O fim de uma relação
amorosa nos sobrecarrega tanto psíquica quanto fisicamente;
mas do ponto de vista evolutivo a montanha-russa emocional na
qual embarcamos nessas situações tem um objetivo:
nos preparar para novos recomeços
O fim de um relacionamento afetivo costuma provocar uma revolução
em nossa vida emocional. Principalmente quando o término nos
pega desprevenidos – ou a decisão parte da outra pessoa.
Um turbilhão de sentimentos como raiva, insegurança,
carência, saudade, dor e desejo de vingança se misturam
e nos invadem. Nesse momento atribulado, alguns tomam atitudes extremadas,
se expõem, esperneiam, suplicam; outros se recolhem. Qualquer
que seja a reação, é inevitável escaparmos
do sofrimento. O rompimento nos sobrecarrega tanto psíquica
quanto fisicamente – muitas vezes causando reações
como uma espécie de “bloqueio” que pode durar semanas
ou até meses.
Mas, pensando bem, não seria mais sensato e
saudável – pelo menos do ponto de vista biológico
– deixar logo de lado toda essa dor e recomeçar de uma
vez por todas a busca por um novo parceiro para procriação?
Certo, há questões psíquicas envolvidas, como
a necessidade de realização do luto e do processamento
de todo o aprendizado emocional que a situação traz.
“Mas se toda a natureza trabalha no sentido de garantir a continuidade
da espécie, por que, então, não desenvolvemos
um método com o qual seja possível simplesmente descartar
um romance malsucedido, sem tanto dispêndio de tempo e energia?”,
questiona a antropóloga Helen Fisher, da Universidade Rutger,
Nova Jersey.
Ela mesma admite que talvez nos aproximemos mais de
uma resposta se nos voltarmos para o início do relacionamento
– e, mais precisamente, ao momento em que nos apaixonamos. A
utilidade evolucionária do encantamento que, por vezes, nos
arrebata parece clara: nos concentramos totalmente em uma pessoa que
escolhemos para o acasalamento, sem gastar tempo ou energia com assuntos
secundários. “Mas o que se passa na cabeça de
homens e mulheres apaixonados?”, pergunta-se Fisher.
Para estudar a questão e tentar responder a
essa pergunta, ela decidiu unir-se à neurocientista Lucy Brown,
da Escola de Medicina Albert Einstein, e ao psicólogo Arthur
Aron, da Universidade Estadual de Nova York. O grupo recorreu à
tomografia por ressonância magnética funcional, com a
qual é possível acompanhar a atividade do cérebro.
Enquanto estavam dentro do tomógrafo, os voluntários
que consentiram em participar do estudo observavam, alternadamente,
a foto da pessoa que amavam e a imagem de uma pessoa conhecida com
quem tivessem um relacionamento afetivamente neutro. De vez em quando,
eles tinham de resolver uma atividade como distração,
para que sensações e sentimentos pudessem se atenuar.
“Nessas diferentes situações comparamos a atividade
cerebral e percebemos que as duas regiões cerebrais estavam
especialmente envolvidas durante a observação do amado:
partes do núcleo caudado e da área tegmentar ventral
(ATV) direita no mesencéfalo.
Tão gostoso: proximidade do ser amado
desperta atividade neural similar à que surge quando vemos
– e desejamos degustar – um alimento saboroso
IRONIAS DA NATUREZA
É interessante notar que em ambas as regiões há
células neurais que se comunicam através da substância
mensageira, a dopamina, e reagem de forma sensível àquilo
que causa bem-estar – como alimentos saborosos, por exemplo
– ou mesmo à possibilidade de experimentá-los.
O fato de a paixão estar relacionada a esse “sistema
de recompensa”, indica que o que estamos habituados a chamar
de “sentimento” talvez seja, na verdade, um “estado
de motivação” para a busca de algo – comparável
à fome, que nos leva a buscar e consumir alimentos. Se pensarmos
assim, o cenário fica menos romântico. Afinal, talvez
não nos apaixonemos (como muitas vezes
gostamos de pensar) em razão de uma trama bem engendrada do
destino ou dos belos olhos do outro, de seu charme e de sua sensualidade.
Sob essa óptica o encantamento se vale, antes, de mecanismos
neurológicos cuja função é aplacar uma
necessidade biológica. E garantir a sobrevivência da
melhor forma possível.
Há alguns anos, a equipe de Fisher estudou
a atividade cerebral de -pessoas apaixonadas, porém infelizes,
que estavam sofrendo profundamente pelo fim de um relacionamento amoroso.
Embora os pesquisadores reconheçam não saber com precisão
o que se passa no cérebro das pessoas nessas situações,
admitem que, aparentemente, a elevada atividade na ATV e em regiões
do núcleo caudado ligadas a ela, ativas quando o relacionamento
parecia ir bem, ainda se mantém. Será então que
continuamos amando, apesar de termos sido abandonados?
Psiquiatras dividem o processo de separação
em duas fases: primeiro vem o protesto; depois, o desespero. Durante
a fase de protesto, em geral a pessoa abandonada tenta obstinadamente
recuperar o objeto de seu amor. Tenta entender o que deu errado e
como poderia reacender o interesse do outro. Algumas chegam a fazer
cenas dramáticas diante do ex-parceiro; outras choram sozinhas,
saudosas e, por algum tempo, não vêem nada no mundo que
lhes atraia a atenção. Qualquer que seja a reação,
porém, em vez de desaparecer, a paixão parecer crescer.
Na base dessa reação estão processos neurais.
Segundo os psiquiatras Thomas Lewis, Fari Amini e Richard Lannon,
da Universidade da Califórnia em São Francisco, a reação
de protesto está atrelada à dopamina e à noradrenalina.
Em experiências com animais, elevadas concentrações
desse neurotransmissor são associadas não apenas ao
aumento da vigilância, mas também fazem com que o indivíduo
solitário identifique a falta e busque o que necessita.
O fato de a concentração da dopamina
aumentar justamente logo após o abandono poderia esclarecer
por que o interesse pela pessoa perdida fica mais intenso nessa fase.
Além disso, o neurocientista Wolfram Schultz, da Universidade
Suíça de Fribourg, descobriu há alguns anos o
que acontece no cérebro dos macacos quando uma guloseima que
lhes havia sigo apresentada “desaparece” repentinamente:
neurônios do sistema de recompensa passam a trabalhar por um
período especialmente longo, como que para suprir (ou tentar
entender) a perda.
Mas que ironia da natureza! Mal se deixa de ter acesso
ao objeto do amor, intensifica-se justamente a atividade daqueles
circuitos cerebrais que provocam o desejo mais pronunciado. Mas não
é só o mecanismo de recompensa que fica severamente
esgotado na primeira fase de privação amorosa. Além
do desejo intensificado, surge o medo, como se os indivíduos
estivessem mais expostos e vulneráveis. Segundo o neurocientista
Jaak Panksepp, da Universidade Estadual Bowling Green, em Ohio, nos
mamíferos há uma reação neuronal de pânico
em cadeia quando a mãe se ausenta. Segundo o pesquisador, nessas
situações os filhotes se tornam imediatamente inquietos,
choram e apresentam palpitações. Nos humanos, resquícios
mentais dessa experiência podem ressurgir quando ocorre uma
nova separação, ativando tanto mecanismos psíquicos
quanto cerebrais.
Quando pessoas apaixonadas olham para seus parceiros,
tornam-se ativas as partes do sistema de recompensa do cérebro,
as quais também geram o desejo. Infelizmente, isso não
se altera logo que a pessoa amada nos abandona
Quase sempre o parceiro que não queria a separação
é tomado, em alguns momentos, pela fúria – mesmo
que a relação tenha terminado de forma transparente
e sincera. O psicólogo Reid Meloy, da Universidade da Califórnia,
em San Diego, denomina essa reação abandonment rage
(raiva do abandono). O fenômeno também parece outro estranho
capricho do processo evolutivo, se considerarmos que a ira ou o ódio
dificilmente farão o desertor voltar.
E como o amor pode se transformar tão repentinamente
em ódio? Se examinarmos bem, os dois sentimentos não
são antagônicos – o oposto do amor seria o desinteresse.
Aparentemente, a raiva do abandono não exclui o amor. O seguinte
experimento demonstra que amor e ódio estão muito próximos
um do outro: se estimularmos eletricamente o circuito de recompensa
no cérebro de um gato, ele expressa forte sentimento de bem-estar.
Porém, assim que interrompemos a estimulação,
o animal arranha e morde. Esse tipo de reação a expectativas
não correspondidas é conhecido como “resposta
de frustração-agressão”.
De alguma forma, parece que nossos antepassados desenvolveram
esse infeliz curto-circuito neuronal entre amor e ódio –
talvez com o objetivo bem prático de solucionar problemas de
procriação. Provavelmente, todas as etapas vividas convergem
justamente para esse mecanismo – que nos possibilita de fato
encerrar um relacionamento amoroso fracassado para que possamos ousar
um novo começo. Além disso, é a raiva do ex que
faz com que os pais, no caso de uma separação, lutem
tão intensamente pelo (que acreditam ser o) bem-estar de sua
prole. Quantas vezes, homens e mulheres anteriormente equilibrados
se transformam repentinamente durante uma separação,
tentando conseguir o que acreditam ser “o melhor” para
seus filhos, da pior maneira possível. Nos Estados Unidos há
juízes que mandam instalar um botão de emergência
em sua mesa, caso os brigões que estão se divorciando
resolvam se agredir fisicamente durante a audiência.
Mas, em algum momento, as pessoas desistem. E aí
inicia-se a segunda fase da separação: é o momento
de lidar com a perda e resignar-se. Nessa fase, os mais propensos
ao uso de álcool podem recorrer à substância;
outros se isolam ou passam a maior parte do tempo apáticos.
“Em 1991, um grupo de sociólogos da Universidade da Califórnia,
em Los Angeles, entrevistou 114 homens e mulheres que tinham sido
deixados por seus amados nas oito semanas anteriores. Mais de 40%
sofria de depressão. Dos que receberam esse diagnóstico,
12% classificaram a patologia como mediana ou intensa”, observa
Helen Fisher.
A fase de resignação também se
reflete na rede de recompensa neuronal. Filhotes abandonados por suas
mães, que inicialmente protestaram e entraram em pânico,
mais tarde experimentam um estado de resignação, uma
espécie de letargia, em “resposta de desespero”.
Quando esses animais compreendem que suas esperanças não
serão mais realizadas, as células produtoras de dopamina
no mesencéfalo reduzem sua atividade. A falta desse neurotransmissor,
por sua vez, leva ao desânimo e, nos casos mais graves, à
depressão.
Num primeiro momento, assim como o “amor-ódio”,
o desespero também parece contraproducente. Para que perder
tempo com aflições? Alguns especialistas, porém,
acreditam que a depressão se desenvolveu como mecanismo de
superação. Existem toneladas de teorias sobre esse tema.
Uma hipótese extremamente interessante é defendida pelo
antropólogo Edward Hagen, da Universidade Humboldt de Berlim,
e pelos biólogos Paul Watson e Paul Andrews, da Universidade
do Novo México, assim como pelo psiquiatra Andy Thomson, da
Universidade da Virginia. Segundo eles, o alto ônus psíquico,
físico e social causado pela depressão tem sua utilidade:
seus sintomas funcionam como claro sinal de que a pessoa afetada precisa
urgentemente de apoio daqueles que a rodeiam.
Imaginem uma moça do período paleolítico
cujo companheiro se junte abertamente a outra mulher. No início,
ela protesta furiosa tentando forçar seu parceiro a abandonar
o affair. Ela pede ajuda a amigos e aos companheiros do clã,
mas suas súplicas não são atendidas. Por fim,
ela entra em profunda depressão. Isso faz com que a família
finalmente expulse o homem infiel. Eles apóiam a jovem abandonada
até que ela reúna forças suficientes para procurar
um novo companheiro e conseguir novamente colaborar com a alimentação
e os cuidados das crianças.
A depressão, porém, oferece mais uma
vantagem evolucionária: nos obriga a encarar os fatos como
são. Pessoas depressivas vivem aquilo que o psicólogo
Jeffrey Zeig, da Fundação Milton H. Erickson, em Phoenix,
Arizona, chama de “falha da negação”. Somente
a depressão leva uma pessoa a aceitar finalmente o apoio oferecido
ou a tomar uma decisão que, em última instância,
pode acabar tendo efeito positivo sobre suas chances de sobrevivência
e procriação.
A natureza humana tem bons motivos para ser
moldada de forma que soframos massivamente pela privação
repentina do amor – no início, para que possamos protestar
e tentar recuperar o objeto de nosso afeto e, por fim, quando nada
disso funciona, para que deixemos de lado esse objeto e possamos recomeçar.