Sempre que ocorre uma tragédia
com muitas vítimas fatais, seja proveniente das forças
da natureza (terremotos, furacões, tsunamis) ou provocada pelo
homem, certas perguntas são inevitáveis. Por que acontecem?
É fatalidade, destino, imprevidência humana? Era vontade
de Deus que acontecesse? Por que uns se salvam e outros não
se todos são filhos de Deus e, portanto, onde fica a sua justiça?
Recorremos ao Livro dos Espíritos
para esclarecer algumas destas dúvidas, lembrando que muitos
casos, embora possam guardar semelhanças gerais, possuem também
particularidades que não podem ser desprezadas. Cada ser humano
é uma individualidade, criatura de Deus sem igualdade absoluta
com nenhum outro. Causas internas e externas se somam para culminar
em certos resultados e a teoria geral que explica o fato em si pode
não contemplar aspectos especiais de cada pessoa.
Na questão
851 da obra citada, é-nos explicado que a fatalidade
só existe quanto às escolhas que a própria alma
faz antes de reencarnar, traçando para si uma espécie
de destino. Dizem com isso que, em linhas gerais, é
o próprio homem que, mediante o livre-arbítrio, determina
o tipo de experiências que deseja e/ou necessita vivenciar para
o bem de seu progresso espiritual.
Acrescentam os Espíritos na Q. 866 que mesmo a fatalidade aparente,
às vezes observada nos fatos materiais – visto que nos
morais, decididamente ela não existe; por exemplo, ninguém
nasce predestinado a matar alguém, cometer um estupro –
aqueles acontecimentos decorrem da nossa liberdade de escolha
e se constituem em provas escolhidas e não necessariamente
só expiações como muita gente supõe.
Mas há
mais duas facetas desta problemática. Uma, contida na questão
259, quando nos é informado que apesar destas escolhas prévias
chamadas de “planejamento reencarnatório”, pelas
quais determinamos nosso futuro, nem todas as atribulações
que nos ocorrem foram previstas. Definimos os pontos-chave, o gênero
das provas e/ ou expiações, mas os detalhes serão
elaborados ao longo da vida, conforme a dinâmica de cada momento
e situação.
A Q. 860 traz-nos
a segunda faceta mencionada. O homem, mediante seu
livre-arbítrio, pode mudar muitos dos acontecimentos
previstos desde que não implique em rompimento com
o planejamento básico anterior. Podemos desertar de compromissos
assumidos, de missões que julgávamos ser capazes de
cumprir e agora titubeamos. Provas e expiações podem
ser atenuadas, adiadas e mesmo canceladas, a depender da nossa conduta
atual, disposições interiores, esforço e mérito
no caminho do bem. Não podemos esquecer que, se
por um lado, estamos sujeitos a colher hoje reações
de atos praticados no passado, no presente também executamos
novas ações que, por sua vez, trarão
reflexos no futuro. Resumindo: nem tudo é carma como se diz.
No caso da colisão aérea entre o Boeing da Gol e o Legacy,
várias falhas humanas e técnicas podem ter ocorrido.
Falha do transponder, descumprimento da mudança de nível
de vôo do jatinho depois de passar por Brasília, não
determinação do controle para que o da Gol mudasse o
próprio nível e outras. Mas a pergunta é: Deus
não pode tudo? Os Espíritos que o auxiliam na administração
do universo não poderiam ter intuído os envolvidos para
corrigir os erros a tempo? Todos os que morreram “tinham”
que morrer? E por quê?
Deus
não determinou a ocorrência que poderia ser evitada.
Mas, em tudo ele extrai benefícios onde o homem só enxerga
desgraça e dor. Deus não intervém diretamente
em tudo o que ocorre. Para isso estabeleceu leis sábias e justas,
imutáveis, porém flexíveis. Se houve imprudência,
imperícia, negligência, má-intenção,
desrespeito às normas de navegação aérea,
Deus não pode ser culpado por isso. Os responsáveis
serão penalizados proporcionalmente ao seu grau de culpabilidade,
quer pela justiça terrena, quer pela divina.
Deus permitir
que algo aconteça não significa que desejasse sua ocorrência.
Pode-se alegar que se Ele sabia que poderia acontecer e podendo intervir
não o fez, então foi omisso e indiferente ao sofrimento
de algumas centenas de suas criaturas. Fatos como este são
muito trágicos e dolorosos e ninguém tem o direito de
tripudiar sobre o sentimento de dor experimentado pelas vítimas
- pois que continuam a viver conscientes na outra dimensão
-, familiares e amigos. Mas Deus a tudo provê com sua visão
infinita. Para a grandiosidade de sua obra e mesmo da evolução
de cada ser, o acidente não passou de um incidente isolado
que em nada afetará o conjunto.
Nestas ocorrências
quase sempre há exceções. Adultos, um bebê
ou um idoso encontrado vivo, muitos dias após, nos escombros
de um terremoto; pessoas “salvas” por contratempos triviais
como um pneu furado, etc. E há o inverso. No vôo 1907
da Gol estava uma mulher que já sofrera uma queda de avião
na infância. Outra antecipou a viagem com o filho em um dia;
o marido não os acompanhou. Um passageiro decidiu adiar o vôo
devido ao número de escalas. Fora poupado pela segunda vez,
pois escapara de outro acidente em 2004, no Mato Grosso, quando 33
pessoas pereceram.
Deus não deu preferência para poupar uns e outros
não; não há milagres. Apenas o planejamento
reencarnatório deste ou daquele não previa a partida
da vida física neste momento. Os que sobrevivem não
é por privilégio divino ou questões de fé.
Foram afastados da circunstância porque seu destino era diferente.
Suas experiências no corpo ainda não haviam chegado
a termo.
Outra interrogação.
Se o fato ocorreu por falhas humanas, se estas não tivessem
ocorrido, as 154 pessoas não morreriam? A questão 738
de O Livro dos Espíritos esclarece
que Deus pode empregar outros meios para cumprimento de suas leis
e objetivos, visando sempre ao aprimoramento da humanidade. Leis que
são sempre educativas e não punitivas, objetivando proporcionar
o progresso espiritual que conduzirá o homem à verdadeira
felicidade.
O respeito do
Criador para com o livre-arbítrio e necessidades dos homens
perpetra condições da execução apropriada.
Se não fosse em grupo seria individualmente. Se não
de avião talvez de automóvel; se não naquele
dia, em outro qualquer. Esta questão esclarece também
que o conceito que os seres libertos do corpo físico possuem
da vida material é muito diferente do que o nosso. Não
lhe emprestam o mesmo valor superlativo porque sabem que todos somos
imortais, que já tiveram e terão muitas outras existências
carnais.
Se
eventualmente uma ou mais pessoas que ali desencarnaram não
tivessem que perecer, “...estas encontrarão
em outra existência larga compensação
aos seus sofrimentos desde que saibam suportá-los sem murmurar.”.
Resumindo: algumas vítimas ali devem estar “pagando”
dívidas contraídas no passado enquanto outras podem
estar “adquirindo créditos” para o futuro.
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