"O
homem é para si mesmo um mistério vivo. De seu
ser não se conhece nem utiliza senão a superfície.
Há em sua personalidade profundezas ignoradas em que
dormitam forças, conhecimentos, recordações
acumuladas no curso das anteriores existências, um mundo
completo de idéias, de faculdades, de energias, que o
envoltório carnal oculta e apaga, mas que despertam e
entram em ação no sono normal e no sono magnético."
Léon Denis; No Invisível
- pg 131
O Espiritismo veio ensinar um número infinito
de lições, para o ser humano, a respeito de si mesmo.
Contudo, é preciso reconhecer que esta afirmação
pode causar estranheza naqueles que não têm conhecimento
mais aprofundado, acreditando que o Espiritismo não passa de
uma doutrina que apresenta conceitos de ordem moral, todavia, vai
muito mais além, pois traz as explicações para
a necessidade da aplicação destes conceitos.
Neste processo de autoconhecimento, verifica-se que
em vários momentos e atitudes a que erroneamente não
se credita muita importância, podem ser imprescindíveis
para a manutenção da harmonia interior. Um destes momentos
é quando o corpo adormece, mas, na sua condição
de espírito, o indivíduo se mantém ativo.
Sono, sonambulismo, êxtase e dupla vista
são fenômenos a que o espírito está sujeito
e, devido ao pouco conhecimento sobre estas questões, muitas
podem ser as conseqüências devido a uma avaliação
errônea, por parte de profissionais da área médica,
quando deparados com pacientes sujeitos a tais ocorrências.
Contudo, devido a semelhanças e peculiaridades de cada uma,
apresentam uma certa dificuldade para o seu entendimento.
Quais seriam as semelhanças e as diferenças
entre sono, sonambulismo e êxtase? E a dupla vista estaria relacionada
a esses assuntos? Para responder a estas perguntas é preciso,
primeiramente, esclarecer que todos estes fenômenos estão
baseados no mesmo princípio: a emancipação
da alma. Emancipação significa libertação
e que, para isso, é necessário uma predisposição
do organismo físico.
Para compreendermos esta questão, é preciso uma breve
introdução.
Sabemos que o ser humano é formado por 3 partes
principais: o espírito, o perispírito e o corpo físico.
Na erraticidade, isto é, na vida como espírito desencarnado,
o espírito mantém o seu perispírito, portanto,
o espírito sempre manterá o seu primeiro invólucro,
o perispírito. Contudo, a constituição do perispírito
não é a mesma para todos os espíritos; dependendo
do seu grau de adiantamento será mais ou menos sutil. É
fácil de compreender que a quantidade de matéria que
envolve o espírito proporcionará limitações
para sua vida, pois o mesmo ocorre conosco, não podemos comparar
a versatilidade que temos durante o inverno, quando normalmente vestimos
roupas pesadas, com o verão, quando usamos roupas mais leves.
É isto o que diz o O Livro dos Espíritos
na questão 186.
186. Haverá mundos onde o Espírito,
deixando de revestir corpos materiais, só tenha por envoltório
o perispírito?
"Há e mesmo esse envoltório se torna tão
etéreo que para vós é como se não existisse.
Esse o estado dos Espíritos puros."
No momento da fecundação do óvulo,
o espírito, juntamente com o perispírito se liga ao
ovo presidindo, então, a formação do corpo. Durante
este processo, como é apresentado no livro A Gênese,
o perispírito se liga ao corpo físico molécula
a molécula, pois se um está sendo moldado pelo outro,
é óbvio que deva existir uma superposição
exata, um casamento perfeitos de todas as partes. Contudo, não
devemos imaginar que o espírito esteja encarcerado no corpo;
a questão 141 d'O Livro dos Espíritos deixa bem claro:
141. Há alguma coisa de verdadeiro na opinião
dos que pretendem que a alma é exterior ao corpo e o circunvolve?
"A alma não se acha encerrada no corpo, qual pássaro
numa gaiola. Irradia e se manifesta exteriormente, como a luz através
de um globo de vidro, ou como o som em torno de um centro de sonoridade.
Neste sentido se pode dizer que ela é exterior, sem que por
isso constitua o envoltório do corpo. A alma tem dois invólucros.
Um, sutil e leve: é o primeiro, ao qual chamas perispírito,
outro, grosseiro, material e pesado, o corpo. A alma é o
centro de todos os envoltórios, como o gérmen em um
núcleo, já o temos dito."
No outro extremo, isto é, no momento da desencarnação,
quando ocorre a morte do corpo físico, ocasião em que
não apresenta mais condições de ser animado pelo
espírito, o processo se dá de modo inverso, ocorre o
desligamento do perispírito, e o espírito está
liberto da matéria densa, porém não completamente
liberto, pois ainda estará revestido do seu perispírito.
Em resumo, o grau de liberdade do espírito estará relacionado
com o seu grau evolutivo.
Sabemos que os espíritos manipulam os fluidos,
matéria sutil, através do pensamento. A matéria
no estado de fluido é facilmente moldável, capaz de
ser influenciada sob a mais leve pressão, sendo o perispírito
uma condensação destes fluidos em torno da inteligência
e que serve de ligação entre o espírito e a matéria
densa.
Sob este prisma pode-se conduzir o seguinte raciocínio:
temos, de um lado, algo tão imaterial como o espírito
e na outra extremidade algo tão material como a matéria
densa, então, para que possa haver uma comunicação
perfeita entre estes dois extremos, podemos compreender que a composição
do perispírito de um mesmo Espírito e, conseqüentemente,
a sua densidade deva, também, variar seguindo um sistema de
camadas, onde as camadas mais sutis do perispírito ficam mais
próximas do Espírito, se adensando gradativamente até
entrar em contato com o corpo físico. A camada mais exterior,
a mais densa, chamada de "duplo etérico", se dissipa
quando se dá a morte do corpo físico.
De volta ao assunto, todas as vezes que nos
preparamos para dormir, estamos, na verdade, nos preparando para um
desprendimento. Durante
o sono o espírito se liberta parcialmente do corpo físico,
mantendo-se ligado pelo cordão fluídico, que funciona
como um fio condutor, onde o espírito é capaz de receber
e transmitir informações do e para o corpo físico
que permanece dormindo. Desta forma, mesmo com o espírito estando
afastado do corpo, este não é um navio a deriva, o capitão,
que no caso é o espírito, mantém o controle sobre
a situação.
Isto pode até parecer muito
estranho, mas o espírito tem uma grande necessidade destes
momentos de libertação, não sendo nem mesmo necessário
que se esteja em sono profundo, como descrito na questão 407.
407. É necessário o sono completo
para a emancipação do Espírito?
"Não; basta que os sentidos entrem em torpor para que
o Espírito recobre a sua liberdade. Para se emancipar, ele
se aproveita de todos os instantes de trégua que o corpo
lhe concede. Desde que haja prostração das forças
vitais, o Espírito se desprende, tornando-se tanto mais livre,
quanto mais fraco for o corpo."
Neste estado, que é chamado de desdobramento,
o espírito poderá se deslocar livremente, o cordão
fluídico não exerce nenhum impedimento, haja vista que
é altamente elástico, podendo se estender a longas distâncias.
É preciso ter em mente que o espírito
desdobrado, podendo se deslocar livremente, irá para o local
que lhe interessar. Desta forma, alguém preocupado com seu
trabalho poderá, durante o sono, se ocupar de seu ofício
profissional; aqueles que gostam de festas e lugares barulhentos irão,
com toda certeza para boates, bares, etc.; aqueloutros que se dedicam
ao estudo, irão para locais onde estejam sendo realizadas reuniões
de estudo; ainda existem aqueles que, devido ao ócio, nem saem
do quarto, permanecendo ao lado do corpo em completa inércia.
Assim, além de refazer as forças do
corpo, o sono é também uma grande oportunidade do espírito
se encontrar com seus entes amados que já se encontram na outra
esfera de ação. É a forma de sempre nos mantermos
em contato com a verdadeira realidade, que é a vida espiritual.
Embora possa parecer estranho que se diga que quando
se dorme o espírito passeia e, quando acordado, não
se consegue lembrar do que aconteceu, na situação de
encarnado os sentidos são muito limitados, e esta limitação
é feita pelos órgãos físicos. O indivíduo
comum, aquele que não possui capacidade mediúnica exacerbada,
somente consegue manter a lembrança daquilo que lhe chega por
intermédio dos órgãos corporais. É o que
nos informa os espíritos na questão 403 de O Livro dos
Espíritos.
403. Por que não nos lembramos sempre dos
sonhos?
"Em o que chamas sono, só há o repouso do corpo,
visto que o Espírito está constantemente em atividade.
Recobra, durante o sono, um pouco da sua liberdade e se corresponde
com os que lhe são caros, quer neste mundo, quer em outros.
Mas, como é pesada e grosseira a matéria que compõe,
o corpo dificilmente conserva as impressões que o Espírito
recebeu, porque a este não chegaram por intermédio
dos órgãos corporais."
Desta forma é possível usufruir os benefícios
do esquecimento durante a vida terrena, pois as recordações
de existências passadas poderiam comprometer o bom andamento
das atribuições na presente encarnação.
Conseqüentemente, se fosse possível a lembrança
das vivências durante o período que se encontra desdobrado,
ocasiões em que pode haver uma correspondência com vidas
anteriores, o espírito poderia correlacionar as pessoas com
quem convive com aquelas com que já viveu, o que poderia trazer
graves malefícios.
Muitos acreditam que seria muito mais fácil
repararem erros cometidos anteriormente se não houvesse o esquecimento
completo do passado. Lendo os vários relatos que se encontram
na literatura espírita, e considerando que a grande maioria
ainda se encontra em níveis evolutivos muito parecidos, pode-se
concluir que as histórias de muitos destas personagens dos
livros representam o comum da humanidade. Seria muito desgastante
se fosse possível lembrar dos absurdos que foram cometidos
outrora.
Contudo, para aquele que realmente acredita na necessidade
de conhecer o passado, não é necessário muito
esforço, basta apenas analisar sua vida atual, suas dificuldades,
seja de relacionamento ou de aceitação própria,
assim como suas virtudes, para ter consciência dos tipos de
erros cometidos e das aquisições.
Assim, Leon Denis, no livro O Invisível,
pg. 156 e 157, dividiu os sonhos em três tipos principais:
- Sonho ordinário - puramente
cerebral, simples repercussão das disposições
físicas ou preocupações morais, além
do reflexo das impressões arquivadas no cérebro durante
a vigília.
- Primeiro grau de desprendimento
- mergulha no oceano de pensamentos e imagens, que de todo lado
rolam no espaço, deles se impregna, e aí colhe impressões
confusas, tem estranhas visões e inexplicáveis sonhos,
podendo mesclar com reminiscências de vidas anteriores.
- Sonhos etéreos - o espírito
se subtrai à vida física, desprende-se da matéria,
percorre a superfície da Terra e a imensidade, onde procura
os seres amados e guias espirituais.
Em resumo, há três tipos do que é
considerado sonho, sendo que um deles, o último, corresponde
a lembranças das vivências do espírito enquanto
desdobrado.
Considerando, agora, que o espírito desdobrado
esteja em condições de usufruir uma maior liberdade
de ação, que seria o sonambulismo.
Estando mais liberto, o espírito terá percepções
muito mais apuradas que no sonho.
Neste estado, o espírito poderá inclusive
usar o seu próprio corpo para efetuar qualquer ação,
neste caso é que se dá o fenômeno de sonambulismo
comumente conhecido, quando a ação do espírito
sobre o corpo não é o mesmo de quando está em
vigília. O processo é semelhante ao que ocorre quando
um espírito atua sobre uma mesa, por exemplo, com a única
diferença de que, para atuar sobre a mesa, o espírito
necessita de um médium de efeitos físicos para doar
fluido vital, enquanto que no sonambulismo não há esta
necessidade, pois o próprio corpo já está saturado
deste fluido.
Liberto de suas vestes corporais, o espírito
poderá perambular livremente, com isso, poderá visitar
locais e descrevê-los.
A capacidade do espírito é realmente
impressionante e o estudo destas faculdades fascina, contudo, pode-se
questionar o porquê não é possível usufruir
destas faculdades de forma mais intensa, isto é, mantendo a
consciência de tudo.
Infelizmente, a humanidade ainda não tem condições
morais suficientemente desenvolvidas para usar estas faculdades. O
homem ainda utiliza seu conhecimento para benefício próprio
e, muitas vezes, por meios ilícitos. Já foi divulgado
que, durante a Segunda Guerra, foram realizados experimentos com sonâmbulos
para visitarem, em espírito, as defesas do inimigo e descrevê-las.
Isto seria a utilização de uma faculdade espiritual
para fazer espionagem.
Poder-se-ia imaginar que, caso este processo fosse
difundido e, obviamente, com total controle da situação,
com certeza não tardariam as firmas de segurança especializadas
em "guardas espirituais".
As seguintes questões de O Livro dos Espíritos
esclarecem em maior profundidade:
432. Como se explica a visão a distância
em certos sonâmbulos?
"Durante o sono, a alma não se transporta? O mesmo se
dá no sonambulismo."
433. O desenvolvimento maior ou menor da clarividência
sonambúlica depende da organização física,
ou só da natureza do Espírito encarnado?
"De uma e outra. Há disposições físicas
que permitem ao Espírito desprender-se mais ou menos facilmente
da matéria."
434. As faculdades de que goza o sonâmbulo
são as que tem o Espírito depois da morte?
"Somente até certo ponto, pois cumpre se atenda à
influência da matéria a que ainda se acha ligado."
Analisando o sono e o sonambulismo, é possível
reconhecer que existem algumas gradações com que o espírito
poderá se libertar do corpo físico.
Agora, diante desta teoria, se torna mais fácil
a compreensão do êxtase, que nada mais é do que
um estado ainda mais liberto do que no sonambulismo. Estando mais
liberto, o espírito poderá ir a lugares mais longínquos,
usufruirá maiores possibilidades de ação.
Durante o sono e o sonambulismo, o espírito
transita pela Terra, podendo vivenciar experiências tanto do
mundo material quanto do mundo espiritual, porém o extático
é capaz de visitar mundos mais etéreos, superiores ao
que vivemos, e vislumbrar as suas maravilhas e a felicidade. Nesta
condição, como diz Kardec, em O Livro dos Espíritos,
pg 243:
No estado de êxtase, o aniquilamento
do corpo é quase completo. Fica-lhe somente, pode-se dizer,
a vida orgânica. Sente-se que a alma se lhe acha presa unicamente
por um fio, que mais um pequenino esforço quebraria sem remissão.
Nesse estado, desaparecem todos os pensamentos terrestres,
cedendo lugar ao sentimento apurado, que constitui a essência
mesma do nosso ser imaterial. Inteiramente entregue a tão sublime
contemplação, o extático encara a vida apenas
como paragem momentânea. Considera os bens e os males, as alegrias
grosseiras e as misérias deste mundo quais incidentes fúteis
de uma viagem, cujo termo tem a dita de avistar.
É fácil de compreender que esta faculdade
é um pouco "perigosa", pois existe a possibilidade
do espírito, diante do reconhecimento da existência de
mundos onde que impera a felicidade, não querer mais retornar
ao mundo de sofrimento em que se encontra, nesta situação
ocorreria o desencarne do espírito. Todavia, o estudo é
de fundamental importância para se ter o conhecimento de que,
terminando com a vida corpórea nesta condição,
seria um caso de suicídio, com isso, não estaria ajudando
em nada para viver naquele mundo, mas, na verdade, estaria se distanciando
muito mais daquele mesmo mundo que gostaria de viver.
Finalmente, a dupla vista.
Sendo também um estado de desprendimento,
ocorre em estado de vigília, o espírito liberto momentaneamente,
é capaz de entrar em contato com o mundo espiritual, podendo
usufruir algumas de suas propriedades de espírito liberto.
Nesta condição, é capaz de ver, sentir e ouvir
além das limitações impostas pelo organismo físico.
Sabemos que os sentidos pertencem ao espírito e não
ao corpo físico, o corpo apenas exerce limitações
ao mundo material em que se vive. Liberto, mesmo que momentaneamente,
o espírito é capaz de ver além e através
dos obstáculos físicos.