Espiritualidade e Sociedade



Roberto Valadão Fortes

>     A Homossexualidade na perspectiva da ciência oficial, da sociedade, das religiões tradicionais e do Espiritismo

Artigos, teses e publicações

Roberto Valadão Fortes
>  A Homossexualidade na perspectiva da ciência oficial, da sociedade, das religiões tradicionais e do Espiritismo

 

 

Niterói

Maio de 2008

 

 

Sumário

 

1.

APRESENTAÇÃO

2.

A HOMOSSEXUALIDADE E CIÊNCIA OFICIAL

3.

A HOMOSSEXUALIDADE E SOCIEDADE

4.

A HOMOSSEXUALIDADE E A BÍBLIA

5.

A HOMOSSEXUALIDADE E AS RELIGIÕES TRADICIONAIS

6.

A HOMOSSEXUALIDADE E O ESPIRITISMO

7.

UMA TOMADA DE POSIÇÃO

8.

CONCLUSÃO

9.

REFERÊNCIAS

 

1. APRESENTAÇÃO

Infinita é a misericórdia de Deus. Prova disso reside no fato de não haver facultado ao nobre produto da celulose qualquer senso crítico sobre o que é lançado em seu corpo porque, do contrário, não poderia usá-lo para oferecer a minha modesta contribuição, quer seja, revisão da pesquisa que realizei sobre a homossexualidade para a equipe de atendimento fraterno do Grupo Espírita Leôncio de Albuquerque de Niterói, que se reuniu para estudar tal tema no último domingo de agosto de 2007.

A pesquisa não foi aprofundada e a sua metodologia consistiu na revisão bibliográfica de alguns escritos sobre a homossexualidade na perspectiva da Psiquiatria, da Psicologia, da Psicanálise, da Antropologia, da Biologia, do Direito, da Teologia (Católica, Anglicana e Luterana) e do Espiritismo. A mesma contempla, ainda, uma seção relativa ao tratamento que a sociedade confere ao homossexual e outra onde manifesto a minha humilde opinião sobre o tema, que é de inegável importância para os trabalhos do atendimento fraterno.

Desde já esclareço que a imagem colocada no centro da capa trata de um quadro de Abelardo, disponível no Museu de Imagens do Inconsciente, e representa a sombra, isto é, o aspecto perigoso da metade escura e não admitida da personalidade que, apesar de escondida atrás da máscara de ator que usamos, é mostrada fielmente pelo espelho, que não lisonjeia.

Confesso que tal imagem contém provocação porquanto vislumbro na questão da homossexualidade um típico tema que, invariavelmente, suscita reações que acabam por revelar a real essência de quem busca analisá-la, ainda que tenha por bem afivelada a máscara do personagem que deseja representar perante o mundo.
Peço perdão pelas falhas que serão detectadas no curso deste modesto estudo e que persistem, malgrado meu sincero esforço de revisão.


2. HOMOSSEXUALIDADE E CIÊNCIA OFICIAL

Não há como tratar da homossexualidade sem se fazer uma breve exposição sobre a sexualidade. E, na dicção dos especialistas,

Sexualidade é uma dimensão inerente da pessoa e está presente em todos os atos de sua vida. É um elemento básico da personalidade, que determina ao indivíduo um modo particular e individual de ser, manifestar, comunicar, sentir, expressar e viver o amor. Sexualidade é auto-identidade, é a própria existencialidade (MAIA, 1994, p. 209, apud Ivo, Pelizaro, Zaleski).

Segundo Gibson Bastos (2006), a sexualidade é tão complexa que os estudos nessa área a definem como dotada de quatro elementos: sexo biológico, identidade de gênero, o papel sexual e orientação sexual.

O sexo biológico é definido a partir da percepção dos órgãos reprodutores do indivíduo (Bastos, 2006). A identidade de gênero é a identificação psicológica que o indivíduo consegue ter em relação ao seu sexo biológico. É a não identificação com o seu sexo biológico que, em regra, compele os travestis e os transexuais a mudarem de aparência ou a própria anatomia.(Bastos, 2006).

Não me parece demasiado explicar que a mudança da própria anatomia em virtude da não identificação com o seu sexo biológico foi objeto de regulamentação pelo Conselho Federal de Medicina, consoante se infere de sua Resolução CFM nº 1.652/2002. É a chamada de cirurgia de transgenitalismo e tem o propósito terapêutico específico de adequar a genitália ao sexo psíquico. Destina-se ao paciente transexual portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação ou mesmo ao auto-extermínio.

Pelo que se infere do conteúdo do referido ato normativo, a cirurgia de transgenitalismo não depende apenas da vontade do paciente. Depende, também, da avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, obedecendo, ainda, os critérios a seguir definidos, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto: 1) Diagnóstico médico de transgenitalismo; 2) Maior de 21 (vinte e um) anos; 3) Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.

Também não me parece demasiado explicar, seguindo a trilha aberta por Júlio Cezar Meirelles Gomes e por Lúcio Mario da Cruz Bulhões, nos autos do Processo Consulta nº 39/97-C, que o transexualismo deve ser enquadrado no âmbito das intersexualidades não-orgânicas e que não se confunde com a homossexualidade porque se caracteriza pela repulsa, pela rejeição à própria genitália semelhante ao sexo desejado e que gera o desconforto supremo da inadequação entre partes vivas, a ponto do indivíduo ficar, inclusive, “propenso ao auto-exterminio em face do grave conflito entre fenótipo e consciência de opção sexual”.

A cirurgia de transgenitalismo regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina e as suas repercussões sociais não foram olvidadas pelo Direito. Tanto é assim que foi aprovado o enunciado a seguir na IV Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal e que contou com a participação de renomados professores e profissionais de Direito de todas as áreas e de todas as regiões do país:

276 – O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a conseqüente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil.

O papel sexual é outro elemento da sexualidade digno de consideração. Consiste no conjunto de normas estabelecidas pela sociedade, através de seus hábitos e costumes, definidoras dos comportamentos aceitáveis para um homem e para uma mulher (Bastos, 2006).

A orientação sexual “é caracterizada por uma duradoura atração emocional, romântica, afetivo-sexual que um indivíduo sente por outro” (Bastos, 2006, p. 20). São três as orientações sexuais admitidas pela ciência: heterossexualidade, homossexualidade e bissexualidade.

Gibson Bastos (2006) destaca que a orientação sexual não se confunde com o comportamento sexual. A orientação sexual refere-se ao desejo do indivíduo no campo afetivo-sexual. Já o comportamento sexual reflete o modo como o indivíduo lida com o impulso sexual, impulso este variável de pessoa para pessoa.

É possível que um heterossexual (orientação sexual) tenha comportamento homossexual (comportamento sexual) ou mesmo que um homossexual (orientação sexual) tenha comportamento heterossexual (comportamento sexual). E mais. É possível ainda que determinada pessoa, por não aderir ao papel sexual imposto pela sociedade, receba a pecha de homossexual, apesar de heterossexual ou mesmo a pecha de heterossexual, malgrado homossexual.

Explica Silvério da Costa Oliveira (2001) que:

O médico húngaro Karoly Benkert introduziu o termo "homossexualismo" e trouxe neste ano de 1869, o homossexualismo para a condição de doença mental de natureza congênita e que requer um tratamento.

Foi, de certa forma, um avanço porque tal médico pretendia proteger os homossexuais de leis que criminalizavam a homossexualidade com pena, inclusive, como no caso da Alemanha, de morte (Oliveira, 2001).

Tanto é assim que escreveu uma carta ao Ministro da Justiça alemão requerendo a revogação da lei que criminalizava a homofilia, sem obter sucesso.

Mas, conforme Lucineide Picolli (2005),

Em 1974, a Associação Americana de Psiquiatria decidiu retirar o homossexualismo da lista das doenças mentais, declarando: “A homossexualidade é uma forma de comportamento sexual e, como as outras formas de comportamento sexual, que não constituem distúrbios psiquiátricos, ela não se inclui na lista das doenças mentais.

Essa atitude foi apoiada pela Associação de Psicologia Americana em 1975. A Organização Mundial de Saúde, em 1993, retira a homossexualidade de suas listas de doenças mentais por não mais considerá-la como um desvio ou um transtorno sexual. (Bastos, 2006).

O Conselho Federal de Medicina brasileiro, em 1985, retira a homossexualidade do rol de doenças psiquiátricas (Cruz, 2004).

O Conselho Federal de Psicologia, em 1999, editou a Resolução CFP N° 001/99 com o escopo de estabelecer normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual, destacando, já nos seus consideranda, que a “homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão” e que “a forma como cada um vive sua sexualidade faz parte da identidade do sujeito, a qual deve ser compreendida na sua totalidade”.

Como conseqüência lógica da linha de entendimento acima exposto, temos esta mesma Resolução CFP Nº 001/99, em seu art. 3º, parágrafo único, vedando a colaboração dos psicólogos em eventos e serviços que proponham tratamento e cura da homossexualidade.

Consolidando a perspectiva inaugurada pelo retrocitado ato normativo, o Conselho Federal de Psicologia fez constar no Código de Ética Profissional do Psicólogo, aprovado pela Resolução CFP nº 010/05, de 21 de julho de 2005, a vedação do Psicólogo de induzir a orientação sexual dos seus pacientes.

É o que se infere do seguinte dispositivo:

Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:

(omissis)

b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais;

Alípio de Sousa Filho (2003), professor adjunto do Departamento de Ciências Sociais da UFRN, com doutorado em Sociologia pela Universidade de Sorbonne (Paris), após analisar a homossexualidade na perspectiva da Psicanálise, asseverou que:

Desde Freud e sua teoria do inconsciente, seguido por Lacan, sabemos, se há alguma razão para se falar de causa, que se aceite que todo desejo é causado e, mais ainda, que todo desejo é uma causa: a causa do sujeito do desejo, isto é, aquilo pelo que cada um se empenha, embora sem saber. Deve-se saber, portanto, que a causa da homossexualidade é a mesma da heterossexualidade e da bissexualidade: a escolha inconsciente do objeto do desejo.

A importância da teorização de Freud está em desnaturalizar a sexualidade humana, demonstrando que todas as escolhas sexuais, como produções de desejo, seguem igualmente determinações inconscientes. Freud consegue isso demonstrando – a partir de material clínico observado – que a sexualidade humana, buscando o prazer, afasta-se do modelo da vida sexual animal, “perverte” (altera, imprime novo modo de ser) à função da procriação animal. Ensina-nos Freud, a sexualidade dos seres humanos é múltipla, variegada, desordenada, caótica. Nessa esfera, nenhuma escolha é mais natural ou normal do que outra, melhor, pior, superior, inferior. Tratando-se de que não inflija sofrimento a ninguém, não constitua violência sobre o outro, agressão à dignidade humana, não se pode acusar a homossexualidade de nenhuma dessas coisas.

O retromencionado professor ainda ensinou que:

Uma das mais importantes contribuições da antropologia ao estudo da humanidade foi conseguir demonstrar que a sexualidade também se inscreve no rol de todas as criações humanas, constituindo mais um objeto social da ordem da linguagem, da cultura, do simbólico, não sendo a anatomia dos sexos nenhuma causa do destino sexual dos seres humanos. A idéia de um destino biológico como definidor do gênero sexual não se sustenta à menor prova do confronto com as descobertas da pesquisa etnológica. Depois de Marx, Durkheim, Freud, Claude Lévi-Strauss, Jacques Lacan, Simone de Beauvoir, Michel Foucault, Pierre Bourdieu, Françoise Héritier, Elisabeth Badinter, entre outros, falar de destino biológico do desejo sexual é ignorância, é cair no ridículo e atestar incompetência em conhecimento teórico. (2003)

O teólogo católico canadense Gregory Baum (2007), em artigo sobre homossexualidade, corrobora a linha de raciocínio acima exposta ao dizer que:

Em primeiro lugar, as ciências psicológicas e antropológicas descobriram que a orientação homossexual não é nem uma doença, nem uma perversão da natureza, mas uma variante absolutamente natural que diz respeito a uma minoria de homens e mulheres.

Durante os anos sessenta e setenta, organismos profissionais, aí compreendidas associações de médicos, mudaram, por isso, seu juízo negativo com respeito ao fenômeno homossexual.

Diante das novas perspectivas adotadas pela ciência oficial, há relato na literatura especializada de esforços para que os profissionais de saúde passassem a utilizar o termo homossexualidade, em substituição da palavra homossexualismo, vez que o sufixo "dade" significa modo de ser ou de se comportar, e o sufixo "ismo", do ponto de vista médico, significa doença (Ivo; Pelizaro; Zaleski, 2002). Ou seja, com o progresso da ciência, a palavra homossexualismo tornou-se obsoleta. Mais do que isso, a palavra homossexualismo tornou-se incorreta.

A ciência oficial, sem sucesso, buscou traçar a causa da homossexualidade, esquecendo-se, como bem lembrou Gibson Bastos (2006), de traçar uma explicação para a heterossexualidade.

Com relação a essa preocupação em identificar a causa da homossexualidade, Alípio de Sousa Filho (2003) destacou que:

Relacionar a homossexualidade a causas biológicas (disfunção hormonal), psicológico (traumas infantis), social (isolamento, ausência feminina) ou a outras causas é dar status científico ao preconceito moralista – fundamentalista – que quer fazer crer a todos que a única expressão normal da sexualidade humana seria a heterossexualidade, porque seria sua forma natural. Hoje, não se pode mais aceitar a continuidade da aberração dessas explicações como fundamento para “teses científicas” ou como fundamento para a instituição do direito, sabendo-se que até aqui, em muitas sociedades, os homossexuais continuam excluídos da cidadania plena.

Para a Psiquiatria, Psicologia e Psicanálise, a homossexualidade não constitui um transtorno sexual. Constitui, sim, uma das formas naturais de manifestação da identidade do indivíduo. Por via de conseqüência, qualquer tentativa de um Psiquiatra, Psicólogo ou mesmo Psicanalista voltada à “cura” da homossexualidade configura ofensa aos Códigos de Éticas que regem cada uma dessas categorias profissionais (Bastos, 2006).

Conforme Drauzio Varella, os “Desejos sexuais percorrem circuitos de neurônios que fogem do controle consciente”. Tal afirmativa foi construída a partir de uma pesquisa realizada pela Academia Austríaca de Ciências, com drosófilas, as mosquinhas que sobrevoam bananas maduras e que, durante muito tempo, foram utilizadas pela Biologia para compreender, inclusive, a genética humana.

Segundo o renomado médico, os austríacos transplantaram a versão masculina do gene fru das drosófilas machos para um grupo de fêmeas. E, num experimento paralelo, a versão feminina do mesmo gene para um grupo de machos. Com isso, as fêmeas que receberam a versão masculina de fru, quando levadas à presença de outra fêmea, adotavam o ritual masculino de acasalamento e quando colocadas em ambientes com moscas de ambos os sexos, perseguiam sexualmente outras fêmeas, desprezando o sexo oposto. Já os machos que receberam a versão feminina de fru tornaram mais passivos, desinteressados pelas fêmeas e atraídos por outros machos.

Assim, de forma soberba, a Biologia demonstrou que um único gene é capaz de controlar um comportamento de alta complexidade.

Drauzio afirma ainda que “É muito provável que o comportamento sexual esteja sob o comando do que chamamos de programa genético aberto”, explicando que

Programas abertos são aqueles em que o catálogo de instruções impresso no DNA admite, dentro de certos limites, a inclusão de informações colhidas por aprendizado, condicionamento ou outras experiências.

É dado um exemplo para compreendermos o que seja programa genético aberto:

(...) se vedarmos o olho esquerdo de uma criança ao nascer, ao retirarmos a venda três meses mais tarde ela terá perdido definitivamente a visão desse olho, embora enxergue normalmente com o outro. O programa genético responsável pela distribuição dos neurônios da retina no cérebro precisa interagir com a luz para incorporar as informações necessárias ao desenvolvimento pleno da visão.

Para a Biologia Moderna, continua explicando Drauzio, o “homem é resultado de uma interação complexa entre o programa genético contido no óvulo fecundado e o impacto que a experiência exerce sobre ele”.
Desse modo, conclui Drauzio que “Considerar a orientação sexual mera questão de escolha do indivíduo é desconhecer a natureza humana”.

Corroborando as palavras de Drauzio Varella, temos um artigo publicado na FolhaOnline de 10/12/2007 relatando que cientistas da Universidade de Illinois (EUA), da Universidade de Borgonha (França) e do Centro de Genômica de Lausanne (Suíça) identificaram um gene que transforma a mosca "drosophila" macho em bissexual.

Segundo foi registrado no referido artigo, os experimentos comprovaram que quando a produção de uma proteína de transporte específica das células gliais é suspensa numa mosca macho, o inseto deixa de distinguir fêmeas de machos durante o cortejo.

O jornalista Ricardo Bonalume Neto conta-nos que estudo liderado pela pesquisadora Han Kyung-an, da Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA) demonstrou que machos de drosófilas submetidos a uma constante inebriação com etanol ficaram mais excitados e desinibidos sexualmente, a ponto de não só voarem atrás de fêmeas, mas também de outros machos.

O estudo foi realizado nas moscas drosófilas, explicou o aludido colunista diante da “necessidade de estudos em modelos animais” para melhor compreensão da relação causal do álcool com excitação sexual e comportamento sexual desinibido em humanos.

Paulo da Silva Neto Sobrinho (2007), em texto que aborda a homofilia, cita o livro Biological Exuberance – Animal Homosexuality and Natural Diversity (Exuberância Biológica – Homossexualidade Animal e Diversidade Natural), do biólogo norte-americano Bruce Begamihl, lançado em 1999, onde são descritos casos de homossexualidade entre 450 espécies de animais, em sua maioria mamíferos e aves.

Para Paulo da Silva Sobrinhon (2007), tal livro comprova que a homossexualidade acontece na natureza, “o que, para nós, justifica a mudança de atitude em relação aos homossexuais que existem no nosso meio”.

O Direito, como ciência, também presta a sua colaboração para compreensão da homossexualidade. Ensina Caio Mário da Silva Pereira, Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal de Minas Gerais, que:

Não se pode negar que a vida em casal, composta de um homem e uma mulher, não é a única forma de vida comunitária. O casamento, até então, tem se mostrado como a mais organizada e freqüente, mas, nem por isto, pode-se desconhecer como válida a convivência entre pessoas do mesmo sexo, a qual dia a dia se torna mais freqüente. (2007, p. 65)

Nessa mesma linha é o seguinte trecho extraído do voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes, quando Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, prolatado nos Embargos de Declaração em Recurso Especial Eleitoral nº 24.564/PA:

É um dado da vida real a existência de relações homossexuais em que, assim como na união estável, no casamento ou no concubinado, presume-se que haja fortes laços afetivos.

Assim, entendo que os sujeitos de uma relação estável homossexual (denominação adotada pelo Código Civil alemão), à semelhança do que ocorre com os sujeitos de uma união estável, de concubinado e de casamento, submetem-se à regra de inexigibilidade prevista no art. 14, §7º, da Constituição Federal.

E mais. Dita o art. 5º, II e parágrafo único, da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

(omissis)

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

(omissis)

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Para Leonardo Barreto Moreira Alves, Promotor de Justiça de Minas Gerais e Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família, tais dispositivos inauguram um conceito legal que definitivamente reconhece a união homoafetiva (entre mulheres e, pelo princípio constitucional da igualdade, também entre homens) como entidade familiar, o que implica na perda de interesse na aprovação de qualquer projeto de lei que venha a disciplinar esta matéria e que tal união não constitui sociedade de fato (e, sim, uma entidade familiar), daí porque sua apreciação deve se dar sempre na Vara de Família, nunca em uma Vara Cível.

Nota-se, portanto, que a ciência oficial, por meio da Psiquiatria, da Psicologia, da Psicanálise, da Antropologia, da Biologia e do Direito, confere à homossexualidade a consideração que merece toda forma legítima de manifestação da sexualidade e, por conseguinte, de auto-identidade do indivíduo.


3. A HOMOSSEXUALIDADE E A SOCIEDADE


Em artigo que analisa a homossexualidade na perspectiva das pastorais pentecostais, Marcelo Natividade (2006) noticia que em agosto de 2004 começou a tramitação na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro do projeto de lei do Deputado Estadual Édino Fonseca que, em síntese, cria um programa de auxílio às pessoas que, voluntariamente, optarem pela mudança da homossexualidade para a heterossexualidade.

Em outras palavras, o projeto de lei pretende financiar a cura da homossexualidade. Isso demonstra que o preconceito está tão arraigado na sociedade que é capaz de institucionalizar a cura de uma realidade que, segundo diversos ramos científicos, não é sequer doença e, sim, um modo de ser.

Pior é que essa institucionalização da cura da homossexualidade, com dinheiro público, além de atropelar os Códigos de Ética das profissões atinentes ao campo psi (Psiquiatria, Psicologia e Psicanálise), desconsidera, como bem lembrado por Gibson Bastos (2006), que os métodos destinados à modificação da orientação sexual não são reconhecidos como eficazes pela Organização Mundial de Saúde, pelos Conselhos de Medicina e pelos Conselhos de Psicologia porque, no máximo, conseguem é levar o indivíduo a reprimir seu desejo, gerando conflitos e sofrimentos.

A homossexualidade, por mais de uma década, não é tida como doença ou desvio pela ciência oficial, não havendo espaço para se falar, seriamente, em cura. Assim sendo, os tratamentos terapêuticos aceitos pelos órgãos oficiais que regulam esse tipo de serviço são aqueles destinados à identificação da verdadeira orientação sexual e dos caminhos para ser feliz com ela (Bastos, 2006).

John Evans, citado por Gibson Bastos (2006), relata que depois de trinta anos de trabalhos voltados à cura da homossexualidade constatou que tais esforços geravam depressão e suicídio. Esse relato é importante porque veio de um dos fundadores do grupo LIA, organização estadunidense criada com a proposta de curar a homossexualidade.

A intolerância em relação aos homossexuais parece não conhecer fronteiras. Segundo Vera Lúcia Franco (2004):

um panorama mundial mais ou menos atualizado sugere que o homossexualismo é ainda ilegal em 74 países, 53 dos quais são ex-comunistas, ex-colônias britânicas ou de cultura predominantemente islâmica. Em 56 países existem movimentos gays, mas só em 11 deles a população é favorável a direitos iguais para todos. Em apenas seis países o governo protege os homossexuais contra a discriminação.

A Assessoria de Imprensa do Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde certa vez noticiou que:

Cerca de 80 países, principalmente na Ásia, África, América Central e Caribe, condenam a homossexualidade. A penalidade mais comum é a prisão, que pode passar de dez anos, como em Cuba, Malásia, Nigéria, Índia, Síria, Nicarágua e Líbia. Em outras nações, gays podem ser condenados a prisão perpétua, a exemplo de Uganda. E em países mais radicais, como Afeganistão, Irã e Arábia Saudita, a punição é a pena de morte. Segundo o site, mesmo em países cujos códigos penais não punem a homossexualidade, como o Brasil, a homofobia está presente no cotidiano das pessoas.

O caso de maior repercussão nos últimos anos, que mereceu destaque na imprensa nacional e na internacional, foi o de Édson Néris da Silva, morto em fevereiro de 2000. Édson e o amigo Dario Pereira Netto estavam andando de mãos dadas quando foram abordados por um grupo de 20 skinheads, em uma praça do Centro de São Paulo. Os dois tentaram fugir, mas somente Pereira conseguiu escapar. Édson foi espancado com socos e pontapés. Testemunhas disseram à polícia que a agressão durou cerca de 20 minutos. Depois disso, o grupo foi embora demonstrando calma. Policiais prestaram atendimento a Édson. Ele sofreu fratura de crânio, hemorragia interna, ferimentos no rosto, braços e pernas. Morreu logo depois de chegar ao hospital.

Conforme registrado por Gibson Bastos (2006), não são raros os casos em que a própria família do homossexual toma contra ele uma atitude agressiva. E mais. Nos Estados Unidos, cerca de 26% dos jovens homossexuais são expulsos de casa.

Luiz Mott (2006) - Mestre em Etnologia pela Universidade de Sorbonne (Paris), Doutor em Antropologia pela Unicamp e Professor Titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia - assim descreve a realidade do homossexual na sociedade brasileira:

Infelizmente, verdade seja dita, somos obrigados a reconhecer que de todas as chamadas "minorias sociais", no Brasil, e na maior parte do mundo, os homossexuais continuam a ser as principais vítimas do preconceito e da discriminação. Todos nós já ouvimos mais de um pai declarar: "prefiro ter um filho ladrão do que homossexual"! E não nos acusem de apelar para o vitimismo, pois os dados comprovam inegavelmente que, de todas as minorias sociais, os homossexuais são os mais vulneráveis: em Brasília, 88% dos jovens entrevistados pela Unesco consideram normal humilhar gays e travestis, 27% não querem ter homossexuais como colegas de classe e 35% dos pais e mães de alunos não gostariam que seus filhos tivessem homossexuais como colegas de classe. Mais grave ainda: no Brasil, um gay, travesti ou lésbica é barbaramente assassinado a cada dois dias, vítima da homofobia.

Confirmando o discurso acima transcrito, diz o professor Alípio de Sousa Filho (2003) que:

Dentre as várias expressões da sexualidade humana, a homossexualidade tem sido historicamente e incomparavelmente a que mais ataques tem sofrido dos fundamentalistas em religião, em moral, em ciência, em direito. Variando a intensidade de acordo com as épocas e com as sociedades, o preconceito em torno da homossexualidade sempre esteve presente com maior ou menor importância na vida de diversas sociedades conhecidas, registrando-se poucas exceções históricas e etnográficas.

De fato, o processo histórico permite constatar que o relacionamento afetivo-sexual entre pessoas do mesmo sexo, no transcorrer dos séculos:

Já foi considerado pecado, sem-vergonhice, crime e doença, e, na atualidade, o modo de ver a relação homossexual ainda apresenta muito destas qualificações, advindo disto um grande preconceito, mesmo que para a psicologia esta seja considerada uma forma de orientação do desejo, assim como é a heterossexualidade e a bissexualidade (Toledo, 2006).

Lamentavelmente, no Brasil, autoridades de grande relevo e membros de sua elite social têm produzido discurso de ódio, desprezo e estímulo à violência contra os homossexuais. É o que se infere do trecho abaixo, extraído de estudo realizado por Luiz Mott (2006):

Na Universidade de Santa Cruz, RS, foram distribuídos panfletos e adesivos com a seguinte palavra de ordem: "Mate um homossexual!". Em um dos programas de maior audiência popular, quando ainda na TV Record (da Igreja Universal), a apresentadora Ana Maria Braga divulgou a seguinte piadinha: "Você sabe qual é a maior tristeza de um pai caçador? Ter um filho veado e não poder matar! ". O bispo de Erechim, RS, D. Girônimo Anandréa declarou: "Os homossexuais nunca constituíram uma família. E nem vão constituí-la no futuro. O bem comum da sociedade requer a desaprovação do seu modo de agir". O pastor Túlio Ferreira, da Assembléia de Deus de São Paulo, disse: "O homossexualismo é uma anormalidade, uma profanação do nome de Deus, pois a homossexualidade é uma maldição divina e por isto todos os homossexuais serão conduzidos pelo diabo à perdição eterna". Dom Eusébio Oscar Scheid, ex-Arcebispo Metropolitano de Florianópolis e atual do Rio de Janeiro, declarou: "O homossexualismo é uma tragédia. Gay é gente pela metade. Se é que são gente!". O beneditino D. Estêvão Bittencourt, do mosteiro do Rio de Janeiro, disse: "O homossexualismo é contra a lei de Deus e contra a natureza humana. Mãe lésbica deveria perder o direito de educar o seu filho. A justiça não deve dar a guarda da criança a uma mãe lésbica". Carecas de Santo André, SP, distribuíram panfletos com a seguinte palavra de ordem: "Destrua os homossexuais!". E alguns meses depois, em janeiro de 2000, dezoito skeen-heads trucidaram um jovem gay, Edson Néris, na Praça da República. Espumando de ódio, num programa de TV, o deputado paulista Afanazio Jazadi declarou: "Todo homossexual deveria ser morto!". Policiais do 16º Batalhão da PM de Salvador proclamaram: "A ordem é metralhar os travestis!".

Recentemente, o jogador do São Paulo Richarlyson, conforme reportagem de Ricardo Viel (2007), ajuizou ação criminal contra o dirigente do Palmeiras, que, em programa de televisão, insinuou que o atleta era homossexual.

Para surpresa de todos, o juiz da 9ª Vara Criminal de São Paulo, Manoel Maximiano Junqueira Filho, arquivou o processo com a assertiva de que "o futebol é jogo viril, varonil, não homossexual" e que o jogador, caso resolvesse assumir a sua homossexualidade, deveria abandonar os gramados, já que “não poderia jamais sonhar em vivenciar um homossexual jogando futebol”.

Triste é constatar que tamanha demonstração de sentimentos anticristãos advém da elite social de um País “escolhido” para ser a Pátria do Evangelho.

Sem muito esforço se chega à conclusão de que a psicosfera do planeta está profundamente impregnada de homofobia, isto é, “todo tipo de comportamento que discrimina, oprime e leva à morte as pessoas que assumem que são homossexuais” (Bastos, 2006, p. 84). Nas palavras da UNAIDS, a “homofobia confere à heterossexualidade o monopólio da normalidade, gerando e incentivando o menosprezo contra aqueles que divergem do modelo de referência”.

Luiz Mott (2006), ao analisar as primeiras leis brasileiras, destaca que

Salta aos olhos, mesmo dos mais intolerantes, o absurdo de tanta severidade e indignação moral contra o homoerotismo, pois condutas anti-sociais extremamente ameaçadoras, como o estupro, a violência contra menores, o canibalismo e até o matricídio, eram consideradas crimes menos graves do que o amor unissexual.

Completando o panorama social até agora descrito, Gibson Bastos (2006) afirma que

A Igreja, através de seus representantes, já chegou a considerar a masturbação, o coito interrompido, todas as formas de sexo, e a relação entre pessoas do mesmo sexo, como comportamentos piores do que o incesto, o estupro e o adultério, por não atenderem à reprodução (p. 71).

Para não restar dúvida sobre o papel da Igreja na construção do ódio contra os homossexuais, há as seguintes palavras de Edênio Valle - Sacerdote católico, Psicólogo, Assessor Psicológico da CNBB e de vários organismos da Igreja Católica no Brasil, Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo:

A pesada marginalização e desprezo a que a homossexualidade foi submetida por séculos e séculos era um fenômeno cultural mais vasto que a Igreja. Esta, no entanto, esteve diretamente envolvida na milenar opressão coletiva exercida sobre o grupo homossexual.

A psicóloga e terapeuta familiar Jerusa Figueiredo Netto, citada pelo jornalista Rodrigo Hilário (2002) em artigo publicado no CorreioWeb, afirma que, apesar do avanço dos costumes, o inconsciente coletivo é preconceituoso com a homossexualidade e com as famílias lideradas por mulheres, sendo a aceitação da sociedade dessas realidades aparente e, portanto, falsa.

Com base em informações extraídas da genética e das pesquisas de Jung, Joanna de Angelis explica que “inconsciente coletivo seria, então, o registro mnemônico das reencarnações anteriores de cada ser, que se perde na sua própria historiografia” (2002, p. 175).

Os séculos de cultivo do odio em relação àqueles que não se amoldaram ao padrão imposto pela maioria heterossexual contribuíram decisivamente para que florescesse e agigantasse um inconsciente coletivo severamente contaminado com a homofobia, que se manifesta nas mais variadas gradações, variando da forma mais grosseira à mais sutil.

Tal inconsciente coletivo, herança de séculos de intolerância e ódio com os ditos diferentes, influencia a psicosfera do planeta e, por via de conseqüência, todos aqueles que nela residem, incluindo os que labutam nas lides cristãs.

Esse clima de hostilidade é lamentável porquanto gera para os homossexuais enormes dificuldades para desenvolvimento dos seus valores intelectuais e morais tão-somente porque não se enquadraram ao padrão de normalidade imposto pela maioria heterossexual (Bastos, 2006).

Muitos pais, interagindo intensamente com a psicosfera do globo, esquecem de ensinar aos seus filhos os passos para se tornarem homens de bem. Querem que sejam homens do mundo. E, assim sendo, acabam desejando que seus filhos sejam legítimos representantes da heterossexualidade.

Isso ocorre nem sempre porque queiram poupar os filhos de qualquer sofrimento. Conforme desabafo de Gibson Bastos (2006, p. 134):

É uma dura verdade, às vezes, fazemos dos filhos apenas motivo do nosso orgulho e da nossa vaidade. Alegamos que só queremos que eles não sofram, mas na maioria das vezes, somos nós que não suportamos ver nossos sonhos desfeitos.

Parece que muito da revolta ou tristeza dos pais em relação à homossexualidade do filho decorre, por assim dizer, do fato deles não encontrarem no seu sucessor direto o tão sonhado espelho para reprodução perene dos sentimentos de vaidade e de orgulho fincados em suas almas.

Em outras palavras, o desespero dos pais em razão da homossexualidade dos filhos revela, em verdade, não só a dificuldade de aceitação da diversidade como também a dificuldade de aceitação dos filhos como entes dotados de autonomia ou mesmo de alma e, portanto, dotados de necessidades que os singularizam e que influenciam o exercício do livre arbítrio.

Gibson Bastos aponta alguns fatores geradores do preconceito e da homofobia. O primeiro fator residiria no fato da homossexualidade abalar a figura do homem heterossexual como sinônimo de poder, na medida em que o homossexual masculino é visto como uma figura frágil e doente e o homossexual feminino é visto como aquele que dispensa o homem do processo de busca do prazer sexual.

Outro fator apontado pelo citado autor refere-se ao fato da maioria dos homófobos possuírem, em verdade, desejos homossexuais reprimidos. Assim, com o apoio do superego de todo o coletivo da sociedade - que vê na homossexualidade uma doença, uma perversão, algo antinatural e anormal -, tais homófobos projetam os seus desejos homossexuais reprimidos contra a figura social do homossexual, agredindo-a de diversas formas para reprimir e punir as suas verdadeiras tendências.

A baixa auto-estima é apontada também como uma das causas do preconceito contra a homossexualidade porque as pessoas acometidas desse mal aproveitam-se do desprezo que a maioria da sociedade tem para com os homossexuais para exteriorizar a sua necessidade de inferiorizar outras pessoas.

O discurso das religiões ortodoxas no sentido de que a homossexualidade é uma situação contrária à natureza e às Leis de Deus é apontado como um dos fatores da homofobia por funcionar como senha que ajuda na propagação da intolerância contra os homossexuais.

Tudo isso revela que a falta de conhecimento sobre a homossexualidade, a imposição da heterossexualidade como um único padrão de orientação sexual a ser aceita pela sociedade, a dificuldade em aceitar a própria homossexualidade, a baixa-auto estima e o interesse de alguns grupos em se manter no poder acarretam a condenação e punição – mediante exclusão e penas que incluem até a de morte - daqueles que procedem de forma diversa da determinada pelo grupo.

Em síntese, tudo indica que o avanço experimentado pela ciência oficial não provocou maior impacto sobre a sociedade deste planeta, marcada pelo preconceito, pelo ódio, pelas guerras e, por via de conseqüência, pela dor.

 

4. A HOMOSSEXUALIDADE E A BÍBLIA

A Bíblia, consoante se infere da própria vivência social, tem sido enfaticamente utilizada por diversas religiões e seitas cristãs para justificar a perseguição aos homossexuais. Segundo leitura que fazem da Bíblia, a homossexualidade, por violar a ordem natural das coisas, ofende a Deus e a própria moral, constituindo uma perversão que não pode ser tolerada.

Após minudente estudo sobre a homossexualidade na perspectiva do segmento religioso que se autoproclama evangélico, Marcelo Natividade (2006) destacou que:

A análise mostrou como evangélicos proferem um discurso que afirma a exterioridade da homossexualidade, rejeitando concepções deterministas e afirmando a possibilidade de reversão por meio da conversão. As acusações morais subjacentes ao discurso sobre a cura revelam um pânico moral insuflado pelo cultivo de uma imagem negativa. Homossexuais são vistos como "promíscuos", "pedófilos" e sujeitos que "espalham doenças", portanto indivíduos perigosos à coletividade. Também foi possível perceber uma apropriação de noções oriundas de outros saberes institucionalizados, a partir da veiculação de imagens da homossexualidade como "doença", "vício", "perversão" ou "degeneração". Carrara e Vianna (2004) chamam a atenção no sentido de que essas imagens se tratam de representações da homossexualidade constituintes dos saberes biomédicos do início do século passado. A problematização acerca da "gênese" da homossexualidade - atrelada a práticas visando a uma reestruturação das condutas sexuais - revelou uma preocupação exaustiva com as sexualidades periféricas. Seja como for, a homossexualidade não se localiza fundamentalmente no orgânico, mas nas memórias e nas experiências vividas, o que sugere a interpenetração entre psicologia e religião (Semán, 2000). A noção de cura e o ideal de restauração sexual buscam construir um sujeito reflexivo e implantar uma ética sexual. O impulso homossexual pode emergir sob a forma de tentações e provações, mas é preciso uma verdadeira guerra espiritual pelo controle e posse de si. O ideal da transformação do sujeito em um templo do Espírito Santo busca reforçar essa dimensão ética. Afinal, um templo é sagrado e deve ser resguardado.

Todavia, dentro das religiões cristãs há vozes em contrário. Uma delas é de Benjamin Forcano, teólogo moralista e sacerdote católico, para quem “A qualificação da homossexualidade como abominação procede de uma hermenêutica mecanicista e deslocada”.

Segundo o referido teólogo,

A Bíblia não é um texto sagrado, intocável, para ser aplicado como se fosse um ditado direto de Deus. A Bíblia não é um aerólito, não é algo caído do céu, mas um instrumento que ajuda a entender a vontade de divina tal como ela é percebida a partir dos condicionamentos culturais, irremediavelmente limitados, daquele tempo e sociedade.

Benjamin Forcano explica ainda que o texto de Sodoma (Gn 19, 1-29), muito usado para desqualificar aqueles que possuem orientação homossexual, em verdade, segundo estudos recentes, não se refere à homossexualidade e, sim, à falta de hospitalidade e que, todavia, se converteu, paradoxalmente e contra seu sentido original, para proscrever e exilar de nossa sociedade os homossexuais.

Forcano, após destacar que a Bíblia tem sido utilizada para justificar determinada visão cultural sobre a homossexualidade com suporte em pressupostos antropológicos hoje superados, aponta os seguintes critérios que a Igreja Católica deveria adotar em relação à sexualidade:

1. Jesus não marginaliza nem discrimina ninguém; 2. Jesus se mostra profundamente misericordioso; 3. Jesus relativiza a Lei. Seus inimigos foram precisamente os que utilizavam a religião para discriminar e marginalizar.

Destaca ainda que

A hermenêutica moderna está longe de ver nos textos bíblicos uma condenação da homossexualidade. A Bíblia não leva a argumentos para isso, nem é coisa que se proponha. Então, não resta outro recurso senão chegar a ela, pela via da ciência, da ética, da filosofia ou das disciplinas humanas pertinentes. Isso quer dizer que, como católicos, não podemos acrescentar nada de específico a um problema que deve ser analisado da perspectiva das ciências humanas.

Após minuciosa análise de diversos trechos bíblicos citados pelos religiosos para condenação da homossexualidade, Katsuhiro Kohara, Professor da Universidade Doshisha, Kyoto, Japão, em interessante artigo, chegou às seguintes linhas de raciocínio:

1) Há poucos lugares que mencionam a homossexualidade e esta nunca é colocada como tema principal do autor no Novo Testamento. E também, todas as menções dependem de uma base literal e tradicional.

2) Não existe no Novo Testamento a idéia de homossexualidade que corresponda à orientação sexual. A Bíblia sempre cita homossexualidade em ligação com a prática sexual que independe dos gêneros - masculino ou feminino.

3) O Novo Testamento condena claramente o homossexualismo enquanto envolve meninos (crianças) e considera uma tal prática como desumana.

4) A Bíblia considera o ato sexual entre pessoas do mesmo sexo como sendo mau, mas não fala porque é mau.

Portanto, a homossexualidade que o Novo Testamento questiona e a nossa concepção e questionamentos hoje sobre tal questão, é totalmente diversa. É impossível querer, a partir de um trecho bíblico específico, tirar uma orientação eficaz sobre a homossexualidade para aplica-la em nossos dias sem contextualizá-lo e entende-lo em seu sentido original.

Gottfried Brakemeier, pastor luterano e doutor em teologia, destacou que na Igreja há setores onde a “discriminação é conscientemente assumida” porque há invocação da Bíblia para sustentar seu entendimento de que a homossexualidade é um grave pecado, ofensa a Deus, algo abominável em todas as suas formas.

Mas o referido teólogo da Igreja Luterana asseverou que há, ainda, vozes no sentido de que as “passagens bíblicas, aduzidas como contra-prova, estariam se referindo não à orientação homossexual como tal e, sim, a abusos nessa área”.

Apesar de demonstrar cautela em tratar do assunto em seu estudo, o próprio Gottfried Brakemeier reconheceu que se as investigações exegéticas conduzirem ao entendimento de que a Bíblia não proscreve a “homofilia responsavelmente vivida”, haveria a remoção de um dos grandes motivos da intolerância no âmbito religioso.

Os Bispos Jack Spong e Peter J. Lee da Igreja Anglicana, em interessante texto, declararam que há no movimento anglicano duas correntes inconciliáveis de entendimento com relação à existência, dentro do texto bíblico, de condenação à homossexualidade. Ambas as correntes, porém, esclarecem os Bispos, entendem que a Bíblia pode ser lida no sentido da condenação das práticas homossexuais, assim como foi lida para discriminar os gentios, samaritanos, leprosos, gente ritualmente impura, mulheres, canhotos, minorias raciais e os suicidas.

A Revda Yvette Dube da Igreja da Comunidade Metropolitana, em minucioso estudo que incluiu, até mesmo, análise da etimologia de palavras empregadas no texto bíblico original, após explicar que a tradição judaico-cristã é no sentido do repúdio aos homossexuais, sustentou que inexiste na Bíblia qualquer condenação à homossexualidade.

Uma cuidadosa leitura das análises do texto bíblico realizadas pelas correntes teológicas mais progressistas parecem indicar, em síntese, que realmente inexiste na Bíblia qualquer condenação à homossexualidade como orientação sexual. Há, sim, condenação às práticas homossexuais contextualizadas com a falta de hospitalidade, com o atentado violento ao pudor e com a promiscuidade.

Em verdade, a intolerância, que sempre foi associada ao movimento religioso, decorre não do texto bíblico, construído em contexto social completamente diverso do nosso, mas sim da idiossincrasia de pessoas que não hesitaram em utilizar a Bíblia para justificar as mais variadas formas de opressão social.

Os artigos das correntes teológicas que não condenam a homossexualidade por si só e que foram empregados neste estudo justamente porque estimulam a reflexão constam na bibliografia e podem ser facilmente encontrados na internet.

 

5. A HOMOSSEXUALIDADE E AS RELIGIÕES TRADICIONAIS

Apesar dos avanços verificados na ciência oficial e na interpretação dada por alguns teólogos aos textos bíblicos, a hostilidade aos homossexuais tem permeado a prática e o discurso das religiões cristãs tradicionais. É o que se infere do seguinte trecho extraído de estudo realizado pelos Bispos Jack Spong e Peter J. Lee do movimento anglicano:

Há cem anos não havia debate sobre a homossexualidade na vida da Igreja Cristã. Hoje essa discussão enraivece em toda a parte da cristandade, às vezes, abertamente, às vezes, ocultamente. Em algumas partes de nossa Comunhão esse debate ameaça separar os cristãos em campos de batalha. Em nossa Comunhão já ouvimos ameaça de excomunhão, de um la-do, e, de outro, convite para deixar. Temos observado evidência de que esse debate pode deflagrar palavras danosas e insolentes e até condutas fisicamente violentas.

Os ânimos acirrados dentro do movimento anglicano dividem-se, conforme alhures destacado, em duas correntes. Uma sustenta que a homossexualidade é como ser canhoto, que é, estatisticamente, um desvio da norma de vida humana que foi, outrora, causa de discriminação e perseguição. Acredita ainda que a sexualidade é moralmente neutra, de modo que tanto heterossexualidade quanto homossexualidade podem ser vividas ou de modo destrutivo ou de modo que afiem a vida.

Os Bispos acima aludidos destacam ainda que os defensores dessa primeira corrente lembram que a ciência já registrou a ocorrência de homossexualidade entre os animais, demonstrando assim que a homofilia independe de liberdade de pensar e de capacidade de escolha. Os indivíduos, assim como os animais, simplesmente, despertam para a homossexualidade.

Buscam, com isso, demonstrar que a homossexualidade é uma realidade inata, não submetida ao controle consciente do indivíduo.

Lembram ainda que a interpretação da Bíblia que resulta na condenação da homossexualidade é idêntica à utilizada para justificar a escravidão como uma instituição social, a posição de segunda classe da mulher e a idéia de que a epilepsia é causada pela possessão demoníaca, sem se esquecer do pensamento, um dia em voga, de que o planeta Terra situava-se no centro do Universo.

Por sua vez, a outra corrente do movimento anglicano considera a homoafetividade maléfica e praticada por gente moralmente depravada ou mentalmente doentia e condenada por Deus, pela Escritura e pela tradição por constituir prática pecaminosa.

Benjamin Forcano reconhece que a Igreja Católica possui dificuldade para admitir a diversidade sexual como um valor enriquecedor, condenando, por esse motivo, a homossexualidade.

Mas o nobre teólogo, após afirmar que a ciência, a ética, a filosofia e as demais disciplinas humanas pertinentes conduzem ao entendimento de que a Bíblia não condena a homossexualidade responsável, convocou a comunidade católica para - mostrando a sua fidelidade ao evangelho, ainda que se afastando da orientação da cúpula da Igreja - admitir a diversidade sexual, chancelando aos homossexuais, inclusive, o acesso ao sacerdócio.

Edênio Valle, ao analisar as vozes existentes dentro do movimento católico, verificou que, em relação à homossexualidade, há três correntes teológicas:

uma mais tradicional, que até chega a criticar o Vaticano como insuficientemente condescendente neste campo; outra, seguramente majoritária hoje em dia, que tenta aprofundar as brechas que os pronunciamentos oficiais oferecem; e uma terceira, que vê como inadequado e insuficiente o tratamento que as autoridades maiores da Igreja Católica dão à sexualidade em geral e, conseqüentemente, à homossexualidade e aos homossexuais.

Edênio cita ainda o Psicanalista e Sacerdote Marc Oraison, para quem a homossexualidade, em si, "não comporta nenhuma maldade moral”, não podendo ser considerada pecado quando ensejasse “uma verdadeira relação intersubjetiva”.

Gregory Baum expressou a sua esperança de um dia ver a cúpula da Igreja Católica mudar a sua concepção em relação à homossexualidade para entendê-la como uma das variantes normais da sexualidade com base nos seguintes argumentos:

Os teólogos sabem, ao mesmo tempo, que a Igreja, condicionada por novas experiências religiosas, por descobertas científicas e por uma releitura dos textos bíblicos, mudou, com freqüência, seu ensinamento. Nós não cremos mais no “fora da Igreja nenhuma salvação”, doutrina enunciada pelos concílios do passado, não aceitamos mais a existência do limbo, pregada por séculos, apoiamos a liberdade religiosa e os direitos humanos, embora estas idéias tenham sido severamente condenadas pelos papas do século 19; estamos conscientes que a Igreja mudou seu ensinamento sobre a tortura e a pena de morte, e assim por diante. É, pois, absolutamente razoável pensar que num destes dias a Igreja também mude sua ética sexual.

 

6. A HOMOSSEXUALIDADE E O ESPIRITISMO

O Espiritismo, lamentavelmente, não ficou livre da polêmica que existe em relação à homossexualidade.

Vladimir Aras Salvador, citando Jorge Andrea, assegura que a homossexualidade tem “conotação patológica", nele identificando-se "indivíduos em distonias de variada ordem, que procuram atender aos sentidos com o parceiro do mesmo sexo, em praticas deformantes e desarmonizadas".

Em verdade, nem Vladimir, nem Jorge Andrea, usam o vocábulo homossexualidade. Usam homossexualismo, que, conforme os mais variados ramos da ciência oficial, é considerado obsoleto, inadequado e equivocado. Fiz a substituição do vocábulo homossexualismo pela palavra homossexualidade porque não me pareceu honroso para o Espiritismo a repetição de um erro crasso, condenado pela ciência oficial.

Vladimir cita, ainda, os seguintes trechos da escritora “espírita” Therezinha Oliveria:

"Pode o Homossexual Freqüentar o Centro Espírita?" leciona que "Se aspirarmos ingressar no seu serviço, e mister um esforço de renovação intima, para corresponder a dignidade do ambiente. 'Quem não renunciar a si mesmo não pode ser meu discípulo', dizia Jesus, e Kardec esclarecia: 'Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para dominar as suas mas tendências. Tais atitudes se recomendam a todos quantos procuram a casa espírita e, portanto, também aos que, no mundo, transitam atualmente pelas experiências do homossexualismo" (in AIDS, Homossexualismo, Alcoolismo, Conflitos Familiares e Temas Diversos, EME Editora, pagina 14).

São do próprio Vladimir as seguintes palavras:

(...) cabe aos dirigentes das casas espíritas agir com tato para vedar a participação de pessoas que se dediquem a praticas homossexuais nos trabalhos do centro espiritista, principalmente nas tarefas vinculadas a mediunidade e a doutrinação.

Ora que bem.

Sabia que o centro espírita era a Casa de Deus. Mas não sabia que, para alguns, havia se transformado em solo exclusivo para espíritos perfeitos. Ainda bem que Jesus não seguiu critérios tão rígidos porque, do contrário, não teríamos como absorver o seu legado de amor e tolerância transmitido por seus apóstolos, já que ninguém, ainda mesmo nos dias de hoje, conseguiria reunir as condições morais para se qualificar como espírito puro.

É claro que o discurso de Vladimir Aras Salvador e de seus partidários não é, por todo, ruim porque, ao menos, não condenou os homossexuais à fogueira, o que já representa um significativo avanço.

J. Herculano Pires, segundo relato de João Alberto Vendrani Donha (2001), chama de ingênuos os psiquiatras que declaram normal a homossexualidade que, no seu entender, constitui uma das anormalidades mais aviltantes.

Gibson Bastos (2006) destaca, inclusive, que há no meio espírita quem propague o seguinte slogan: “Deus ama o homossexual mas odeia a homossexualidade”.

Não me posso furtar do dever de informar que Kardec, na primeira questão do Livro dos Espíritos, perguntou “O que é Deus?” e não “Quem é Deus?” justamente porque não queria dar azo ao desenvolvimento, no movimento espírita, da visão antropomórfica da Divindade, já que, naquele tempo, tal modo de pensar já era considerado retrógado e inadequado.

Em outras palavras, determinados espíritas, para combater a homossexualidade, não hesitam em utilizar técnicas e recursos de argumentação definitivamente rejeitados pela própria doutrina espírita.

Ainda com supedâneo em Gibson Bastos (2006), pode-se dizer que a condenação da homossexualidade prepondera no meio espírita a ponto, como ele mesmo narra em sua obra, de haver presenciado a proibição da entrada de jovens homossexuais em determinada mocidade espírita.

Apesar de dominante, o pensamento que considera a homossexualidade como um comportamento aviltante não é o único nas lides espíritas.

Graças ao bom Deus!

José B. Campos, em interessante artigo, após explicar que pecado é uma transgressão de preceito religioso, conduz o raciocínio até desembocar no seu entendimento de que a homossexualidade não é uma conduta pecaminosa, malgrado não constitua uma escolha ideal.

E mais. Afirma que a “prática da homossexualidade não transforma o ser em pessoa abominável” e que conhece “homossexuais que se distinguem pela inteligência apurada, pela cultura aprimorada, pela educação exemplar, pela fraternidade cristã e, principalmente, pelo caráter reto” e que conhece, também, “heterossexuais que mais parecem uma gruta vazia e sombria”.

Completando o seu raciocínio, José B. Campos recomenda ao homossexual eleger alguém para que com ele constitua um lar para, assim, não correr o risco de se perder em ligações clandestinas.

O expositor espírita Jorge Hessen traz as seguintes palavras de Chico Xavier, que foram publicadas no Jornal Folha Espírita do mês de março de 1984:

"Não vejo pessoalmente qualquer motivo para criticas destrutivas e sarcasmos incompreensíveis para com nossos irmãos e irmãs portadores de tendências homossexuais, a nosso ver, claramente iguais às tendências heterossexuais que assinalam a maioria das criaturas humanas. Em minhas noções de dignidade do espírito, não consigo entender porque razão esse ou aquele preconceito social impediria certo numero de pessoas de trabalhar e de serem úteis à vida comunitária, unicamente pelo fato de haverem trazido do berço características psicológicas e fisiológicas diferentes da maioria. (...) Nunca vi mães e pais, conscientes da elevada missão que a Divina Providencia lhes delega, desprezarem um filho porque haja nascido cego ou mutilado. Seria humana e justa nossa conduta em padrões de menosprezo e desconsideração, perante nossos irmãos que nascem com dificuldades psicológicas?"

São de Jorge Hessen as seguintes palavras:

Porém, após refletir bastante sobre o assunto e, sobretudo, tendo como alicerce as opiniões de Chico Xavier, entendemos que a união estável [casamento] entre homossexuais é perfeitamente normal. Sim!

Só conseguiremos entender melhor a questão homossexual depois que estivermos livres dos (pré)conceitos que nos acompanham há muitos milênios. Arriscaríamos afirmar que a legalização do casamento entre duas pessoas do mesmo sexo é um avanço da sociedade, que estará apenas regulamentando o que de fato já existe.

No programa Pinga-Fogo, da extinta TV Tupi, gravado em DVD, quando indagado sobre a questão da homossexualidade, Chico Xavier diz peremptoriamente que as leis iriam evoluir para contemplar todas as formas de amar e que o “homossexualismo” é uma realidade do espírito.

Gibson Bastos (2006) é peremptório em afirmar que inexiste na Codificação Kardequiana qualquer condenação à homossexualidade e que os argumentos espiritistas contrários à essa orientação sexual são, em verdade, demonstração de que determinados espíritos não conseguiram com a desencarnação ou mesmo com a morte desvencilhar de preconceitos alimentados por longos séculos.

Gibson Bastos também esclarece que a sublimação dos sentimentos, defendida por muitos espíritas que tratam da homossexualidade, só pode ser conseguida quando o espírito conseguiu passar pela prova da fidelidade conjugal e que a sua imposição, sem os devidos suportes morais necessários, tão-somente pode conduzir o indivíduo para dois caminhos: sério transtorno psicológico ou hipocrisia.

De fato, não é possível vislumbrar na Codificação Kardequiana qualquer linha tratando diretamente da homofilia. Todavia, Paulo da Silva Neto Sobrinho (2007) constatou que o tema não passou despercebido pelo Allan Kardec. Para demonstrar tal entendimento, faz a seguinte transcrição de trecho extraído da Revista Espírita de janeiro de 1866, páginas 03 e 04:

As almas ou Espíritos não têm sexo. As afeições que as une nada têm de carnal, e, por isto mesmo, são mais duráveis, porque são fundadas sobre uma simpatia real, e não são subordinadas às vicissitudes da matéria.

(...)

Os sexos não existem senão no organismo; são necessários à reprodução dos seres materiais; mas os Espíritos, sendo a criação de Deus, não se reproduzem uns pelos outros, é por isto que os sexos seriam inúteis no mundo espiritual.

Os Espíritos progridem pelo trabalho que realizam e as provas que têm que suportar, como o operário em sua arte pelo trabalho que faz. Essas provas e esses trabalhos variam segundo a sua posição social. Os Espíritos devendo progredir em tudo e adquirir todos os conhecimentos, cada um é chamado a concorrer aos diversos trabalhos e a suportar os diferentes gêneros de provas; é por isto que renascem alternativamente como ricos ou pobres, senhores ou servidores operários do pensamento ou da matéria.

Assim se encontra fundado, sobre as próprias leis da Natureza, o princípio da igualdade, uma vez que o grande da véspera pode ser o pequeno do dia de amanhã, e reciprocamente. Deste princípio decorre o da fraternidade, uma vez que, nas relações sociais, reencontramos antigos conhecimentos, e que no infeliz que nos estende a mão pode se encontrar um parente ou um amigo.

É no mesmo objetivo que os Espíritos se encarnam nos diferentes sexos; tal que foi um homem poderá renascer mulher, e tal que foi mulher poderá renascer homem, a fim de cumprir os deveres de cada uma dessas posições, e delas suportar as provas.

A Natureza fez o sexo feminino mais frágil do que o outro, porque os deveres que lhe incumbem não Terra Espiritual Página exigem uma igual força muscular e seriam mesmo incompatíveis com a rudeza masculina. Nele a delicadeza das formas e a fineza das sensações são admiravelmente apropriadas aos cuidados da maternidade. Aos homens e às mulheres são, pois, dados deveres especiais, igualmente importantes na ordem das coisas; são dois elementos que se completam um pelo outro.

O Espírito encarnado sofrendo a influência do organismo, seu caráter se modifica segundo as circunstâncias e se dobra às necessidades e aos cuidados que lhe impõem esse mesmo organismo.

Essa influência não se apaga imediatamente depois da destruição do envoltório material, do mesmo modo que não se perdem instantaneamente os gostos e os hábitos terrestres; depois, pode ocorrer que o Espírito percorra uma série de existências num mesmo sexo, o que faz que, durante muito tempo, ele possa conservar, no estado de Espírito, o caráter de homem ou de mulher do qual a marca permaneceu nele. Não é senão o que ocorre a um certo grau de adiantamento e de desmaterialização que a influência da matéria se apaga completamente, e com ela o caráter dos sexos. Aqueles que se apresentam a nós como homens ou como mulheres, é para lembrar a existência na qual nós os conhecemos.

Segundo Paulo da Silva Neto Sobrinho (2007), agora vem a principal parte do texto:

Se essa influência repercute da vida corpórea à vida espiritual, ocorre o mesmo quando o Espírito passa da vida espiritual à vida corpórea. Uma nova encarnação, ele trará o caráter e as inclinações que tinha como Espírito; se for avançado, fará um homem avançado; se for atrasado, fará um homem atrasado. Mudando de sexo, poderá, pois, sob essa impressão e em sua nova encarnação, conservar os gostos, as tendências e o caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar. Assim se explicam certas anomalias aparentes que se notam no caráter de certos homens e de certas mulheres. (RE 1866, pp. 3-4).

Como bem coloca Paulo da Silva Neto Sobrinho, ao qualificar como anomalias aparentes o fato de um indivíduo conservar na atual encarnação “os gostos, as tendências e o caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar” em outra existência, o Codificador, em verdade, deixou patente que considera a homofilia algo dentro da normalidade.

Parece-me correta tal conclusão porquanto, se quisesse reputar a homofilia como uma anomalia, não empregaria a expressão anomalia aparente. Empregaria, sim, tão-somente a palavra anomalia, da mesma forma como fez o Codificador, por exemplo, no item 100 do Livro dos Espíritos ao explicar as dificuldades nas comunicações mediúnicas.

Paulo da Silva Neto Sobrinho, em seu estudo, cita a posição de Hernani Guimarães de Andrade no sentido de que a homossexualidade não deve ser classificada como uma psicopatia ou como um comportamento merecedor de discriminação ou de medidas repressivas.

O nobre articulista coloca também que se condenarmos a homossexualidade porque antinatural devemos, pelo mesmo motivo, também condenar o sexo oral e o sexo anal praticados entre pessoas de sexo diferente, vez que também não são encontrados na natureza.

Gibson Bastos (2006) assevera que não consegue entender a lógica e o bom senso de assertivas comuns no meio espírita consistentes na idéia de que os casais homossexuais devem abster-se de ter uma vida sexual e canalizar suas energias sexuais para a caridade, já que tal pensamento é inexistente no Novo Testamento e nos livros da Codificação Kardequiana.

Segundo o autor, há nas lides espíritas quem sustente que a homossexualidade é um distúrbio psicológico e uma deformidade moral porque não atende à lei de reprodução, esquecendo-se que a atividade sexual não existe tão-somente para reproduzir a espécie humana, mas, acima de tudo, como diz André Luiz em Evolução em Dois Mundos, para reconstituição das forças espirituais.

Outro argumento rebatido por Gibson refere-se à alegação de que os homossexuais, por natureza, são promíscuos e que as suas relações são deformantes e causadoras de desajustes morais. Para ele, tal linha de pensamento decorre do completo desconhecimento do universo homossexual, onde se encontra relacionamentos duradouros, sem qualquer distúrbio comportamental ou diminuição de sua produtividade dentro da sociedade.

Ao argumento também comum no movimento espírita de que os homossexuais vivem desregradamente, Gibson afirma que, em verdade, decorre do desconhecimento da diferença entre orientação sexual e comportamento sexual, porquanto não é possível dizer que todos assim agem só porque determinados homossexuais adotam um comportamento promíscuo.

Gibson Bastos (2006) registra ainda que há no movimento espírita quem sustente que a troca de energia sexual entre pessoas do mesmo sexo desestrutura a organização do inconsciente ou perispiritual, gerando dor e sofrimento futuros. Só que tal linha de pensamento é francamente preconceituosa, na medida em que atribui à igualdade dos sexos o que, de fato, é causado pelo pensamento e sentimento com o qual nos envolvemos ou envolvemos o outro, segundo ensinado por André Luiz em Sexo e Destino (Bastos, 2006).

Os argumentos que tentam justificar a condenação da homossexualidade não terminaram. Gibson aponta ainda um no sentido de que as relações homossexuais atraem a presença de espíritos vampirizadores de energias. Infelizmente, tal argumento revela grave preconceito por trazer implícita a certeza de que os homossexuais jamais poderão manter um clima de sentimentos e pensamentos elevados e que, portanto, estão em estado de inferioridade.

Gibson Bastos (2006), por fim, aponta como argumento defendido por determinados espíritas a assertiva de que os homossexuais devem adotar a mais absoluta castidade e trabalhar no bem para se curarem desse desvio.

Como fala o próprio Gibson, tal linha de pensamento demonstra que os seus defensores ignoram que a evolução se faz passo a passo e que - conforme ensinado por André Luiz no livro No Mundo Maior - é irrisório exigir do homem de evolução mediana a conduta do santo pois – segundo se conclui das lições de Hammed em Dores da Alma – enquanto a abstinência imposta gera desequilíbrio, a educação conduz ao emprego respeitável e nobre das forças sexuais.

Em outras palavras, Gibson Bastos (2006) esclarece que, antes de se exigir do nosso irmão homossexual a sublimação, deve se ofertar ao mesmo a oportunidade para vencer o egoísmo e desenvolver a fidelidade e a fraternidade através de uma relação monogâmica, mesmo com pessoa de igual sexo.

Interessante é a observação de Gibson Bastos (2006) no sentido de que há espíritas que buscam apoio nos textos bíblicos do Antigo Testamento para condenar a homossexualidade, mas que não se submetem à proibição de consultar os mortos, esquecendo-se da advertência de Paulo de Tarso de que ao se aceitar um preceito da lei mosaica, deve se sujeitar aos demais preceitos.

Walter Barcelos (2002), após esclarecer que a inversão sexual pode decorrer de expiação ou mesmo da necessidade de executar tarefas especializadas no campo do desenvolvimento intelectual, moral e espiritual da humanidade, informa que a experiência homossexual constitui grave sofrimento para nossos irmãos porque ainda que unidos em uma relação conjugal normal, não serão poupados da frustração de não receberem a benção da maternidade ou mesmo da capacidade de fecundação de uma mulher.

Por isso Walter Barcelos (2002) conclama os espíritas para terem uma atitude de compreensão, indulgência e compaixão cristã para com todos os homossexuais.

Diz mais:

Respeitemos a vida afetiva e sexual de cada companheiro em experiência transitória da homossexualidade. Se encontrarmos dificuldades em aceitar, tolerar e conviver com esses irmãos em Deus, meditemos se agora estivéssemos encarnados em corpo diferente do que a nossa mente determina em matéria de sexualidade. Logicamente, poderíamos estar passando pelas mesmas lutas sentimentais e psicológicas de nossos irmãos homossexuais femininos e masculinos. As suas lutas espirituais poderão ser as nossas em futura encarnação. Devemos amá-los como eles são, com todas as características de sua personalidade psicológicas, pois são também Espíritos imortais, com aquisições valorosas e respeitáveis virtudes, adquiridas em séculos e séculos de aprendizagem nas vidas pretéritas (2002, p. 118).

O sítio IRC-Espiritismo disponibiliza aos interessados apostila com vistas à preparação psicológica e doutrinária dos trabalhadores do atendimento fraterno. Nesse rico material há uma interessante seção de estudos de casos, dos quais se destaca o seguinte pela pertinência com o tema ora tratado:

6) Estudante de economia, 21 anos, perdeu o pai quando criança e vive com a mãe e uma irmã mais velha num bairro nobre da cidade. Ele está confuso, angustiado e cheio de dúvidas sobre o que considera seu maior suplício: é homossexual.

Apesar de sua irmã saber e o compreender, ele pergunta se deve contar para sua mãe e não sabe como se portar diante de sua reação. Outra dúvida do jovem é se existe alguma explicação espiritual para isso, como, segundo suas palavras, ter nascido no corpo errado. Indaga sobre como o Espiritismo vê sua opção e se, sendo homossexual, poderia freqüentar algum Centro Espírita.

Encontra-se muito ansioso, nervoso, não consegue se alimentar direito nem prestar atenção nas aulas. Sente-se diferente, solitário e não quer magoar ninguém, diz que seu maior desejo é encontrar a paz.

Comentário: O Espiritismo não tem nenhum preconceito com relação a conduta sexual do ser humano. Embora não concorde com o erro, a Doutrina Consoladora respeita a sexualidade do individuo. Uma boa recomendação é a leitura do livro “Vida e Sexo” de Emmanuel.

O Espírito pode vivenciar uma série de reencarnações, mergulhando sempre no corpo de um sexo. Dessa forma, terá hábitos daquela polaridade. Se por exemplo ele é um homem que se utiliza do sexo para dilacerar corações e destruir lares, pode ser induzido no mundo espiritual a reencarnar num corpo feminino – o sexo que ele tanto desrespeitou.

Então ele vai ter um corpo feminino, hormônios femininos, mas uma psicologia masculina. Se houver uma prevalência da sua psicologia em detrimento da sua anatomia, estamos diante de uma tendência homossexual.

Da mesma forma, se a mulher é vulgar, promiscua, frívola, pode reencarnar em um corpo do sexo oposto. Igualmente surge uma dicotomia de comportamento: O corpo tem um sexo, e o psicológico tem outro. Se o ser passa a utilizar a sua função psicológica no comportamento sexual, estamos diante de uma conduta homossexual.

Qual a orientação adequada? O Atendente Fraterno deve dizer que a opção na área da sexualidade diz respeito à liberdade de consciência de cada um. Não há no Espiritismo nenhum preconceito contra o homossexual. Qualquer preconceito é atentado contra a liberdade do individuo. A recomendação ao homossexual, tanto quanto ao heterossexual, é que a dignidade, o respeito aos outros, e a sublimação dos impulsos são muito importantes. Da mesma forma que não é lícito ao Heterossexual a promiscuidade, a vulgaridade, e a falta de respeito, também não é moral que o Homossexual se comporte dessa forma. Alem disso, as orientações costumeiras: Passe, Freqüência à Casa Espírita, Evangelho, Oração, Reforma Moral, Reflexões.

Pelo quadro, é necessário dar uma injeção de animo nele. É provável que ele esteja com a auto – estima muito prejudicada. Dar-lhe esperança! Falar-lhe que é possível ele encontrar a paz sem magoar a ninguém. O mais importante não é em que faixa de sexualidade o Espírito transita, mas o comportamento a que se permite na atual experiência. Da mesma forma que não é licito ao Heterossexual se entregar a promiscuidade, não é Moral para o Homossexual, se comportar de forma vulgar, sem respeitar os outros. Então a nossa recomendação ao Carlos, que ele não seja promiscuo, que seja ético para com todos, e que tente sublimar quaisquer impulsos sensualistas para expressões de nobreza, dignidade, elevação. Essa recomendação – a da sublimação – não é exclusiva para os Homossexuais. A sublimação é uma proposta para qualquer criatura.

Com relação a duvida de como proceder com a mãe, o Atendente Fraterno deve pensar junto com ele, mas deixar que ele opte por aquilo que achar melhor. Existem situações em que dizer a verdade é o melhor caminho. Entretanto, em outros momentos, a verdade pode causar perturbação, sofrimento, angústias desnecessárias, porquanto, a pessoa não se encontrava em condições emocionais de assimilar aquela informação. Uma boa abordagem é pergunta-lo: “Você acha que sua mãe tem condições de ouvi-lo sem produzir sofrimentos e abalos maiores? Acha que ela tem estrutura para te compreender?”. (p.30-31)

Nota-se na transcrição acima legitimidade para orientar a conduta espírita não só no trabalho do atendimento fraterno como também nos demais setores da vida terrena por revelar o verdadeiro sentido do Evangelho do Cristo.

 

7. UMA TOMADA DE POSIÇÃO

Segundo o próprio Allan Kardec:

(...) o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificará nesse ponto (A. Kardec, A Gênese, ed. cit, cap. I, no. 55, p.37).

Ora que bem.

Ainda que a condenação da homossexualidade fosse um dos ensinamentos da doutrina dos espíritos – o que não é –, posso dizer, com base na lição acima transcrita, que caberia ao verdadeiro espírita, fiel à postura sensata do Codificador, rejeitar tal orientação para assumir uma posição consentânea com a adotada pelos mais variados ramos científicos da atualidade, que confere à homofilia o tratamento que é devido a qualquer vertente natural da sexualidade humana.

Todavia, o que se nota é que muitos espíritas qualificam a homossexualidade como um distúrbio ou desvio de personalidade quando, no seu mais profundo íntimo, consideram-na como odioso pecado, buscando, assim, com mudança das palavras, ocultar a dificuldade que possuem para aceitar a diversidade.
Muda-se o rótulo. Porém, não se muda o conteúdo.

Durante quase dois mil anos, segundo lições de renomados teólogos, inclusive da Igreja Católica, a mensagem bíblica foi desvirtuada para justificar as Cruzadas, a Inquisição, a escravidão, o racismo, a opressão da mulher, a perseguição das minorias e diversas outras práticas deploráveis.

Parece que tal tendência humana de distorcer, até mesmo, as sacrossantas palavras de Jesus para justificar condutas e sentimentos anticristãos migrou com grande intensidade para o movimento espiritista, o que acaba por retirar do Espiritismo, gradativamente, o seu conteúdo de Consolador Prometido para convertê-lo em instrumento de martirização daqueles que experimentam a prova da inversão sexual.

Não estranharei – mas lamentarei – o dia em que a doutrina espírita for usada para justificar o trabalho infantil ou mesmo o racismo, assim como está sendo usada para reputar imoral uma realidade do espírito.

Pior. Do mesmo modo que há espíritas afirmando que a inversão sexual impede o indivíduo de conhecer o amor ou mesmo de formar uma família com uma pessoa do mesmo sexo, sob a alegação de que deve passar por todas as dificuldades inerentes à sua morfologia, ainda que em detrimento da sua estrutura psicológica e do seu progresso espiritual, poderá haver espiritistas defendendo que a prova da pobreza impede o indivíduo a ela submetido de trabalhar ou mesmo de receber ajuda para sair dessa situação porque deverá passar por todas as vicissitudes atreladas à miserabilidade.

A loucura humana, que é desprovida de pudor, não se acanha de usar estranhos raciocínios para se justificar.

O preconceito contra os homossexuais possui uma faceta que, talvez, o torne mais cruel do que o preconceito contra os negros, por exemplo. Enquanto estes, em grande maioria, podem contar com o apoio e carinho de seus familiares para as lutas agravadas pelo preconceito, aqueles não podem contar com tamanha sorte porque, muitas das vezes, as mais variadas formas de violência a que são submetidos iniciam-se justamente em seus núcleos familiares.

Ao se reprimir a homossexualidade reprime-se, por imperativo lógico, as uniões homo-afetivas. Isso é de imensurável gravidade porque não se pode esquecer, como bem ensinou Mark W. Baker (2005), Phd em Psicologia, que:

A razão pela qual muitas pessoas temem os relacionamentos é que o amor nos deixa vulneráveis. O risco de sofrer é o preço que pagamos quando estabelecemos um relacionamento com outras pessoas. Mas o amor é a recompensa. Aqueles que estão dispostos a pagar esse preço poderão desenvolver o seu eu, e os que procuram evitar qualquer risco e se fecham tornam-se egocêntricos. (p. 187)

O trecho retrotranscrito foi elaborado à luz de casos envolvendo casais heterossexuais. Contudo, não vejo razão para deixar de aplicá-lo aos casais homossexuais, que também necessitam das relações intersubjetivas para, através do amor, desenvolverem o eu de cada um dos envolvidos.

Assim sendo, ao se reprimir as uniões homo-afetivas, por meio de cruel repúdio à homossexualidade, está se vedando ao homossexual um digno e necessário caminho para manutenção de sua saúde mental e espiritual, com sério comprometimento de sua jornada terrena.

Diante dessa realidade, geradora de um estado de inegável perplexidade, a Moderna Teologia está fazendo uso dos conhecimentos oriundos de diversos ramos científicos para concluir que as uniões homossexuais responsáveis não constituem atentado nem contra a letra da Bíblia, nem contra as Leis de Deus e que, portanto, não há autorização divina para qualquer conduta discriminatória.

Poderiam os espíritas, com mais razão, vez que já alertados pelo próprio Allan Kardec (2005) da necessidade de se atualizar a doutrina espírita com os conhecimentos oriundos da ciência, assumir semelhante postura para compreender a homossexualidade como uma orientação sexual plenamente de acordo com a natureza e, assim, contribuir para o avanço moral do planeta.

Todavia, como bem lembrado por Gibson Bastos (2006), prepondera no movimento espírita severa condenação à homossexualidade e às uniões homossexuais. Apesar de lamentar, tenho de reconhecer que tal posicionamento condenatório não está desprovido de fundamento. Tem suporte em preceitos científicos superados e em dogmas arcaicos de religiões que, nós espíritas, temos por hábito criticar justamente pela postura dogmática que adotam.

 

8. CONCLUSÃO

O inconsciente coletivo, produto, só na era cristã, de quase dois mil anos de intolerância, ódio e opressão, revela as mazelas de uma população típica de um mundo de provas e expiações, onde o mal prepondera com grande vantagem sobre o bem.

Por causa disso, a Humanidade, com raras exceções, não conseguiu assimilar os avanços científicos no campo da sexualidade humana a ponto de aceitar como plenamente normal a homossexualidade.

Essa dificuldade em aceitar a diversidade tem feito escola no Espiritismo pois, segundo verificado na literatura disponível, muitos dos seus integrantes, quiçá, inconscientemente, têm deturpado o acervo intelectual espiritista, à semelhança do que ocorreu com a Bíblia, para produzirem um discurso condenatório não só contra a homossexualidade como também contra as uniões homo-afetivas.

Com isso removem do Espiritismo a sua natureza de Consolador Prometido para transformá-lo, progressivamente, em instância reservada para uma intelectualidade estéril quando não na versão moderna dos Tribunais da Santa Inquisição.

Mas esse quadro tormentoso pode conhecer solução de continuidade. Há teólogos de importantes segmentos do cristianismo se levantando contra a discriminação dos homossexuais, sustentando, inclusive, que inexiste na Bíblia qualquer condenação à homossexualidade responsável. E mais. Há, na própria doutrina, a começar por Kardec, vozes que conferem à homossexualidade a condição de uma variante natural da sexualidade humana.
Assim sendo, apesar da densa neblina do preconceito - que tem, inclusive, arrastado valorosos trabalhadores do movimento espírita – podemos encontrar as primeiras candeias sendo acesas para anunciar a aproximação de uma nova era, marcada por tolerância e fraternidade, para a Humanidade.

 

9. REFERÊNCIAS

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