Jorge Cordeiro
> Espiritismo e Ciência
O que é uma Ciência?
A visão clássica da Ciência assume que uma disciplina
é uma ciência quando adota um método específico
chamado de método científico. Um ramo da Filosofia denominado
de Filosofia da Ciência trata da explicação, compreensão
e elaboração do método científico. De
acordo com esta visão, uma ciência é criada a
partir de um longo processo de coleta de informações,
através da observação de fenômenos (ou
objetos) a serem estudados. As informações colhidas
dariam origem a leis, e a junção de várias leis
formariam as teorias científicas que seriam responsáveis
por explicar os fenômenos observados e prever novos acontecimentos.
O ápice desta visão ocorreu durante as décadas
de 20 e 40 do século passado e ficou conhecido como positivismo
lógico. Ao longo das décadas seguintes, questões
importantes foram levantadas contra esta concepção filosófica,
fazendo-se restrições variadas. Dentre estes críticos
destacam-se Karl Popper, Thomas Kuhn, Imre Lakatos, Paul Feyrabend
e Willard Quine. Uma visão mais atual da Filosofia da Ciência,
não compartilhada ainda por todos os cientistas, define que
na atividade científica, a observação dos fatos
e as teorias desenvolvem-se juntas numa ampla experimentação
de hipóteses, apoiadas numa ampla discussão em torno
de novos fatos, e ao contrário do que defendia o positivismo,
as teorias poderiam ser de caráter metafísico, sendo
mais importantes a capacidade destas teorias de explicarem os fenômenos
adequadamente, fazer previsões empíricas e ter a virtude
da simplicidade e abrangência. Resumidamente: uma ciência
completa possui um núcleo teórico principal formado
por leis fundamentais, um grupo de hipóteses auxiliares que
servem de conexão com o grupo de fatos. Eventuais discordâncias
entre a teoria e os fatos, seriam resolvidas por ajustes nas hipóteses
auxiliares.
O Método Espírita
Kardec presenciou os fenômenos das mesas girantes, e por ter
uma personalidade curiosa e investigativa, tomou para si um propósito
de explicar o que estava acontecendo. Kardec tinha uma profunda base
científica e filosófica, e usando destas resolveu se
debruçar sobre estes fenômenos, como o astrônomo
que diante das estrelas procura conhecer os seus segredos. A princípio
cético e sem nenhuma pressuposição, passou a
freqüentar mais assiduamente às sessões mediúnicas,
cujo desenrolar e conteúdo logo o levaram a aprofundar sua
pesquisa. Com seu espírito observador, passou a aplicar o método
da observação experimental nos fenômenos que se
manifestavam. Ele estudou as mensagens transmitidas pelos médiuns
tão friamente e racionalmente, como estudou os próprios
médiuns, avaliando seu linguajar, sua educação
ou sua cultura geral, e concluiu que eles não poderiam de forma
alguma tecer comentários tão profundos e superiores
como das pessoas mais sábias que pisaram o planeta, ou tão
banais e simplórios como de qualquer pessoa sem estudo, muito
aquém do nível destes médiuns. Algumas mensagens
eram de conhecimento muito íntimo de pessoas já falecidas,
que de nenhuma forma eram do conhecimento geral, e outras muito racionais
para uma personalidade poética, ou muito poética para
uma personalidade prática. Ouviu explicações
variadas de temas importantes, como Deus, o homem, a natureza ou o
sentido da vida. Não tinha outra explicação plausível:
os mortos se manifestavam por esses médiuns e toda uma nova
filosofia nascia, toda uma nova série de fenômenos se
apresentava, era chegado o momento de revelar ao mundo a doutrina
dos espíritos. Ele acreditava na manifestação
dos espíritos pela profundidade e pela lógica do que
se discutia e se apresentava, não pela manifestação
em si, ou pelas mudanças apresentadas pelos médiuns,
seja na voz ou na postura ou por algum efeito físico concomitante
como materializações ou levitação de objetos.
A beleza, a simplicidade, a coerência e a unidade de visão
do que os espíritos falavam era que tornava convincente esta
realidade.
Ele usou o que hoje se poderia nomear na filosofia fenomenológica
de redução eidética [1].
Ele fez múltiplas perguntas a vários médiuns
diferentes e de vários níveis de cultura, e coletou
uma série de respostas sobre os mais diversos temas. Destas
respostas ele procurou uma unidade, procurou retirar o que era imutável,
retirar a sua essência e disto surgiu o que representava o pensamento
dos espíritos de escol para a humanidade, e nos foi dada a
Ciência dos Espíritos.
O Espiritismo como Ciência
Vimos portanto que o método empregado por Kardec para a fundamentação
da Doutrina Espírita foi o método da observação
experimental e se ajusta perfeitamente ao que se faz em ciência
para descobrir as leis que regem os fenômenos investigados.
A partir dos dados coletados e avaliados, Kardec provou a existência
do espírito, que é a sua essência, o seu Eu que
sobrevive à morte e que é a sede das emoções
e do pensamento, pois esse Eu retornara do túmulo e através
da mediunidade “de efeitos intelectuais”,
apresentava uma personalidade que era reconhecida por amigos, parentes,
conhecidos ou por uma avaliação da cultura que apresentava,
por suas idéias particulares ou sua moral. Era como uma impressão
digital insubstituível, uma característica que era própria
ou uma lembrança que era particularmente sua. E estas características
ou lembranças servem para comprovar a identidade de uma pessoa,
como também a sobrevivência desta pessoa à morte,
como tantas vezes se apresentou na história do Espiritismo.
Não se pode dizer que a Ciência Espírita, seja
uma ciência tradicional nos moldes da Biologia, da Química
ou da Física. Não temos para apresentar ao mundo o peso
de um espírito, ou sua composição química,
ou um molde de seus órgãos internos, pois o Espiritismo
não é do domínio da ciência tradicional,
mas é uma ciência por seu método científico
de investigação e uma Filosofia moral por suas implicações.
Como disse Kardec (1857/2003):
“As ciências ordinárias repousam sobre as propriedades
da matéria que se pode experimentar e manipular à vontade;
os fenômenos espíritas repousam sobre a ação
de inteligências que têm a sua própria vontade
e nos provam a cada instante que elas não estão à
disposição dos nossos caprichos. As observações,
portanto, não podem ser feitas da mesma maneira; elas requerem
condições especiais e um outro ponto de partida; querer
submetê-las aos nossos processos ordinários de investigação,
é estabelecer analogias que não existem. A Ciência,
propriamente dita, como ciência, portanto, é incompetente
para se pronunciar na questão do Espiritismo: não tem
que se ocupar com isso e seu julgamento, qualquer que seja, favorável
ou não, não poderia ter nenhuma importância. (p.
23-4)”
Donde se conclui que o Espiritismo não necessita da Ciência
Materialista ou de seus cientistas, pois nem a Ciência nada
tem a oferecer ao Espiritismo em sua fundamentação nem
os cientistas podem explicar os fenômenos espíritas mais
coerentemente que seus estudiosos. Não devemos pois incorrer
no erro dos grupos de estudos que surgiram após a doutrina
espírita como a Metapsíquica de Charles Richet, a Sociedade
de Pesquisas Psíquicas inglesa ou americana ou a própria
Parapsicologia que tenta estudar entre outras coisas a existência
do espírito ou a sobrevivência do mesmo à morte,
usando de fundamentos positivistas (o que é uma incoerência,
pois o positivismo exclui a metafísica).
Nas palavras de Aécio P. Chagas (1995):
“Muitos estudiosos
têm se envolvido numa determinada linha de pesquisa, que remonta
à época das mesas girantes, e que tem por objetivo provar
a existência do Espírito através de métodos
físicos. Apesar de não estar só, em minha obscura
opinião, esta linha não chegou e nem chegará
a nada, pois os métodos físicos são adequados
para estudar a matéria (foram feitos para isto). Caso alguém
evidencie a presença do Espírito através de um
método físico, cabe sempre um questionamento metodológico,
e daí não se chega a parte alguma. Por outro lado, muitos
confrades poderiam ainda argumentar com o fato de Kardec, em suas
obras, mencionar várias vezes que o Espiritismo e a Ciência
marchariam lado a lado. Estas afirmações poderiam causar
(e causam) em muitos leitores a impressão de que Kardec falava
das ciências da matéria. Creio que Kardec tinha em mente
a Ciência Espírita, que ele acreditava com toda a certeza,
que ainda estava no começo e que iria crescer...”
A este respeito também comenta Sílvio S. Chibeni (1988):
“... é preciso cautela no entendimento da progressividade
do Espiritismo...ela deve ocorrer...sem recurso a elementos estranhos,
venham de onde vierem, sob o risco de este perder sua consistência...a
harmonia com as conquistas da Ciência não deve ser buscada
irrestritamente e a qualquer preço, visto estar ela, em suas
proposições abstratas, constantemente sujeita a enganos
e retificações...aparentemente, os que em nossos dias
advogam a tese do ”ajuste à Ciência” ainda
não se deram conta desse fato, nem perceberam que...em A
Gênese, Kardec deixou clara uma ressalva, ao falar
desse ajuste...”
A passagem comentada por Chibeni
em “A Gênese” de Kardec
(1868/2002) é a seguinte:
“O Espiritismo não coloca, pois, como princípio
absoluto, senão o que está demonstrado como evidência,
ou que ressalta logicamente da observação. Tocando em
todos os ramos da economia social, às quais presta o apoio
de suas próprias descobertas, assimilará sempre todas
as doutrinas progressivas , de qualquer ordem que sejam, chegadas
ao estado de verdades práticas, e saídas
do domínio da utopia; sem isso se suicidaria; cessando de ser
o que é, mentiria à sua origem e ao seu fim providencial”
(p. 40).
Como vimos, o Espiritismo e a Ciência Positivista são
de domínios diferentes, e portanto, estudos que visam desvendar
características materiais, usando aparelhos para captar manifestações
que são intimamente de outra ordem, são esforços
desperdiçados e de pouca utilidade pois a existência
do espírito para o espírita já é uma realidade
objetiva nas mesas mediúnicas. Quando na verdade, deveríamos
estar aumentando nosso conhecimento sobre a mediunidade e seu desenvolvimento,
o plano espiritual, as conseqüências de nossos atos, ou
melhorando-nos moral e eticamente, pois a finalidade da vida revelada
pelos espíritos é o aperfeiçoamento da alma e
a eliminação de nossas deficiências, desenvolvendo
um espírito de caridade e amor por nossos semelhantes.
Notas:
[1] – “A Redução
Eidética (em grego, éidos significa essência
ou idéia, no sentido platônico) é o momento
em que a consciência deve tornar-se capaz de perceber que,
para além da coisa, com o seu conjunto de dados sensíveis
ou psíquicos, há um sentido nela latente. O sujeito
do conhecimento deve tornar-se capaz de perceber esse sentido
para além da coisa. É preciso perceber que as aparências
encobrem o sentido que deve ser desvelado. Nesse momento, a consciência
torna-se segura de que há um "interior", uma
essência, para além das aparências”.
Em: http://www.filosofiaclinica-ce.com..br/rotas/fernaocapelo.html#
(Rota 003 - Viagem pela Fenomenologia - Fenomenologia: Informações
Elementares, em 15/11/2003)
Fontes:
Chagas, Aécio Pereira (1987). As provas
científicas. Artigo publicado em Reformador, agosto de 1987,
pp. 232-33.
__________________ (1995). A Ciência confirma o Espiritismo? Artigo
publicado em Reformador, julho de 1995, pp. 208-11.
Chibeni, Silvio Seno (1988). A excelência metodológica
do Espiritismo. Artigo publicado em Reformador, novembro de 1988, pp.
328-33 e dezembro de 1988, pp.373-78.
_________________ (1991). Ciência espírita. Artigo publicado
na Revista Internacional de Espiritismo, março de 1991, pp. 45-52.
_________________ (1994). O paradigma espírita. Artigo publicado
em Reformador, junho de 1994.
_________________ (2003). O Espiritismo em seu tríplice aspecto:
científico, filosófico e religioso. Texto elaborado para
o XII Congresso Estadual de Espiritismo (USE) – Tema 4.10 Campinas,
17 a 20/04/2003.
Guiot, Alain e Gisèle (1999). A verdade revelada por Allan Kardec
– a atualidade do ensinamento kardecista. São Paulo: Madras.
Kardec, Allan (1857/2003). O livro dos espíritos. Araras, SP:
IDE.
__________ (1868/2002). A gênese. Araras, SP: IDE.
Fonte: http://www.terraespiritual.locaweb.com.br/espiritismo/esp01.html
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