pela Organização
Mundial de Saúde, pelos Conselhos de Medicina e pelos Conselhos
de Psicologia porque, no máximo, conseguem é levar o indivíduo
a reprimir seu desejo, gerando conflitos e sofrimentos.
A homossexualidade, por mais de uma década, não é
tida como doença ou desvio pela ciência oficial, não
havendo espaço para se falar, seriamente, em cura. Assim sendo,
os tratamentos terapêuticos aceitos pelos órgãos
oficiais que regulam esse tipo de serviço são aqueles
destinados à identificação da verdadeira orientação
sexual e dos caminhos para ser feliz com ela (Bastos, 2006).
John Evans, citado por Gibson Bastos (2006), relata que depois de trinta
anos de trabalhos voltados à cura da homossexualidade constatou
que tais esforços geravam depressão e suicídio.
Esse relato é importante porque veio de um dos fundadores do
grupo LIA, organização estadunidense criada com a proposta
de curar a homossexualidade.
A intolerância em relação aos homossexuais parece
não conhecer fronteiras. Segundo Vera Lúcia Franco (2004):
um panorama mundial mais ou
menos atualizado sugere que o homossexualismo é ainda ilegal
em 74 países, 53 dos quais são ex-comunistas, ex-colônias
britânicas ou de cultura predominantemente islâmica. Em
56 países existem movimentos gays, mas só em 11 deles
a população é favorável a direitos iguais
para todos. Em apenas seis países o governo protege os homossexuais
contra a discriminação.
A Assessoria de Imprensa do Programa
Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde certa vez
noticiou que:
Cerca de 80 países, principalmente
na Ásia, África, América Central e Caribe, condenam
a homossexualidade. A penalidade mais comum é a prisão,
que pode passar de dez anos, como em Cuba, Malásia, Nigéria,
Índia, Síria, Nicarágua e Líbia. Em outras
nações, gays podem ser condenados a prisão perpétua,
a exemplo de Uganda. E em países mais radicais, como Afeganistão,
Irã e Arábia Saudita, a punição é
a pena de morte. Segundo o site, mesmo em países cujos códigos
penais não punem a homossexualidade, como o Brasil, a homofobia
está presente no cotidiano das pessoas.
O caso de maior repercussão
nos últimos anos, que mereceu destaque na imprensa nacional
e na internacional, foi o de Édson Néris da Silva, morto
em fevereiro de 2000. Édson e o amigo Dario Pereira Netto estavam
andando de mãos dadas quando foram abordados por um grupo de
20 skinheads, em uma praça do Centro de São Paulo. Os
dois tentaram fugir, mas somente Pereira conseguiu escapar. Édson
foi espancado com socos e pontapés. Testemunhas disseram à
polícia que a agressão durou cerca de 20 minutos. Depois
disso, o grupo foi embora demonstrando calma. Policiais prestaram
atendimento a Édson. Ele sofreu fratura de crânio, hemorragia
interna, ferimentos no rosto, braços e pernas. Morreu logo
depois de chegar ao hospital.
Conforme registrado por Gibson
Bastos (2006), não são raros os casos em que a própria
família do homossexual toma contra ele uma atitude agressiva.
E mais. Nos Estados Unidos, cerca de 26% dos jovens homossexuais são
expulsos de casa.
Luiz Mott (2006) - Mestre em Etnologia pela Universidade de Sorbonne
(Paris), Doutor em Antropologia pela Unicamp e Professor Titular do
Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia - assim
descreve a realidade do homossexual na sociedade brasileira:
Infelizmente, verdade seja dita, somos
obrigados a reconhecer que de todas as chamadas "minorias sociais",
no Brasil, e na maior parte do mundo, os homossexuais continuam a
ser as principais vítimas do preconceito e da discriminação.
Todos nós já ouvimos mais de um pai declarar: "prefiro
ter um filho ladrão do que homossexual"! E não
nos acusem de apelar para o vitimismo, pois os dados comprovam inegavelmente
que, de todas as minorias sociais, os homossexuais são os mais
vulneráveis: em Brasília, 88% dos jovens entrevistados
pela Unesco consideram normal humilhar gays e travestis, 27% não
querem ter homossexuais como colegas de classe e 35% dos pais e mães
de alunos não gostariam que seus filhos tivessem homossexuais
como colegas de classe. Mais grave ainda: no Brasil, um gay, travesti
ou lésbica é barbaramente assassinado a cada dois dias,
vítima da homofobia.
Confirmando o discurso acima transcrito,
diz o professor Alípio de Sousa Filho (2003) que:
Dentre as várias expressões
da sexualidade humana, a homossexualidade tem sido historicamente
e incomparavelmente a que mais ataques tem sofrido dos fundamentalistas
em religião, em moral, em ciência, em direito. Variando
a intensidade de acordo com as épocas e com as sociedades,
o preconceito em torno da homossexualidade sempre esteve presente
com maior ou menor importância na vida de diversas sociedades
conhecidas, registrando-se poucas exceções históricas
e etnográficas.
De fato, o processo histórico permite constatar
que o relacionamento afetivo-sexual entre pessoas do mesmo sexo, no
transcorrer dos séculos:
Já foi considerado pecado,
sem-vergonhice, crime e doença, e, na atualidade, o modo de
ver a relação homossexual ainda apresenta muito destas
qualificações, advindo disto um grande preconceito,
mesmo que para a psicologia esta seja considerada uma forma de orientação
do desejo, assim como é a heterossexualidade e a bissexualidade
(Toledo, 2006).
Lamentavelmente, no Brasil, autoridades
de grande relevo e membros de sua elite social têm produzido discurso
de ódio, desprezo e estímulo à violência
contra os homossexuais. É o que se infere do trecho abaixo, extraído
de estudo realizado por Luiz Mott (2006):
Na Universidade de Santa Cruz, RS,
foram distribuídos panfletos e adesivos com a seguinte palavra
de ordem: "Mate um homossexual!". Em um dos programas de
maior audiência popular, quando ainda na TV Record (da Igreja
Universal), a apresentadora Ana Maria Braga divulgou a seguinte piadinha:
"Você sabe qual é a maior tristeza de um pai caçador?
Ter um filho veado e não poder matar! ". O bispo de Erechim,
RS, D. Girônimo Anandréa declarou: "Os homossexuais
nunca constituíram uma família. E nem vão constituí-la
no futuro. O bem comum da sociedade requer a desaprovação
do seu modo de agir". O pastor Túlio Ferreira, da Assembléia
de Deus de São Paulo, disse: "O homossexualismo é
uma anormalidade, uma profanação do nome de Deus, pois
a homossexualidade é uma maldição divina e por
isto todos os homossexuais serão conduzidos pelo diabo à
perdição eterna". Dom Eusébio Oscar Scheid,
ex-Arcebispo Metropolitano de Florianópolis e atual do Rio
de Janeiro, declarou: "O homossexualismo é uma tragédia.
Gay é gente pela metade. Se é que são gente!".
O beneditino D. Estêvão Bittencourt, do mosteiro do Rio
de Janeiro, disse: "O homossexualismo é contra a lei de
Deus e contra a natureza humana. Mãe lésbica deveria
perder o direito de educar o seu filho. A justiça não
deve dar a guarda da criança a uma mãe lésbica".
Carecas de Santo André, SP, distribuíram panfletos com
a seguinte palavra de ordem: "Destrua os homossexuais!".
E alguns meses depois, em janeiro de 2000, dezoito skeen-heads trucidaram
um jovem gay, Edson Néris, na Praça da República.
Espumando de ódio, num programa de TV, o deputado paulista
Afanazio Jazadi declarou: "Todo homossexual deveria ser morto!".
Policiais do 16º Batalhão da PM de Salvador proclamaram:
"A ordem é metralhar os travestis!".
Recentemente, o jogador do São
Paulo Richarlyson, conforme reportagem de Ricardo Viel (2007), ajuizou
ação criminal contra o dirigente do Palmeiras, que, em
programa de televisão, insinuou que o atleta era homossexual.
Para surpresa de todos, o juiz da 9ª Vara Criminal de São
Paulo, Manoel Maximiano Junqueira Filho, arquivou o processo com a assertiva
de que "o futebol é jogo viril, varonil, não homossexual"
e que o jogador, caso resolvesse assumir a sua homossexualidade, deveria
abandonar os gramados, já que “não poderia jamais
sonhar em vivenciar um homossexual jogando futebol”.
Triste é constatar que tamanha demonstração de
sentimentos anticristãos advém da elite social de um País
“escolhido” para ser a Pátria do Evangelho.
Sem muito esforço se chega à conclusão de que a
psicosfera do planeta está profundamente impregnada de homofobia,
isto é, “todo tipo de comportamento que discrimina, oprime
e leva à morte as pessoas que assumem que são homossexuais”
(Bastos, 2006, p. 84). Nas palavras da UNAIDS, a “homofobia confere
à heterossexualidade o monopólio da normalidade, gerando
e incentivando o menosprezo contra aqueles que divergem do modelo de
referência”.
Luiz Mott (2006), ao analisar as primeiras leis brasileiras, destaca
que
Salta aos olhos, mesmo dos mais intolerantes,
o absurdo de tanta severidade e indignação moral contra
o homoerotismo, pois condutas anti-sociais extremamente ameaçadoras,
como o estupro, a violência contra menores, o canibalismo e
até o matricídio, eram consideradas crimes menos graves
do que o amor unissexual.
Completando o panorama social até
agora descrito, Gibson Bastos (2006) afirma que
A Igreja, através de seus representantes,
já chegou a considerar a masturbação, o coito
interrompido, todas as formas de sexo, e a relação entre
pessoas do mesmo sexo, como comportamentos piores do que o incesto,
o estupro e o adultério, por não atenderem à
reprodução (p. 71).
Para não restar dúvida
sobre o papel da Igreja na construção do ódio contra
os homossexuais, há as seguintes palavras de Edênio Valle
- Sacerdote católico, Psicólogo, Assessor Psicológico
da CNBB e de vários organismos da Igreja Católica no Brasil,
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências
da Religião da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo:
A pesada marginalização
e desprezo a que a homossexualidade foi submetida por séculos
e séculos era um fenômeno cultural mais vasto que a Igreja.
Esta, no entanto, esteve diretamente envolvida na milenar opressão
coletiva exercida sobre o grupo homossexual.
A psicóloga e terapeuta familiar
Jerusa Figueiredo Netto, citada pelo jornalista Rodrigo Hilário
(2002) em artigo publicado no CorreioWeb, afirma que, apesar do avanço
dos costumes, o inconsciente coletivo é preconceituoso com a
homossexualidade e com as famílias lideradas por mulheres, sendo
a aceitação da sociedade dessas realidades aparente e,
portanto, falsa.
Com base em informações extraídas da genética
e das pesquisas de Jung, Joanna de Angelis explica que “inconsciente
coletivo seria, então, o registro mnemônico das reencarnações
anteriores de cada ser, que se perde na sua própria historiografia”
(2002, p. 175).
Os séculos de cultivo do odio em relação àqueles
que não se amoldaram ao padrão imposto pela maioria heterossexual
contribuíram decisivamente para que florescesse e agigantasse
um inconsciente coletivo severamente contaminado com a homofobia, que
se manifesta nas mais variadas gradações, variando da
forma mais grosseira à mais sutil.
Tal inconsciente coletivo, herança de séculos de intolerância
e ódio com os ditos diferentes, influencia a psicosfera do planeta
e, por via de conseqüência, todos aqueles que nela residem,
incluindo os que labutam nas lides cristãs.
Esse clima de hostilidade é lamentável porquanto gera
para os homossexuais enormes dificuldades para desenvolvimento dos seus
valores intelectuais e morais tão-somente porque não se
enquadraram ao padrão de normalidade imposto pela maioria heterossexual
(Bastos, 2006).
Muitos pais, interagindo intensamente com a psicosfera do globo, esquecem
de ensinar aos seus filhos os passos para se tornarem homens de bem.
Querem que sejam homens do mundo. E, assim sendo, acabam desejando que
seus filhos sejam legítimos representantes da heterossexualidade.
Isso ocorre nem sempre porque queiram poupar os filhos de qualquer sofrimento.
Conforme desabafo de Gibson Bastos (2006, p. 134):
É uma dura verdade, às
vezes, fazemos dos filhos apenas motivo do nosso orgulho e da nossa
vaidade. Alegamos que só queremos que eles não sofram,
mas na maioria das vezes, somos nós que não suportamos
ver nossos sonhos desfeitos.
Parece que muito da revolta ou tristeza
dos pais em relação à homossexualidade do filho
decorre, por assim dizer, do fato deles não encontrarem no seu
sucessor direto o tão sonhado espelho para reprodução
perene dos sentimentos de vaidade e de orgulho fincados em suas almas.
Em outras palavras, o desespero dos pais em razão da homossexualidade
dos filhos revela, em verdade, não só a dificuldade de
aceitação da diversidade como também a dificuldade
de aceitação dos filhos como entes dotados de autonomia
ou mesmo de alma e, portanto, dotados de necessidades que os singularizam
e que influenciam o exercício do livre arbítrio.
Gibson Bastos aponta alguns fatores geradores do preconceito e da homofobia.
O primeiro fator residiria no fato da homossexualidade abalar a figura
do homem heterossexual como sinônimo de poder, na medida em que
o homossexual masculino é visto como uma figura frágil
e doente e o homossexual feminino é visto como aquele que dispensa
o homem do processo de busca do prazer sexual.
Outro fator apontado pelo citado autor refere-se ao fato da maioria
dos homófobos possuírem, em verdade, desejos homossexuais
reprimidos. Assim, com o apoio do superego de todo o coletivo da sociedade
- que vê na homossexualidade uma doença, uma perversão,
algo antinatural e anormal -, tais homófobos projetam os seus
desejos homossexuais reprimidos contra a figura social do homossexual,
agredindo-a de diversas formas para reprimir e punir as suas verdadeiras
tendências.
A baixa auto-estima é apontada também como uma das causas
do preconceito contra a homossexualidade porque as pessoas acometidas
desse mal aproveitam-se do desprezo que a maioria da sociedade tem para
com os homossexuais para exteriorizar a sua necessidade de inferiorizar
outras pessoas.
O discurso das religiões ortodoxas no sentido de que a homossexualidade
é uma situação contrária à natureza
e às Leis de Deus é apontado como um dos fatores da homofobia
por funcionar como senha que ajuda na propagação da intolerância
contra os homossexuais.
Tudo isso revela que a falta de conhecimento sobre a homossexualidade,
a imposição da heterossexualidade como um único
padrão de orientação sexual a ser aceita pela sociedade,
a dificuldade em aceitar a própria homossexualidade, a baixa-auto
estima e o interesse de alguns grupos em se manter no poder acarretam
a condenação e punição – mediante
exclusão e penas que incluem até a de morte - daqueles
que procedem de forma diversa da determinada pelo grupo.
Em síntese, tudo indica que o avanço experimentado pela
ciência oficial não provocou maior impacto sobre a sociedade
deste planeta, marcada pelo preconceito, pelo ódio, pelas guerras
e, por via de conseqüência, pela dor.
4. A HOMOSSEXUALIDADE
E A BÍBLIA
A Bíblia, consoante se infere da própria vivência
social, tem sido enfaticamente utilizada por diversas religiões
e seitas cristãs para justificar a perseguição
aos homossexuais. Segundo leitura que fazem da Bíblia, a homossexualidade,
por violar a ordem natural das coisas, ofende a Deus e a própria
moral, constituindo uma perversão que não pode ser tolerada.
Após minudente estudo sobre a homossexualidade na perspectiva
do segmento religioso que se autoproclama evangélico, Marcelo
Natividade (2006) destacou que:
A análise mostrou como evangélicos
proferem um discurso que afirma a exterioridade da homossexualidade,
rejeitando concepções deterministas e afirmando a possibilidade
de reversão por meio da conversão. As acusações
morais subjacentes ao discurso sobre a cura revelam um pânico
moral insuflado pelo cultivo de uma imagem negativa. Homossexuais
são vistos como "promíscuos", "pedófilos"
e sujeitos que "espalham doenças", portanto indivíduos
perigosos à coletividade. Também foi possível
perceber uma apropriação de noções oriundas
de outros saberes institucionalizados, a partir da veiculação
de imagens da homossexualidade como "doença", "vício",
"perversão" ou "degeneração".
Carrara e Vianna (2004) chamam a atenção no sentido
de que essas imagens se tratam de representações da
homossexualidade constituintes dos saberes biomédicos do início
do século passado. A problematização acerca da
"gênese" da homossexualidade - atrelada a práticas
visando a uma reestruturação das condutas sexuais -
revelou uma preocupação exaustiva com as sexualidades
periféricas. Seja como for, a homossexualidade não se
localiza fundamentalmente no orgânico, mas nas memórias
e nas experiências vividas, o que sugere a interpenetração
entre psicologia e religião (Semán, 2000). A noção
de cura e o ideal de restauração sexual buscam construir
um sujeito reflexivo e implantar uma ética sexual. O impulso
homossexual pode emergir sob a forma de tentações e
provações, mas é preciso uma verdadeira guerra
espiritual pelo controle e posse de si. O ideal da transformação
do sujeito em um templo do Espírito Santo busca reforçar
essa dimensão ética. Afinal, um templo é sagrado
e deve ser resguardado.
Todavia, dentro das religiões
cristãs há vozes em contrário. Uma delas é
de Benjamin Forcano, teólogo moralista e sacerdote católico,
para quem “A qualificação da homossexualidade como
abominação procede de uma hermenêutica mecanicista
e deslocada”.
Segundo o referido teólogo,
A Bíblia não é
um texto sagrado, intocável, para ser aplicado como se fosse
um ditado direto de Deus. A Bíblia não é um aerólito,
não é algo caído do céu, mas um instrumento
que ajuda a entender a vontade de divina tal como ela é percebida
a partir dos condicionamentos culturais, irremediavelmente limitados,
daquele tempo e sociedade.
Benjamin Forcano explica ainda que o
texto de Sodoma (Gn 19, 1-29), muito usado para desqualificar aqueles
que possuem orientação homossexual, em verdade, segundo
estudos recentes, não se refere à homossexualidade e,
sim, à falta de hospitalidade e que, todavia, se converteu, paradoxalmente
e contra seu sentido original, para proscrever e exilar de nossa sociedade
os homossexuais.
Forcano, após destacar que a Bíblia tem sido utilizada
para justificar determinada visão cultural sobre a homossexualidade
com suporte em pressupostos antropológicos hoje superados, aponta
os seguintes critérios que a Igreja Católica deveria adotar
em relação à sexualidade:
1. Jesus não marginaliza nem
discrimina ninguém; 2. Jesus se mostra profundamente misericordioso;
3. Jesus relativiza a Lei. Seus inimigos foram precisamente os que
utilizavam a religião para discriminar e marginalizar.
Destaca ainda que
A hermenêutica moderna está
longe de ver nos textos bíblicos uma condenação
da homossexualidade. A Bíblia não leva a argumentos
para isso, nem é coisa que se proponha. Então, não
resta outro recurso senão chegar a ela, pela via da ciência,
da ética, da filosofia ou das disciplinas humanas pertinentes.
Isso quer dizer que, como católicos, não podemos acrescentar
nada de específico a um problema que deve ser analisado da
perspectiva das ciências humanas.
Após minuciosa análise
de diversos trechos bíblicos citados pelos religiosos para condenação
da homossexualidade, Katsuhiro Kohara, Professor da Universidade Doshisha,
Kyoto, Japão, em interessante artigo, chegou às seguintes
linhas de raciocínio:
1) Há poucos lugares que mencionam
a homossexualidade e esta nunca é colocada como tema principal
do autor no Novo Testamento. E também, todas as menções
dependem de uma base literal e tradicional.
2) Não existe no Novo Testamento
a idéia de homossexualidade que corresponda à orientação
sexual. A Bíblia sempre cita homossexualidade em ligação
com a prática sexual que independe dos gêneros - masculino
ou feminino.
3) O Novo Testamento condena claramente
o homossexualismo enquanto envolve meninos (crianças) e considera
uma tal prática como desumana.
4) A Bíblia considera o ato
sexual entre pessoas do mesmo sexo como sendo mau, mas não
fala porque é mau.
Portanto, a homossexualidade
que o Novo Testamento questiona e a nossa concepção
e questionamentos hoje sobre tal questão, é totalmente
diversa. É impossível querer, a partir de um trecho
bíblico específico, tirar uma orientação
eficaz sobre a homossexualidade para aplica-la em nossos dias sem
contextualizá-lo e entende-lo em seu sentido original.
Gottfried Brakemeier, pastor luterano
e doutor em teologia, destacou que na Igreja há setores onde
a “discriminação é conscientemente assumida”
porque há invocação da Bíblia para sustentar
seu entendimento de que a homossexualidade é um grave pecado,
ofensa a Deus, algo abominável em todas as suas formas.
Mas o referido teólogo da Igreja Luterana asseverou que há,
ainda, vozes no sentido de que as “passagens bíblicas,
aduzidas como contra-prova, estariam se referindo não à
orientação homossexual como tal e, sim, a abusos nessa
área”.
Apesar de demonstrar cautela em tratar do assunto em seu estudo, o próprio
Gottfried Brakemeier reconheceu que se as investigações
exegéticas conduzirem ao entendimento de que a Bíblia
não proscreve a “homofilia responsavelmente vivida”,
haveria a remoção de um dos grandes motivos da intolerância
no âmbito religioso.
Os Bispos Jack Spong e Peter J. Lee da Igreja Anglicana, em interessante
texto, declararam que há no movimento anglicano duas correntes
inconciliáveis de entendimento com relação à
existência, dentro do texto bíblico, de condenação
à homossexualidade. Ambas as correntes, porém, esclarecem
os Bispos, entendem que a Bíblia pode ser lida no sentido da
condenação das práticas homossexuais, assim como
foi lida para discriminar os gentios, samaritanos, leprosos, gente ritualmente
impura, mulheres, canhotos, minorias raciais e os suicidas.
A Revda Yvette Dube da Igreja da Comunidade Metropolitana, em minucioso
estudo que incluiu, até mesmo, análise da etimologia de
palavras empregadas no texto bíblico original, após explicar
que a tradição judaico-cristã é no sentido
do repúdio aos homossexuais, sustentou que inexiste na Bíblia
qualquer condenação à homossexualidade.
Uma cuidadosa leitura das análises do texto bíblico realizadas
pelas correntes teológicas mais progressistas parecem indicar,
em síntese, que realmente inexiste na Bíblia qualquer
condenação à homossexualidade como orientação
sexual. Há, sim, condenação às práticas
homossexuais contextualizadas com a falta de hospitalidade, com o atentado
violento ao pudor e com a promiscuidade.
Em verdade, a intolerância, que sempre foi associada ao movimento
religioso, decorre não do texto bíblico, construído
em contexto social completamente diverso do nosso, mas sim da idiossincrasia
de pessoas que não hesitaram em utilizar a Bíblia para
justificar as mais variadas formas de opressão social.
Os artigos das correntes teológicas que não condenam a
homossexualidade por si só e que foram empregados neste estudo
justamente porque estimulam a reflexão constam na bibliografia
e podem ser facilmente encontrados na internet.
5. A HOMOSSEXUALIDADE E AS
RELIGIÕES TRADICIONAIS
Apesar dos avanços verificados na ciência oficial e na
interpretação dada por alguns teólogos aos textos
bíblicos, a hostilidade aos homossexuais tem permeado a prática
e o discurso das religiões cristãs tradicionais. É
o que se infere do seguinte trecho extraído de estudo realizado
pelos Bispos Jack Spong e Peter J. Lee do movimento anglicano:
Há cem anos não havia
debate sobre a homossexualidade na vida da Igreja Cristã. Hoje
essa discussão enraivece em toda a parte da cristandade, às
vezes, abertamente, às vezes, ocultamente. Em algumas partes
de nossa Comunhão esse debate ameaça separar os cristãos
em campos de batalha. Em nossa Comunhão já ouvimos ameaça
de excomunhão, de um la-do, e, de outro, convite para deixar.
Temos observado evidência de que esse debate pode deflagrar
palavras danosas e insolentes e até condutas fisicamente violentas.
Os ânimos acirrados dentro do
movimento anglicano dividem-se, conforme alhures destacado, em duas
correntes. Uma sustenta que a homossexualidade é como ser canhoto,
que é, estatisticamente, um desvio da norma de vida humana que
foi, outrora, causa de discriminação e perseguição.
Acredita ainda que a sexualidade é moralmente neutra, de modo
que tanto heterossexualidade quanto homossexualidade podem ser vividas
ou de modo destrutivo ou de modo que afiem a vida.
Os Bispos acima aludidos destacam ainda que os defensores dessa primeira
corrente lembram que a ciência já registrou a ocorrência
de homossexualidade entre os animais, demonstrando assim que a homofilia
independe de liberdade de pensar e de capacidade de escolha. Os indivíduos,
assim como os animais, simplesmente, despertam para a homossexualidade.
Buscam, com isso, demonstrar que a homossexualidade é uma realidade
inata, não submetida ao controle consciente do indivíduo.
Lembram ainda que a interpretação da Bíblia que
resulta na condenação da homossexualidade é idêntica
à utilizada para justificar a escravidão como uma instituição
social, a posição de segunda classe da mulher e a idéia
de que a epilepsia é causada pela possessão demoníaca,
sem se esquecer do pensamento, um dia em voga, de que o planeta Terra
situava-se no centro do Universo.
Por sua vez, a outra corrente do movimento anglicano considera a homoafetividade
maléfica e praticada por gente moralmente depravada ou mentalmente
doentia e condenada por Deus, pela Escritura e pela tradição
por constituir prática pecaminosa.
Benjamin Forcano reconhece que a Igreja Católica possui dificuldade
para admitir a diversidade sexual como um valor enriquecedor, condenando,
por esse motivo, a homossexualidade.
Mas o nobre teólogo, após afirmar que a ciência,
a ética, a filosofia e as demais disciplinas humanas pertinentes
conduzem ao entendimento de que a Bíblia não condena a
homossexualidade responsável, convocou a comunidade católica
para - mostrando a sua fidelidade ao evangelho, ainda que se afastando
da orientação da cúpula da Igreja - admitir a diversidade
sexual, chancelando aos homossexuais, inclusive, o acesso ao sacerdócio.
Edênio Valle, ao analisar as vozes existentes dentro do movimento
católico, verificou que, em relação à homossexualidade,
há três correntes teológicas:
uma mais tradicional, que até
chega a criticar o Vaticano como insuficientemente condescendente
neste campo; outra, seguramente majoritária hoje em dia, que
tenta aprofundar as brechas que os pronunciamentos oficiais oferecem;
e uma terceira, que vê como inadequado e insuficiente o tratamento
que as autoridades maiores da Igreja Católica dão à
sexualidade em geral e, conseqüentemente, à homossexualidade
e aos homossexuais.
Edênio cita ainda o Psicanalista
e Sacerdote Marc Oraison, para quem a homossexualidade, em si, "não
comporta nenhuma maldade moral”, não podendo ser considerada
pecado quando ensejasse “uma verdadeira relação
intersubjetiva”.
Gregory Baum expressou a sua esperança de um dia ver a cúpula
da Igreja Católica mudar a sua concepção em relação
à homossexualidade para entendê-la como uma das variantes
normais da sexualidade com base nos seguintes argumentos:
Os teólogos sabem, ao mesmo
tempo, que a Igreja, condicionada por novas experiências religiosas,
por descobertas científicas e por uma releitura dos textos
bíblicos, mudou, com freqüência, seu ensinamento.
Nós não cremos mais no “fora da Igreja nenhuma
salvação”, doutrina enunciada pelos concílios
do passado, não aceitamos mais a existência do limbo,
pregada por séculos, apoiamos a liberdade religiosa e os direitos
humanos, embora estas idéias tenham sido severamente condenadas
pelos papas do século 19; estamos conscientes que a Igreja
mudou seu ensinamento sobre a tortura e a pena de morte, e assim por
diante. É, pois, absolutamente razoável pensar que num
destes dias a Igreja também mude sua ética sexual.
6. A HOMOSSEXUALIDADE
E O ESPIRITISMO
O Espiritismo, lamentavelmente, não ficou livre da polêmica
que existe em relação à homossexualidade.
Vladimir Aras Salvador, citando Jorge Andrea, assegura que a homossexualidade
tem “conotação patológica", nele identificando-se
"indivíduos em distonias de variada ordem, que procuram
atender aos sentidos com o parceiro do mesmo sexo, em praticas deformantes
e desarmonizadas".
Em verdade, nem Vladimir, nem Jorge Andrea, usam o vocábulo homossexualidade.
Usam homossexualismo, que, conforme os mais variados ramos da ciência
oficial, é considerado obsoleto, inadequado e equivocado. Fiz
a substituição do vocábulo homossexualismo pela
palavra homossexualidade porque não me pareceu honroso para o
Espiritismo a repetição de um erro crasso, condenado pela
ciência oficial.
Vladimir cita, ainda, os seguintes trechos da escritora “espírita”
Therezinha Oliveria:
"Pode o Homossexual Freqüentar
o Centro Espírita?" leciona que "Se aspirarmos ingressar
no seu serviço, e mister um esforço de renovação
intima, para corresponder a dignidade do ambiente. 'Quem não
renunciar a si mesmo não pode ser meu discípulo', dizia
Jesus, e Kardec esclarecia: 'Reconhece-se o verdadeiro espírita
pela sua transformação moral e pelos esforços
que emprega para dominar as suas mas tendências. Tais atitudes
se recomendam a todos quantos procuram a casa espírita e, portanto,
também aos que, no mundo, transitam atualmente pelas experiências
do homossexualismo" (in AIDS, Homossexualismo, Alcoolismo, Conflitos
Familiares e Temas Diversos, EME Editora, pagina 14).
São do próprio Vladimir
as seguintes palavras:
(...) cabe aos dirigentes das casas
espíritas agir com tato para vedar a participação
de pessoas que se dediquem a praticas homossexuais nos trabalhos do
centro espiritista, principalmente nas tarefas vinculadas a mediunidade
e a doutrinação.
Ora que bem.
Sabia que o centro espírita era a Casa de Deus. Mas não
sabia que, para alguns, havia se transformado em solo exclusivo para
espíritos perfeitos. Ainda bem que Jesus não seguiu critérios
tão rígidos porque, do contrário, não teríamos
como absorver o seu legado de amor e tolerância transmitido por
seus apóstolos, já que ninguém, ainda mesmo nos
dias de hoje, conseguiria reunir as condições morais para
se qualificar como espírito puro.
É claro que o discurso de Vladimir Aras Salvador e de seus partidários
não é, por todo, ruim porque, ao menos, não condenou
os homossexuais à fogueira, o que já representa um significativo
avanço.
J. Herculano Pires, segundo relato de João Alberto Vendrani Donha
(2001), chama de ingênuos os psiquiatras que declaram normal a
homossexualidade que, no seu entender, constitui uma das anormalidades
mais aviltantes.
Gibson Bastos (2006) destaca, inclusive, que há no meio espírita
quem propague o seguinte slogan: “Deus ama o homossexual mas odeia
a homossexualidade”.
Não me posso furtar do dever de informar que Kardec, na primeira
questão do Livro dos Espíritos, perguntou “O que
é Deus?” e não “Quem é Deus?”
justamente porque não queria dar azo ao desenvolvimento, no movimento
espírita, da visão antropomórfica da Divindade,
já que, naquele tempo, tal modo de pensar já era considerado
retrógado e inadequado.
Em outras palavras, determinados espíritas, para combater a homossexualidade,
não hesitam em utilizar técnicas e recursos de argumentação
definitivamente rejeitados pela própria doutrina espírita.
Ainda com supedâneo em Gibson Bastos (2006), pode-se dizer que
a condenação da homossexualidade prepondera no meio espírita
a ponto, como ele mesmo narra em sua obra, de haver presenciado a proibição
da entrada de jovens homossexuais em determinada mocidade espírita.
Apesar de dominante, o pensamento que considera a homossexualidade como
um comportamento aviltante não é o único nas lides
espíritas.
Graças ao bom Deus!
José B. Campos, em interessante artigo, após explicar
que pecado é uma transgressão de preceito religioso, conduz
o raciocínio até desembocar no seu entendimento de que
a homossexualidade não é uma conduta pecaminosa, malgrado
não constitua uma escolha ideal.
E mais. Afirma que a “prática da homossexualidade não
transforma o ser em pessoa abominável” e que conhece “homossexuais
que se distinguem pela inteligência apurada, pela cultura aprimorada,
pela educação exemplar, pela fraternidade cristã
e, principalmente, pelo caráter reto” e que conhece, também,
“heterossexuais que mais parecem uma gruta vazia e sombria”.
Completando o seu raciocínio, José B. Campos recomenda
ao homossexual eleger alguém para que com ele constitua um lar
para, assim, não correr o risco de se perder em ligações
clandestinas.
O expositor espírita Jorge Hessen traz as seguintes palavras
de Chico Xavier, que foram publicadas no Jornal Folha Espírita
do mês de março de 1984:
"Não vejo pessoalmente
qualquer motivo para criticas destrutivas e sarcasmos incompreensíveis
para com nossos irmãos e irmãs portadores de tendências
homossexuais, a nosso ver, claramente iguais às tendências
heterossexuais que assinalam a maioria das criaturas humanas. Em minhas
noções de dignidade do espírito, não consigo
entender porque razão esse ou aquele preconceito social impediria
certo numero de pessoas de trabalhar e de serem úteis à
vida comunitária, unicamente pelo fato de haverem trazido do
berço características psicológicas e fisiológicas
diferentes da maioria. (...) Nunca vi mães e pais, conscientes
da elevada missão que a Divina Providencia lhes delega, desprezarem
um filho porque haja nascido cego ou mutilado. Seria humana e justa
nossa conduta em padrões de menosprezo e desconsideração,
perante nossos irmãos que nascem com dificuldades psicológicas?"
São de Jorge Hessen as seguintes
palavras:
Porém, após refletir
bastante sobre o assunto e, sobretudo, tendo como alicerce as opiniões
de Chico Xavier, entendemos que a união estável [casamento]
entre homossexuais é perfeitamente normal. Sim!
Só conseguiremos entender
melhor a questão homossexual depois que estivermos livres dos
(pré)conceitos que nos acompanham há muitos milênios.
Arriscaríamos afirmar que a legalização do casamento
entre duas pessoas do mesmo sexo é um avanço da sociedade,
que estará apenas regulamentando o que de fato já existe.
No programa Pinga-Fogo, da extinta
TV Tupi, gravado em DVD, quando indagado sobre a questão da homossexualidade,
Chico Xavier diz peremptoriamente que as leis iriam evoluir para contemplar
todas as formas de amar e que o “homossexualismo” é
uma realidade do espírito.
Gibson Bastos (2006) é peremptório em afirmar que inexiste
na Codificação Kardequiana qualquer condenação
à homossexualidade e que os argumentos espiritistas contrários
à essa orientação sexual são, em verdade,
demonstração de que determinados espíritos não
conseguiram com a desencarnação ou mesmo com a morte desvencilhar
de preconceitos alimentados por longos séculos.
Gibson Bastos também esclarece que a sublimação
dos sentimentos, defendida por muitos espíritas que tratam da
homossexualidade, só pode ser conseguida quando o espírito
conseguiu passar pela prova da fidelidade conjugal e que a sua imposição,
sem os devidos suportes morais necessários, tão-somente
pode conduzir o indivíduo para dois caminhos: sério transtorno
psicológico ou hipocrisia.
De fato, não é possível vislumbrar na Codificação
Kardequiana qualquer linha tratando diretamente da homofilia. Todavia,
Paulo da Silva Neto Sobrinho (2007) constatou que o tema não
passou despercebido pelo Allan Kardec. Para demonstrar tal entendimento,
faz a seguinte transcrição de trecho extraído da
Revista Espírita de janeiro de 1866, páginas 03 e 04:
As almas ou Espíritos não
têm sexo. As afeições que as une nada têm
de carnal, e, por isto mesmo, são mais duráveis, porque
são fundadas sobre uma simpatia real, e não são
subordinadas às vicissitudes da matéria.
(...)
Os sexos não existem senão
no organismo; são necessários à reprodução
dos seres materiais; mas os Espíritos, sendo a criação
de Deus, não se reproduzem uns pelos outros, é por isto
que os sexos seriam inúteis no mundo espiritual.
Os Espíritos progridem pelo
trabalho que realizam e as provas que têm que suportar, como
o operário em sua arte pelo trabalho que faz. Essas provas
e esses trabalhos variam segundo a sua posição social.
Os Espíritos devendo progredir em tudo e adquirir todos os
conhecimentos, cada um é chamado a concorrer aos diversos trabalhos
e a suportar os diferentes gêneros de provas; é por isto
que renascem alternativamente como ricos ou pobres, senhores ou servidores
operários do pensamento ou da matéria.
Assim se encontra fundado, sobre as
próprias leis da Natureza, o princípio da igualdade,
uma vez que o grande da véspera pode ser o pequeno do dia de
amanhã, e reciprocamente. Deste princípio decorre o
da fraternidade, uma vez que, nas relações sociais,
reencontramos antigos conhecimentos, e que no infeliz que nos estende
a mão pode se encontrar um parente ou um amigo.
É no mesmo objetivo que os
Espíritos se encarnam nos diferentes sexos; tal que foi um
homem poderá renascer mulher, e tal que foi mulher poderá
renascer homem, a fim de cumprir os deveres de cada uma dessas posições,
e delas suportar as provas.
A Natureza fez o sexo feminino mais
frágil do que o outro, porque os deveres que lhe incumbem não
Terra Espiritual Página exigem uma igual força muscular
e seriam mesmo incompatíveis com a rudeza masculina. Nele a
delicadeza das formas e a fineza das sensações são
admiravelmente apropriadas aos cuidados da maternidade. Aos homens
e às mulheres são, pois, dados deveres especiais, igualmente
importantes na ordem das coisas; são dois elementos que se
completam um pelo outro.
O Espírito encarnado sofrendo
a influência do organismo, seu caráter se modifica segundo
as circunstâncias e se dobra às necessidades e aos cuidados
que lhe impõem esse mesmo organismo.
Essa influência não se
apaga imediatamente depois da destruição do envoltório
material, do mesmo modo que não se perdem instantaneamente
os gostos e os hábitos terrestres; depois, pode ocorrer que
o Espírito percorra uma série de existências num
mesmo sexo, o que faz que, durante muito tempo, ele possa conservar,
no estado de Espírito, o caráter de homem ou de mulher
do qual a marca permaneceu nele. Não é senão
o que ocorre a um certo grau de adiantamento e de desmaterialização
que a influência da matéria se apaga completamente, e
com ela o caráter dos sexos. Aqueles que se apresentam a nós
como homens ou como mulheres, é para lembrar a existência
na qual nós os conhecemos.
Segundo Paulo da Silva Neto Sobrinho
(2007), agora vem a principal parte do texto:
Se essa influência repercute
da vida corpórea à vida espiritual, ocorre o mesmo quando
o Espírito passa da vida espiritual à vida corpórea.
Uma nova encarnação, ele trará o caráter
e as inclinações que tinha como Espírito; se
for avançado, fará um homem avançado; se for
atrasado, fará um homem atrasado. Mudando de sexo, poderá,
pois, sob essa impressão e em sua nova encarnação,
conservar os gostos, as tendências e o caráter inerentes
ao sexo que acaba de deixar. Assim se explicam certas anomalias aparentes
que se notam no caráter de certos homens e de certas mulheres.
(RE 1866, pp. 3-4).
Como bem coloca Paulo da Silva Neto
Sobrinho, ao qualificar como anomalias aparentes o fato de um indivíduo
conservar na atual encarnação “os gostos, as tendências
e o caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar” em outra
existência, o Codificador, em verdade, deixou patente que considera
a homofilia algo dentro da normalidade.
Parece-me correta tal conclusão porquanto, se quisesse reputar
a homofilia como uma anomalia, não empregaria a expressão
anomalia aparente. Empregaria, sim, tão-somente a palavra anomalia,
da mesma forma como fez o Codificador, por exemplo, no item 100 do Livro
dos Espíritos ao explicar as dificuldades nas comunicações
mediúnicas.
Paulo da Silva Neto Sobrinho, em seu estudo, cita a posição
de Hernani Guimarães de Andrade no sentido de que a homossexualidade
não deve ser classificada como uma psicopatia ou como um comportamento
merecedor de discriminação ou de medidas repressivas.
O nobre articulista coloca também que se condenarmos a homossexualidade
porque antinatural devemos, pelo mesmo motivo, também condenar
o sexo oral e o sexo anal praticados entre pessoas de sexo diferente,
vez que também não são encontrados na natureza.
Gibson Bastos (2006) assevera que não consegue entender a lógica
e o bom senso de assertivas comuns no meio espírita consistentes
na idéia de que os casais homossexuais devem abster-se de ter
uma vida sexual e canalizar suas energias sexuais para a caridade, já
que tal pensamento é inexistente no Novo Testamento e nos livros
da Codificação Kardequiana.
Segundo o autor, há nas lides espíritas quem sustente
que a homossexualidade é um distúrbio psicológico
e uma deformidade moral porque não atende à lei de reprodução,
esquecendo-se que a atividade sexual não existe tão-somente
para reproduzir a espécie humana, mas, acima de tudo, como diz
André Luiz em Evolução em Dois Mundos, para reconstituição
das forças espirituais.
Outro argumento rebatido por Gibson refere-se à alegação
de que os homossexuais, por natureza, são promíscuos e
que as suas relações são deformantes e causadoras
de desajustes morais. Para ele, tal linha de pensamento decorre do completo
desconhecimento do universo homossexual, onde se encontra relacionamentos
duradouros, sem qualquer distúrbio comportamental ou diminuição
de sua produtividade dentro da sociedade.
Ao argumento também comum no movimento espírita de que
os homossexuais vivem desregradamente, Gibson afirma que, em verdade,
decorre do desconhecimento da diferença entre orientação
sexual e comportamento sexual, porquanto não é possível
dizer que todos assim agem só porque determinados homossexuais
adotam um comportamento promíscuo.
Gibson Bastos (2006) registra ainda que há no movimento espírita
quem sustente que a troca de energia sexual entre pessoas do mesmo sexo
desestrutura a organização do inconsciente ou perispiritual,
gerando dor e sofrimento futuros. Só que tal linha de pensamento
é francamente preconceituosa, na medida em que atribui à
igualdade dos sexos o que, de fato, é causado pelo pensamento
e sentimento com o qual nos envolvemos ou envolvemos o outro, segundo
ensinado por André Luiz em Sexo e Destino (Bastos, 2006).
Os argumentos que tentam justificar a condenação da homossexualidade
não terminaram. Gibson aponta ainda um no sentido de que as relações
homossexuais atraem a presença de espíritos vampirizadores
de energias. Infelizmente, tal argumento revela grave preconceito por
trazer implícita a certeza de que os homossexuais jamais poderão
manter um clima de sentimentos e pensamentos elevados e que, portanto,
estão em estado de inferioridade.
Gibson Bastos (2006), por fim, aponta como argumento defendido por determinados
espíritas a assertiva de que os homossexuais devem adotar a mais
absoluta castidade e trabalhar no bem para se curarem desse desvio.
Como fala o próprio Gibson, tal linha de pensamento demonstra
que os seus defensores ignoram que a evolução se faz passo
a passo e que - conforme ensinado por André Luiz no livro No
Mundo Maior - é irrisório exigir do homem de evolução
mediana a conduta do santo pois – segundo se conclui das lições
de Hammed em Dores da Alma – enquanto a abstinência imposta
gera desequilíbrio, a educação conduz ao emprego
respeitável e nobre das forças sexuais.
Em outras palavras, Gibson Bastos (2006) esclarece que, antes de se
exigir do nosso irmão homossexual a sublimação,
deve se ofertar ao mesmo a oportunidade para vencer o egoísmo
e desenvolver a fidelidade e a fraternidade através de uma relação
monogâmica, mesmo com pessoa de igual sexo.
Interessante é a observação de Gibson Bastos (2006)
no sentido de que há espíritas que buscam apoio nos textos
bíblicos do Antigo Testamento para condenar a homossexualidade,
mas que não se submetem à proibição de consultar
os mortos, esquecendo-se da advertência de Paulo de Tarso de que
ao se aceitar um preceito da lei mosaica, deve se sujeitar aos demais
preceitos.
Walter Barcelos (2002), após esclarecer que a inversão
sexual pode decorrer de expiação ou mesmo da necessidade
de executar tarefas especializadas no campo do desenvolvimento intelectual,
moral e espiritual da humanidade, informa que a experiência homossexual
constitui grave sofrimento para nossos irmãos porque ainda que
unidos em uma relação conjugal normal, não serão
poupados da frustração de não receberem a benção
da maternidade ou mesmo da capacidade de fecundação de
uma mulher.
Por isso Walter Barcelos (2002) conclama os espíritas para terem
uma atitude de compreensão, indulgência e compaixão
cristã para com todos os homossexuais.
Diz mais:
Respeitemos a vida afetiva e sexual
de cada companheiro em experiência transitória da homossexualidade.
Se encontrarmos dificuldades em aceitar, tolerar e conviver com esses
irmãos em Deus, meditemos se agora estivéssemos encarnados
em corpo diferente do que a nossa mente determina em matéria
de sexualidade. Logicamente, poderíamos estar passando pelas
mesmas lutas sentimentais e psicológicas de nossos irmãos
homossexuais femininos e masculinos. As suas lutas espirituais poderão
ser as nossas em futura encarnação. Devemos amá-los
como eles são, com todas as características de sua personalidade
psicológicas, pois são também Espíritos
imortais, com aquisições valorosas e respeitáveis
virtudes, adquiridas em séculos e séculos de aprendizagem
nas vidas pretéritas (2002, p. 118).
O sítio IRC-Espiritismo disponibiliza
aos interessados apostila com vistas à preparação
psicológica e doutrinária dos trabalhadores do atendimento
fraterno. Nesse rico material há uma interessante seção
de estudos de casos, dos quais se destaca o seguinte pela pertinência
com o tema ora tratado:
6) Estudante de economia, 21 anos,
perdeu o pai quando criança e vive com a mãe e uma irmã
mais velha num bairro nobre da cidade. Ele está confuso, angustiado
e cheio de dúvidas sobre o que considera seu maior suplício:
é homossexual.
Apesar de sua irmã saber e
o compreender, ele pergunta se deve contar para sua mãe e não
sabe como se portar diante de sua reação. Outra dúvida
do jovem é se existe alguma explicação espiritual
para isso, como, segundo suas palavras, ter nascido no corpo errado.
Indaga sobre como o Espiritismo vê sua opção e
se, sendo homossexual, poderia freqüentar algum Centro Espírita.
Encontra-se muito ansioso, nervoso,
não consegue se alimentar direito nem prestar atenção
nas aulas. Sente-se diferente, solitário e não quer
magoar ninguém, diz que seu maior desejo é encontrar
a paz.
Comentário: O Espiritismo não
tem nenhum preconceito com relação a conduta sexual
do ser humano. Embora não concorde com o erro, a Doutrina Consoladora
respeita a sexualidade do individuo. Uma boa recomendação
é a leitura do livro “Vida e Sexo” de Emmanuel.
O Espírito pode vivenciar uma
série de reencarnações, mergulhando sempre no
corpo de um sexo. Dessa forma, terá hábitos daquela
polaridade. Se por exemplo ele é um homem que se utiliza do
sexo para dilacerar corações e destruir lares, pode
ser induzido no mundo espiritual a reencarnar num corpo feminino –
o sexo que ele tanto desrespeitou.
Então ele vai ter um corpo feminino, hormônios femininos,
mas uma psicologia masculina. Se houver uma prevalência da sua
psicologia em detrimento da sua anatomia, estamos diante de uma tendência
homossexual.
Da mesma forma, se a mulher é vulgar, promiscua, frívola,
pode reencarnar em um corpo do sexo oposto. Igualmente surge uma dicotomia
de comportamento: O corpo tem um sexo, e o psicológico tem
outro. Se o ser passa a utilizar a sua função psicológica
no comportamento sexual, estamos diante de uma conduta homossexual.
Qual a orientação adequada?
O Atendente Fraterno deve dizer que a opção na área
da sexualidade diz respeito à liberdade de consciência
de cada um. Não há no Espiritismo nenhum preconceito
contra o homossexual. Qualquer preconceito é atentado contra
a liberdade do individuo. A recomendação ao homossexual,
tanto quanto ao heterossexual, é que a dignidade, o respeito
aos outros, e a sublimação dos impulsos são muito
importantes. Da mesma forma que não é lícito
ao Heterossexual a promiscuidade, a vulgaridade, e a falta de respeito,
também não é moral que o Homossexual se comporte
dessa forma. Alem disso, as orientações costumeiras:
Passe, Freqüência à Casa Espírita, Evangelho,
Oração, Reforma Moral, Reflexões.
Pelo quadro, é necessário
dar uma injeção de animo nele. É provável
que ele esteja com a auto – estima muito prejudicada. Dar-lhe
esperança! Falar-lhe que é possível ele encontrar
a paz sem magoar a ninguém. O mais importante não é
em que faixa de sexualidade o Espírito transita, mas o comportamento
a que se permite na atual experiência. Da mesma forma que não
é licito ao Heterossexual se entregar a promiscuidade, não
é Moral para o Homossexual, se comportar de forma vulgar, sem
respeitar os outros. Então a nossa recomendação
ao Carlos, que ele não seja promiscuo, que seja ético
para com todos, e que tente sublimar quaisquer impulsos sensualistas
para expressões de nobreza, dignidade, elevação.
Essa recomendação – a da sublimação
– não é exclusiva para os Homossexuais. A sublimação
é uma proposta para qualquer criatura.
Com relação a duvida
de como proceder com a mãe, o Atendente Fraterno deve pensar
junto com ele, mas deixar que ele opte por aquilo que achar melhor.
Existem situações em que dizer a verdade é o
melhor caminho. Entretanto, em outros momentos, a verdade pode causar
perturbação, sofrimento, angústias desnecessárias,
porquanto, a pessoa não se encontrava em condições
emocionais de assimilar aquela informação. Uma boa abordagem
é pergunta-lo: “Você acha que sua mãe tem
condições de ouvi-lo sem produzir sofrimentos e abalos
maiores? Acha que ela tem estrutura para te compreender?”. (p.30-31)
Nota-se na transcrição
acima legitimidade para orientar a conduta espírita não
só no trabalho do atendimento fraterno como também nos
demais setores da vida terrena por revelar o verdadeiro sentido do Evangelho
do Cristo.
7. UMA TOMADA
DE POSIÇÃO
Segundo o próprio Allan Kardec:
(...) o Espiritismo jamais será
ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem estar
em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificará nesse
ponto (A. Kardec, A Gênese, ed. cit, cap. I, no. 55, p.37).
Ora que bem.
Ainda que a condenação da homossexualidade fosse um dos
ensinamentos da doutrina dos espíritos – o que não
é –, posso dizer, com base na lição acima
transcrita, que caberia ao verdadeiro espírita, fiel à
postura sensata do Codificador, rejeitar tal orientação
para assumir uma posição consentânea com a adotada
pelos mais variados ramos científicos da atualidade, que confere
à homofilia o tratamento que é devido a qualquer vertente
natural da sexualidade humana.
Todavia, o que se nota é que muitos espíritas qualificam
a homossexualidade como um distúrbio ou desvio de personalidade
quando, no seu mais profundo íntimo, consideram-na como odioso
pecado, buscando, assim, com mudança das palavras, ocultar a
dificuldade que possuem para aceitar a diversidade.
Muda-se o rótulo. Porém, não se muda o conteúdo.
Durante quase dois mil anos, segundo lições de renomados
teólogos, inclusive da Igreja Católica, a mensagem bíblica
foi desvirtuada para justificar as Cruzadas, a Inquisição,
a escravidão, o racismo, a opressão da mulher, a perseguição
das minorias e diversas outras práticas deploráveis.
Parece que tal tendência humana de distorcer, até mesmo,
as sacrossantas palavras de Jesus para justificar condutas e sentimentos
anticristãos migrou com grande intensidade para o movimento espiritista,
o que acaba por retirar do Espiritismo, gradativamente, o seu conteúdo
de Consolador Prometido para convertê-lo em instrumento de martirização
daqueles que experimentam a prova da inversão sexual.
Não estranharei – mas lamentarei – o dia em que a
doutrina espírita for usada para justificar o trabalho infantil
ou mesmo o racismo, assim como está sendo usada para reputar
imoral uma realidade do espírito.
Pior. Do mesmo modo que há espíritas afirmando que a inversão
sexual impede o indivíduo de conhecer o amor ou mesmo de formar
uma família com uma pessoa do mesmo sexo, sob a alegação
de que deve passar por todas as dificuldades inerentes à sua
morfologia, ainda que em detrimento da sua estrutura psicológica
e do seu progresso espiritual, poderá haver espiritistas defendendo
que a prova da pobreza impede o indivíduo a ela submetido de
trabalhar ou mesmo de receber ajuda para sair dessa situação
porque deverá passar por todas as vicissitudes atreladas à
miserabilidade.
A loucura humana, que é desprovida de pudor, não se acanha
de usar estranhos raciocínios para se justificar.
O preconceito contra os homossexuais possui uma faceta que, talvez,
o torne mais cruel do que o preconceito contra os negros, por exemplo.
Enquanto estes, em grande maioria, podem contar com o apoio e carinho
de seus familiares para as lutas agravadas pelo preconceito, aqueles
não podem contar com tamanha sorte porque, muitas das vezes,
as mais variadas formas de violência a que são submetidos
iniciam-se justamente em seus núcleos familiares.
Ao se reprimir a homossexualidade reprime-se, por imperativo lógico,
as uniões homo-afetivas. Isso é de imensurável
gravidade porque não se pode esquecer, como bem ensinou Mark
W. Baker (2005), Phd em Psicologia, que:
A razão pela qual muitas pessoas
temem os relacionamentos é que o amor nos deixa vulneráveis.
O risco de sofrer é o preço que pagamos quando estabelecemos
um relacionamento com outras pessoas. Mas o amor é a recompensa.
Aqueles que estão dispostos a pagar esse preço poderão
desenvolver o seu eu, e os que procuram evitar qualquer risco e se
fecham tornam-se egocêntricos. (p. 187)
O trecho retrotranscrito foi elaborado
à luz de casos envolvendo casais heterossexuais. Contudo, não
vejo razão para deixar de aplicá-lo aos casais homossexuais,
que também necessitam das relações intersubjetivas
para, através do amor, desenvolverem o eu de cada um dos envolvidos.
Assim sendo, ao se reprimir as uniões homo-afetivas, por meio
de cruel repúdio à homossexualidade, está se vedando
ao homossexual um digno e necessário caminho para manutenção
de sua saúde mental e espiritual, com sério comprometimento
de sua jornada terrena.
Diante dessa realidade, geradora de um estado de inegável perplexidade,
a Moderna Teologia está fazendo uso dos conhecimentos oriundos
de diversos ramos científicos para concluir que as uniões
homossexuais responsáveis não constituem atentado nem
contra a letra da Bíblia, nem contra as Leis de Deus e que, portanto,
não há autorização divina para qualquer
conduta discriminatória.
Poderiam os espíritas, com mais razão, vez que já
alertados pelo próprio Allan Kardec (2005) da necessidade de
se atualizar a doutrina espírita com os conhecimentos oriundos
da ciência, assumir semelhante postura para compreender a homossexualidade
como uma orientação sexual plenamente de acordo com a
natureza e, assim, contribuir para o avanço moral do planeta.
Todavia, como bem lembrado por Gibson Bastos (2006), prepondera no movimento
espírita severa condenação à homossexualidade
e às uniões homossexuais. Apesar de lamentar, tenho de
reconhecer que tal posicionamento condenatório não está
desprovido de fundamento. Tem suporte em preceitos científicos
superados e em dogmas arcaicos de religiões que, nós espíritas,
temos por hábito criticar justamente pela postura dogmática
que adotam.
8. CONCLUSÃO
O inconsciente coletivo, produto, só na era cristã, de
quase dois mil anos de intolerância, ódio e opressão,
revela as mazelas de uma população típica de um
mundo de provas e expiações, onde o mal prepondera com
grande vantagem sobre o bem.
Por causa disso, a Humanidade, com raras exceções, não
conseguiu assimilar os avanços científicos no campo da
sexualidade humana a ponto de aceitar como plenamente normal a homossexualidade.
Essa dificuldade em aceitar a diversidade tem feito escola no Espiritismo
pois, segundo verificado na literatura disponível, muitos dos
seus integrantes, quiçá, inconscientemente, têm
deturpado o acervo intelectual espiritista, à semelhança
do que ocorreu com a Bíblia, para produzirem um discurso condenatório
não só contra a homossexualidade como também contra
as uniões homo-afetivas.
Com isso removem do Espiritismo a sua natureza de Consolador Prometido
para transformá-lo, progressivamente, em instância reservada
para uma intelectualidade estéril quando não na versão
moderna dos Tribunais da Santa Inquisição.
Mas esse quadro tormentoso pode conhecer solução de continuidade.
Há teólogos de importantes segmentos do cristianismo se
levantando contra a discriminação dos homossexuais, sustentando,
inclusive, que inexiste na Bíblia qualquer condenação
à homossexualidade responsável. E mais. Há, na
própria doutrina, a começar por Kardec, vozes que conferem
à homossexualidade a condição de uma variante natural
da sexualidade humana.
Assim sendo, apesar da densa neblina do preconceito - que tem, inclusive,
arrastado valorosos trabalhadores do movimento espírita –
podemos encontrar as primeiras candeias sendo acesas para anunciar a
aproximação de uma nova era, marcada por tolerância
e fraternidade, para a Humanidade.
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