"E haverá no
mundo uma religião única, bela e digna de Deus,
dirigida pela ‘A Verdade’. Os seus fundamentos já
foram lavrados".
Comunicação recebida pela mediunidade da menina
Ruth, uma das quatro sensitivas adolescentes que serviram de instrumentos
para o recebimento de O Livro dos Espíritos, cujas informações,
transmitidas pelos Espíritos Superiores, foram compiladas
por Allan Kardec.
Muitos mestres, muitas verdades e muitos
discípulos confusos
Ao longo da história, tomamos conhecimento
de inúmeros missionários, disseminadores de revelações
espirituais específicas, fundadores de novas escolas espiritualistas
das mais diferentes interpretações. Nos dias de hoje
enxameiam sacerdotes, pastores, médiuns, gurus, mestres, magos,
sensitivos, hierofantes, mediadores entre homens e forças superiores.
Todos são portadores de novas revelações. Alguns
são bem intencionados e sinceros, outros excêntricos
e egocêntricos. Mas, a maioria destes novos missionários,
atribuem para si mesmos a posse do verdadeiro conhecimento, ou, no
mínimo, auto proclamam-se os verdadeiros propagadores da verdade.
Assim, podemos constatar: há muitos "mestres", muitas
"verdades", mas também, muitos discípulos
confusos.
A desmistificação do conhecimento secreto
Allan Kardec, embora tido pelos espíritas como
um missionário, jamais se proclamou como tal. Sua doutrina
não é produto de uma tese pessoal, de cunho personalista,
elaborada por revelação em algum "lugar santo",
isolado, após alguma superexperiência mística
e solitária, totalmente subjetiva.
Sua mensagem não tem caráter dúbio, secreto,
iniciático, simbólico, ainda que em sua essência
estejam elementos do conhecimento perdido das antigas escolas de mistério,
outrora revelado por luminares guardiões desse conhecimento
espiritual, cuja disseminação perpetuava-se de boca
a ouvido, à meia luz dos grandes templos de mistérios
de todas as grandes civilizações do passado.
Seu corpo doutrinário é exposto de forma exotérica
(exposto ao público e não esotérica = fechada
dentro de um grupo) e didática, desmistificando a aura de mistério,
de sobrenatural e maravilhoso que tanto impressiona os incautos, mas
que também fascina os orgulhosos e manipuladores do bom-senso.
Três tipos de pessoas que hostilizam Allan Kardec e sua mensagem
Este insigne missionário ainda é praticamente
desconhecido em nossos dias, assim como sua mensagem, que se constitui
uma exaltação à lógica e à moral
para o homem contemporâneo, mais emancipado de atavismos.
Allan Kardec é hostilizado por três classes de pessoas:
a - Pessoas de mentalidade materialista, espiritualmente incultas,
incapacitadas para compreender algo que transcenda o limitado alcance
dos cinco sentidos.
b - Pessoas bem intencionadas, porém, presas
a dogmas de fé, ainda inaptas a apreender a essência
abrangente de sua mensagem. São sinceros em suas convicções,
embora estas sejam frágeis, embasadas na fé cega e no
comportamento imediatista, hiperatrofiado pelo excessivo enfoque ao
culto exterior.
c - Pessoas que reconhecem, mas temem o alcance e
a profundidade de sua revelação, em função
de interesses escusos e mundanos. Às vezes também, por
estarem atados, consciente ou inconscientemente, a convicções
próprias e, assim, preferem combatê-lo e repudiá-lo.
Normalmente, são de mentalidade preconceituosa e fundamentalista,
vivendo acomodados aos mais aprisionadores atavismos.
A mensagem que satisfaz mente e coração
Allan Kardec traz uma mensagem libertadora. Uma revelação
interessantíssima, com impacto direto sobre o coração,
pelas vias do raciocínio, a todo ser humano não preconceituoso,
com ouvidos para ouvi-la e disposição para estudá-la,
discerni-la, senti-la, praticá-la, para só assim, então,
começar a compreendê-la.
Este incomparável missionário da religião interior,
cujo exemplo, senso moral e aspiração elevada dão
testemunho da grandeza intocável de seu espírito superior,
pode ser conhecido em plenitude através do legado incomparável
de sua obra que, na verdade, nada mais é senão a compilação
de um sopro provindo de horizontes mais longínquos, tingidos
pelas cores de um novo e desconhecido alvorecer — faixas vibracionais
onde atua a existência supradimensinal do homem.
O menino de olhos claros, de personalidade
enérgica e perseverante
Aquele que hoje conhecemos pelo nome de Allan Kardec chamava-se
Hippolyte Léon Denizard Rivail. Nascido em Lyon, França,
às 19h do dia 3 de outubro de 1804, era filho de antiga família
lionesa, católica, nobre e de tradição. Foram
seus pais Jean-Baptiste Antoine Rivail, respeitável advogado
e juiz do tribunal de Lyon, e Jeanne Louise Duhamel.
Hippolyte desde cedo mostrou inclinação para os estudos
filosóficos e científicos.
Privilegiado pela atmosfera de um lar harmonioso, teve seu desenvolvimento
espiritual e cultivo de sua notável inteligência favorecidos
pela sabedoria e bondade de seus pais.
Era um menino simpático e robusto, de testa ampla, olhos cinzentos,
bem claros, quase azuis e de grande vivacidade. Tranqüilo e moderado,
seu temperamento equilibrado denotava personalidade enérgica
e perseverante.
Época de guerras e descrença
O pequeno Rivail nasceu em uma época de graves
agitações políticas, conflitos sociais e religiosos,
não apenas na França, mas em todo o mundo. Era a época
de Napoleão I. Os franceses sofriam o peso de intermináveis
chacinas e toda a Europa se transformara em sangrento campo de batalha.
O materialismo, a descrença, a intolerância religiosa
predominavam. Os membros proeminentes do clero, com raras exceções,
compartilhavam avidamente da roda dos interesses mundanos, tragicamente
esquecidos do exemplo do Sublime Nazareno, de quem se auto-intitulavam
legítimos representantes na Terra.
Em razão dos abusos desses sacerdotes, que jamais esconderam
sua predileção por César, além de suas
superficiais interpretações teológicas que unicamente
fomentavam o culto exterior, os homens do povo se revoltavam e os
mais cultos passavam a duvidar das realidades espirituais.
O alvorecer da religião interior
Surgiam, então, novos filósofos, escritores,
cientistas e artistas que negavam a existência de Deus e a imortalidade
da alma.
O materialismo erguia o seu cetro sobre o império do ceticismo
e da indigência existencial.
Todas as exterioridades da Igreja, as semeaduras de descrença
da filosofia, da ciência e da arte, geravam enorme inquietação
espiritual nas almas, fomentavam um amargo vazio interior.
Mas justamente quando o Positivismo de Auguste Comte preconizava o
absurdo da negação e o Catolicismo extravagantemente
proclamava, com Pio IX, a infalibilidade papal (o papa não
erra), o céu deixava cair a revelação abençoada
dos túmulos, que começaria a germinar, gradativamente,
nos canteiros da razão e do sentimento do homem contemporâneo,
promovendo a essencial revolução íntima e silenciosa,
que culmina no alvorecer da religião interior.
Lyon, a "cidade dos mártires"
O menino Hippolyte tinha o hábito de meditar
sobre as águas contrastantes de dois rios de sua cidade natal:
o Sona, sereno e inspirador, quase imóvel, e o Ródano,
impetuoso e lendário. Virgílio, o famoso poeta romano,
cantou o Sona em seus versos. Já o Ródano, fora o rio
dos navegadores gauleses, dos fenícios, dos gregos e dos romanos.
Sobre suas águas Potino trouxera para Lyon o Evangelho de Jesus
Cristo.
Rivail amava sua querida Lyon. Sentia prazer em visitar as velhas
ruínas e os lugares tradicionais da cidade que fora, outrora,
a capital da Gália Romana.
Absorto em meditações, o pequeno missionário
visitava os teatros romanos em ruínas, as antigas construções
cristãs, os bairros operários e os museus. Aprendera
que Lyon fora a "cidade dos mártires" e que, nos
primórdios do Cristianismo, abrigara o sangue de inúmeros
mártires, sacrificados pela intolerância dos romanos,
tais como Potino, quase centenário, arrastado e espancado por
cruéis verdugos... a jovem escrava Blandina, submetida a torturas
e à morte no anfiteatro... o menino Pôntico, de apenas
quinze anos... Átalo, Alexandre e muitos outros...
Assim, seus olhos mergulhavam num tempo perdido e insondável,
naquela presente e, ao mesmo tempo, distante terra dos gauleses, tida
pelos antigos autores, Lucano, Horácio e Florus como "depositária
dos mistérios do nascimento e da morte..."
O professor que era chamado de "pai"
Aos 12 anos, Rivail concluiria seus estudos em sua
amada Lyon. Seus pais, desejosos em lhe oferecer boa educação,
vivendo o clima das lutas religiosas reinantes na França de
então, entenderam por bem confiar o único filho ao famoso
educador Johann Heinrich Pestalozzi, o mais sábio, respeitado
e célebre professor daquele tempo, precursor da moderna educação,
da chamada "escola ativa" e fundador da primeira escola
profissional do mundo, na Suíça.
Doutor em direito e professor de história na Universidade de
Zurique, Pestalozzi consagrou sua inteligência, seu tempo, seu
coração e sua vida à causa dos órfãos
e da infância desamparada, vitimada pelas guerras. Foi inspirador
dos famosos "jardins de infância" de Froebel e disseminador
de abrigos educativos em várias cidades de sua pátria.
Seus evoluídos conceitos sobre educação espalharam-se
pela Europa e pela América, reformando o antigo sistema das
escolas.
Benfeitor da humanidade, manuseava a bíblia todos os dias.
Educador de órfãos e de príncipes, era justo
e bom, sustentador de idéias liberais.
Desfrutaria o menino Rivail a companhia desse mestre em excelência,
verdadeiro formador de caráter. Tão amado era que seus
alunos o chamavam de "pai" Pestalozzi.
No castelo às margens de um antigo lago gaulês
O famoso Instituto Pestalozzi ocupava um antigo castelo
em Yverdon — a mesma cidade gaulesa antiqüíssima
de Elbrodunum. O edifício, ladeado por quatro grandes torres,
erguia-se às margens do Lago de Neuchatel.
Foi na atmosfera inspiradora e pacífica deste velho castelo
que Rivail conviveu com seu educador durante oito anos, preparando-se
para o magistério. Dele absorveu a bondade e a sabedoria proveniente
de seu espírito superior, cujo coração grandioso
abrigava com carinho e afeto as crianças ricas, mas também
as pobres, fazendo de seu famoso instituto um oásis de harmonia
e estudo num mundo, lá fora, de guerras e ignorância.
O discípulo substitui o mestre
Após dois anos de sua chegada à Suíça,
com 14 anos, o adolescente Rivail já lecionava para alguns
de seus colegas, em classes a ele confiadas por Pestalozzi.
Dedicado ao estudo das diversas disciplinas do curso normal do Instituto,
estudou ainda teologia, filosofia e diversas línguas. Adquiriu
consistentes conhecimentos em medicina, apresentando brilhante tese
por ocasião de sua formatura.
Ainda em Yverdon, aos 19 anos, interessou-se pelos estudos do magnetismo,
na época, catalisador do interesse dos sábios e médicos
da França e outros países europeus.
Já moço, Rivail recebeu toda a confiança de seu
mestre, tornando-se o discípulo predileto. Todas as vezes que
Pestalozzi se ausentava do Instituto, o jovem lionês assumia
sua direção, coordenando e lecionando os mais variados
cursos.
Mentalidade tolerante e liberal
Nessa atmosfera pacífica e de fertilidade cultural-espiritual,
o jovem, católico até então, conheceu dissabores
e desgostos por parte de alguns protestantes de Yverdon. Mas ele nunca
se abateu. Ao contrário, fortaleceu e aprimorou seu sentimento
de tolerância e respeito às crenças alheias. Talvez,
até, sob as sombras do castelo do Instituto, tenha cogitado
uma reforma espiritual que fizesse desaparecer ódios religiosos
e reunificasse o Cristianismo, de acordo com o Espírito de
Amor de Jesus.
Em 1824, Pestalozzi, já velho e esgotado, providenciava o fechamento
do famoso instituto, em decorrência dos incontáveis sofrimentos
morais por que passava. Rivail, completara vinte anos. Mestre e discípulo
se abraçam e se despedem. O jovem professor parte para Paris,
França, levando na intimidade de sua alma, as lições
inesquecíveis do grande educador, cuja influência moral
jamais deixaria de inspirá-lo, durante todos os grandes momentos
de sua vida missionária.
O jovem professor Rivail, seu Instituto e suas obras
Com larga experiência de magistério,
pois iniciara aos 14 anos, na Suíça, o jovem professor
Rivail, como passa a ser conhecido, inicia sua carreira, bacharelado
em ciências e letras.
Em 1824, publica, na capital francesa, suas primeiras obras: "Aritmética
do 1.º Grau" e um "Curso Teórico e Prático
de Aritmética", segundo o método de Pestalozzi
(em dois volumes).
Um ano depois, com vinte e um anos, publica nova obra: "Escola
de Primeiro Grau" e funda um colégio nos moldes do Instituto
de Yverdon, denominado "Instituto Educacional Técnico".
Disposto ao trabalho, mas não dispondo de recursos financeiros,
torna-se então sócio de um tio, irmão de sua
mãe, que lhe provê o capital necessário para as
instalações da escola.
Publica vários outros livros com ampla aceitação
em todo o país: obras sobre matemática, sobre a língua
francesa, sobre física, fisiologia e astronomia. Muitas de
suas obras foram adotadas pela Universidade da França, o que
atesta o alto valor dos livros do jovem professor.
Notoriedade e vigor cultural
Rivail continua seus estudos lingüísticos
na França. Além de sua língua pátria,
conhecia profundamente o inglês, o alemão e o holandês.
Falava, também, o italiano e o espanhol e possuía sólidos
conhecimentos do latim, do grego e do gaulês.
Essa grande capacitação do jovem professor deu-lhe notoriedade
ao mundo da cultura francesa, principalmente, com a publicação
de uma obra importantíssima, editada em 1831, aos 27 anos:
"Gramática Francesa Clássica". Ainda no mesmo
ano, o já famoso professor apresenta à Academia Real
de Arrás um importante trabalho: "Qual o Sistema de Estudos
mais em Harmonia com as Necessidades da Época?". Nesta
obra, ele abrange o tema da reforma dos estudos clássicos.
Essa tese alcançou o primeiro prêmio da Academia, que
lhe conferiu medalha de ouro e reconhecimento no meio cultural.
Tornou-se conhecido na Alemanha por traduzir para o alemão
várias obras de educação e de moral, principalmente
de Fénelon que, posteriormente, se apresentaria, em espírito,
a Allan Kardec como um dos integrantes da equipe de espíritos
encarregados em transmitir a Terceira Revelação.
Amélie Boudet, companheira inseparável de todos os momentos
Hippolyte Rivail prossegue pela vida revelando-se um trabalhador
de fôlego, sempre acordando muito cedo, lecionando, escrevendo,
traduzindo. Depois de algum tempo, com os frutos de seu trabalho honesto,
conquista uma relativa estabilidade econômica
Aos 27 anos, casa-se com distinta professora, a senhorita Amelie Boudet,
uma jovem culta, poetisa e pintora que conhecera no "Instituto
Educacional Técnico". Lecionava letras e belas-artes.
Foram muito felizes, verdadeiramente unidos na alegria e na dor dos
grandes testemunhos. O amor de ambos transcendeu os estreitos limites
de um casamento comum, estendendo-se à humanidade, no esforço
pela divulgação de uma imprescindível revelação
do Alto concedida à Terra.
"Trabalho, Solidariedade e Tolerância"
Rivail notabilizou-se através de inúmeras
sociedades culturais da França. Torna-se sócio honorário
da "Sociedade de Estudos Gramáticos de Paris"; sócio
catedrático do "Instituto Histórico da França",
membro da "Sociedade de Ciências Naturais da França"
e de muitas outras intituições parisienses e outras
cidades.
Em razão da inconseqüência de seu tio e sócio,
jogador inveterado, Rivail atravessa seríssimas dificuldades
em 1835, sendo forçado a fechar seu Instituto para não
acarretar prejuízos a terceiros.
Liquidado o Instituto, recebe determinada quantia a ele correspondente,
confiando-a a um amigo comerciante. Dias depois, esse comerciante
abre falência, nada deixando aos credores.
Esses dois reveses não abatem o ânimo do casal. Rivail
e Gaby, como era conhecida Amélie na intimidade, dispõem-se
a todos os sacrifícios. Sob o lema de Rosseau "Trabalho,
Solidariedade e Tolerância", recebido de Pestalozzi, na
Suíça, ambos trabalham, irmanam-se no espírito
de solidariedade conjugal, perdoando sempre e tolerando com resignação
as duras provas da vida.
Lecionando gratuitamente a jovens franceses desfavorecidos
Uma das inquestionáveis provas da elevada condição
moral de Rivail está no fato de receber alunos pobres em sua
própria casa, justamente na fase financeira mais difícil
de sua vida. Leciona-lhes, gratuitamente, durante cinco anos, cursos
de química, física, astronomia e anatomia comparada.
Esses cursos beneficiam inúmeros jovens e adolescentes franceses,
encerrando exemplo vivo de amor e caridade, recebido de seu mestre
Pestalozzi, remanescente em seu coração generoso. O
dedicado professor não é indiferente às grandes
dificuldades desses muitos estudantes desfavorecidos.
Nessa sua difícil fase, durante o dia encarrega-se da contabilidade
de três estabelecimentos comerciais. À noite, continua
trabalhando, escrevendo novas obras didáticas, traduzindo livros
ingleses e alemães para editoras francesas e dando aulas particulares
nos cursos de Levy-Alvarés. Leciona, ainda, diversas disciplinas
no "Liceu Polimático", onde assume o cargo de diretor.
O fenômeno das "mesas girantes"
Em 1854 Rivail, com 50 anos, é um mestre respeitado,
escritor reconhecido com obras didáticas adotadas pela Universidade
da França. Equilibrado, sua mente está amadurecida e
o coração sereno e compassivo, pronto para dar início
ao cumprimento da missão que haveria de desempenhar.
A França, assim toda a Europa estava com a atenção
voltada para os fenômenos das chamadas "mesas girantes".
Pessoas de todos os níveis culturais e sociais, indiferentemente
de suas convicções religiosas, estavam às voltas
com sessões em que se realizavam fenômenos de efeitos
físicos.
Nessas sessões, as mesas eram movimentadas por entidades espirituais,
respondendo, por códigos, às perguntas feitas pelos
participantes.
Muitas pessoas sérias, orientadas por espíritos bondosos
e sábios, obtinham comunicações elevadas e interessantes.
Mas em geral, esses fenômenos se davam para o divertimento dos
salões parisienses, alheios para compreender a extensão
do novo fenômeno.
Do ceticismo à investigação criteriosa
Foi o magnetizador Fortier quem falou ao professor
Rivail sobre esses espantosos fatos mediúnicos. Outro amigo,
companheiro de juventude, um corso de nome Carloti, também
chamou-lhe a atenção sobre tais acontecimentos inexplicáveis.
Em razão de sua mentalidade crítica e científica,
o respeitado professor manteve-se reservado e distante. Até
que um dia, no lar dos amigos sr. Pârtier e senhora Plainemaison,
pela primeira vez, assiste a diversos fenômenos mediúnicos,
onde as mesas saltavam e corriam, sozinhas.
O que o professor via em casa de seus amigos, repetia-se por todas
as partes do mundo. Mas os assistentes, com raras exceções,
pareciam não compreender o alcance de tudo aquilo, fazendo
dessas reuniões um passatempo ocioso e fútil.
Mais tarde, diria Allan Kardec: "Entrevi naquelas aparentes futilidades,
no passatempo que faziam daqueles fenômenos, qualquer coisa
de sério, como que a revelação de uma nova lei,
que tomei a mim mesmo investigar a fundo".
Assim, Rivail mudaria o rumo dos experimentos, dirigindo perguntas
filosóficas, recolhendo informações, comparando-as,
categorizando-as. Em sessões especiais, utilizaria a mediunidade
de duas meninas, filhas de seu amigo Boudin, Caroline e Julie, quando
recebe a maior parte dos ensinamentos contidos em O Livro dos Espíritos.
O antigo druida reaparece
Através de um espírito guia da família
Boudin, Rivail tomou conhecimento de que se chamara Allan Kardec,
numa existência anterior, ao tempo de Júlio César,
na Gália, na verdade, antigo nome do território francês.
De acordo ainda com esse espírito amigo, que se apresentava
com o nome de Zéfiro, declarou ainda ser o professor Rivail
um antigo sacerdote gaulês — um druida. O próprio
Zéfiro teria sido seu discípulo e companheiro de tarefas
religiosas entre os gauleses. Allan Kardec era, na hierarquia sacerdotal
da época, seu superior.
Zéfiro ainda fez outra revelação: Rivail estaria
novamente nas lutas terrenas para cumprir importante missão
espiritual. Mais tarde, outros benfeitores espirituais confirmariam
essa revelação. Todos lhe prometiam auxílio,
encorajavam-no e aconselhavam-no a ter perseverança e discrição,
Os druidas foram detentores de grandes conhecimentos secretos, tradicionalmente
transmitidos de boca a ouvido. Entre esses conhecimentos estavam a
reencarnação, a concepção dos diferentes
domínios espirituais, as diferentes categorias de espíritos,
a evolução contínua do espírito, a lei
de causa e efeito, entre outros.
Por ocasião do lançamento de O Livro dos Espíritos,
em 1857, o professor Rivail resolveu apresentá-lo a público
com o seu antigo nome gaulês — Allan Kardec.
Assim, reaparece o antigo druida, adequando conhecimentos já
vivenciados e melhor apreendidos, apto a novamente transmiti-los,
tornando-se verdadeiro porta-voz de uma legião de outros tantos
seres espirituais, mais emancipados da ignorância espiritual
que, por enquanto, ainda ensombrece a Terra.
A Doutrina Espírita revelada pela mediunidade de quatro meninas
É interessante observar que a excelência
doutrinária inegável do Espiritismo, codificado por
Allan Kardec deve-se, em sua quase totalidade, à mediunidade
de quatro meninas. Através da inocência e da potencialidade
mediúnica dessas quatro inocentes crianças, foram trazidas
à Terra explicações notáveis, questões
complexíssimas das mais variadas áreas da filosofia,
ciência e religião, mantendo-se irrefutáveis até
os dias de hoje —sobretudo o aspecto moral. Os opositores gratuitos
do Espiritismo jamais tocam neste assunto, pois trata-se de um fato
difícil para se depreciar e muito menos para se refutar.
As meninas foram: Caroline e Julie Boudin (16 e 14 anos, respectivamente),
Ruth Japhet e Aline Carlotti— verdadeiros anjos reveladores
da nova mensagem do Céu para os dias futuros. As reuniões,
a princípio, realizavam-se na intimidade da casa da família
Boudin e as respostas dos espíritos eram transmitidas por meio
da cesta de bico, a que se adaptava um lápis. As meninas punham
as mãos sobre a cesta que se movia, escrevendo mensagens, com
absoluta impossibilidade sincrônica de ação dos
médiuns na escrita. Esses escritos, que deram origem a O Livro
dos Espíritos, seriam, posteriormente, comparados aos de outros
médiuns, todos rigorosamente escolhidos pelo codificador.
O antigo druida ressurgido teria ainda recebido comunicações
da parte dos bons espíritos, através de outra menina
médium: Ermance Dufaux. Essas mensagens tiveram por objetivo
encorajá-lo na realização de uma nova empreitada:
A "Revista Espírita". Ermance, aos 14 anos, psicografara
um admirável livro histórico "A Vida de Joana d’Arc,
Ditada por Ela Mesma", além de outras obras.
O Livro dos Espíritos: Código para uma nova fase da
evolução humana
O Livro dos Espíritos causou grande repercussão
na França. Homens de ciências e artes como o astrônomo
Camille Flammarion, o grande poeta Victor Hugo, os escritores Balzac
e Teophile Gautier, o pensador Léon Denis, além de inúmeros
outros filósofos e literatos sentiram-se atraídos pela
luz da nova revelação.
O próprio imperador da França, Napoleão III,
sobrinho de Napoleão Bonaparte, solicita a presença
de Kardec no Palácio das Tulherias e mantém longas conversações
com o codificador sobre O Livro dos Espíritos.
Esta obra é o marco inicial, a pedra fundamental do Espiritismo.
Mais do que isso, é também o código de uma nova
fase da evolução humana.
Sobre O Livro dos Espíritos, explica J. Herculano Pires: "O
livro começa pela metafísica, passando em seguida à
cosmologia, à psicologia, aos problemas propriamente espíritas
da origem e natureza do espírito e suas ligações
com o corpo, bem como aos da vida após a morte,. para chegar,
com as leis morais, à sociologia e à ética e
concluir, no Livro IV, com as considerações de ordem
teológica sobre as penas e gozos futuros e a intervenção
de Deus na vida humana."
A Revista Espírita e a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas
No dia 1.º de janeiro de 1858 surge a Revista
Espírita, dirigida pessoalmente por Allan Kardec, até
sua desencarnação, em 1869.
Três meses depois, é fundada a Sociedade Parisiense de
Estudos Espíritas, tendo como seu presidente espiritual o espírito
de São Luis, ou Luis IX, rei da França.
Ainda neste mesmo ano, Kardec publica um pequeno livro de esclarecimentos
doutrinários denominado Instruções Práticas
sobre as Manifestações Espíritas.
No ano seguinte, em 1859, mais uma obra do codificador é trazida
à lume: O que é o Espiritismo, uma introdução
aos estudos da doutrina.
Viagens espíritas e a publicação de O Livro dos
Médiuns
Em 1860, o antigo druida ressurgido visita diversas
cidades da França. O objetivo é esclarecer, confortar
e incentivar os primeiros núcleos espíritas recém-formados.
Na noite de 19 de setembro, Kardec é recebido no Centro Espírita
de Broteaux, único existente em Lyon, uma das cidades visitadas.
À porta esperam-no Dijou, operário, chefe de oficinas,
e sua esposa. É o primeiro encontro de dirigentes espíritas
da História. A mão do grande pensador aperta vigorosamente
os dedos calosos e ásperos do companheiro, a quem chama "irmão".
Nos primeiros dias do ano seguinte, em 1861, o infatigável
missionário publica outra obra: O Livro dos Médiuns.
Considera-o como sendo "a continuação de O Livro
dos Espíritos", pois também neste, os ensinamentos
pertencem aos espíritos.
Mesmo escrito há mais de 100 anos esta obra continua atualíssima
e nenhuma outra, sobre a fenomenologia mediúnica, conseguiu
superá-la.
Explica o codificador, na introdução: "A prática
espírita é difícil, apresenta dificuldades que
somente um estudo sério e completo pode prevenir".
Ainda em setembro deste mesmo ano, Kardec viaja novamente a Sens,
Macon e Lyon, constatando o desenvolvimento da doutrina, não
apenas entre os instruídos e cultos, mas, também, entre
os humildes e os simples de coração. Em outubro visita
Bordéus.
A reação do clero ante o Espiritismo
O ano de 1861 ainda traz um fato desagradável
na história da doutrina. Allan Kardec envia obras espíritas
à Espanha, a pedido do amigo Lachatre, livreiro de Barcelona.
A finalidade era difundir as novas idéias naquele país.
Mesmo estando pagas as taxas da alfândega espanhola, o bispo
de Barcelona apreende ilicitamente trezentos volumes e os faz queimar
em praça pública, como nos antigos tempos da Inquisição.
Essa atitude do clero gerou grande revolta e muitos assistentes gritaram:
"Abaixo a Inquisição!".
Contudo, essa atitude intransigente contribuiu enormemente para a
propaganda da doutrina.
A perseguição prosseguiu, dissimulada, mas acirradamente,
por muito tempo. O clero nunca escondeu seu desagrado com relação
à mensagem espírita.
Atualmente, a Igreja Católica, através dos esforços
ecumênicos do Papa João Paulo II e também em função
de comissões enviadas pelo Vaticano, para observação
de fenômenos paranormais e de Transcomunicação
Instrumental, reconhece, em seu Novo Catecismo, a possibilidade de
comunicação com as almas dos "mortos" e até
permite, em alguns casos e com reservas, essas comunicações.
"O Espiritismo em sua Expressão Mais Simples"
A 15 de janeiro de 1862 aparece um pequeno livro intitulado
O Espiritismo em Sua Expressão Mais Simples, também
de autoria do antigo druida. Trata-se de uma síntese da Doutrina,
escrita com simplicidade, "ao alcance de qualquer inteligência",
esclarece o missionário.
Este livro alcança uma repercussão intensa, cumprindo
anterior previsão de um de seus guias espirituais, que afirmara:
"Este pequeno livro produzirá um efeito que não
esperas... Será difundido com grande amplitude e penetrará
toda parte".
De fato, a Doutrina se espalha pela Europa, pela América, pelo
norte da África, pelos países da Ásia. As obras
de Allan Kardec são traduzidas para vários idiomas.
Em pouco tempo, apenas O Espiritismo em Sua Expressão Mais
Simples ganha versão para nove idiomas: alemão, inglês,
português, polonês, grego moderno, italiano, espanhol,
russo e croata...
"Viagem Espírita de 1862"
Os espíritas de Lyon e de Bordéus, nesse mesmo
ano de 1862, recebem mais uma vez a presença do codificador.
Durante os meses de setembro e outubro, sob rigoroso inverno, o missionário
realiza longa excursão de divulgação dos princípios
da Doutrina. Visita vinte cidades da França, discursando cinqüenta
vezes, unificando o pensamento e a conduta dos espíritas.
Essa viagem originou duas publicações: Viagem Espírita
de 1862, e Refutações às Críticas contra
o Espiritismo.
Em um de seus discursos, nessa sua peregrinação espírita,
o antigo druida afirma: "Homens da mais alta posição
honram-me com sua visita, porém nunca, por causa deles, um
proletário ficou na antecâmara. Muitas vezes, em meu
salão, o príncipe se assenta ao lado do operário.
Se se sentir humilhado, dir-lhe-ei simplesmente que não é
digno de ser espírita. Mas, sinto-me feliz em dizer, eu os
vi, muitas vezes, apertarem-se as mãos, fraternalmente, e então,
um pensamento me ocorria: ‘Espiritismo, eis um dos teus milagres;
este é o prenúncio de muitos outros prodígios!’"
"O Evangelho Segundo o Espiritismo"
Tratado moral dos ensinamentos de Jesus
Kardec publica, em 1864, uma pequena brochura: Resumo
da Lei dos Fenômenos Espíritas e também a obra
que se consiste em verdadeiro tratado moral dos ensinamentos de Jesus:
O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Inspirada e inteligentemente, o antigo druida esclarece o objetivo
dessa obra notável: "Podemos dividir as matérias
contidas nos Evangelhos em cinco partes:
1) Os atos comuns da vida do Cristo;
2) Os milagres;
3) As profecias;
4) As palavras que serviram para o estabelecimento dos dogmas da igreja;
5) O ensino moral. Se as quatro primeiras partes têm sido objeto
de discussões, a última permanece inatacável.
Diante desse código divino, a própria incredulidade
se curva. É o terreno em que todos os cultos podem encontrar-se,
a bandeira sob a qual todos podem abrigar-se, por mais diferentes
que sejam as suas crenças. Porque nunca foi objeto de disputas
religiosas, sempre e por toda parte provocadas pelos dogmas. Se os
discutissem, as seitas teriam, aliás, encontrado nele a sua
própria condenação, porque a maioria delas se
apegaram mais à parte mística do que à parte
moral, que exige a reforma de cada um. Para os homens, em particular,
é uma regra de conduta, que abrange todas as circunstâncias
da vida privada e pública, o princípio de todas as relações
sociais fundadas na mais rigorosa justiça. É, por fim,
e acima de tudo, o caminho infalível da felicidade a conquistar,
uma ponta do véu erguida sobre a vida futura. É essa
parte que constitui o objeto exclusivo desta obra".
No Catálogo dos Livros Proibidos
Prossegue o ano de 1864. O Espiritismo ganha vulto
com extraordinária rapidez. Dando mostras de sua intolerância,
explícita no auto-de-fé de Barcelona, a Igreja Católica
Romana inclui em seu Índex, ou seja, no seu Catálogo
dos Livros Proibidos, as seguintes obras de Allan Kardec: O Livro
dos Espíritos, O Livro dos Médiuns e O Evangelho Segundo
o Espiritismo.
O codificador não se abate. Continua levando a bom termo sua
missão, tornando-se respeitado pelo seu bom-senso e conduta
moral irrepreensível.
Faz uma visita à Suíça, a terra de Pestalozzi.
Regressando a Paris é chamado pelos espíritas de Bruxelas
e de Antuérpia para uma visita às suas associações
belgas.
"O Céu e o Inferno – A Justiça de Deus Segundo
o Espiritismo"
Em agosto, de 1865, é publicado pela Livraria
Espírita de Paris seu novo livro: O Céu e o Inferno
– A Justiça de Deus Segundo o Espiritismo.
Explica o codificador que o homem carrega dentro de si a necessidade
de crer, mas para que essa crença satisfaça a seus anseios,ela
deve corresponder às suas necessidades intelectuais.
Assim, a crença na sobrevivência do espírito e
a possibilidade de comprovação de sua existência
supramaterial serão o primeiro ponto de contato das diversas
interpretações religiosas que igualmente proclamam essas
mesmas realidades, porém, cada uma a seu modo.
Elucida Allan Kardec: "Por instinto tem o homem a crença
no futuro, mas não possuindo até agora nenhuma base
certa para defini-lo, a sua imaginação fantasiou os
sistemas que deram causa à diversidade de crenças. A
Doutrina Espírita sobre o futuro — não sendo uma
obra de imaginação mais ou menos arquitetada engenhosamente,
porém o resultado da observação de fatos materiais
que se desdobram hoje à nossa vista — congraçará,
como já está acontecendo, as opiniões divergentes
ou hesitantes e trará gradualmente, pela força das coisas,
a unidade de crenças sobre esse ponto, não já
baseada em simples hipótese, mas na certeza. A unificação
feita relativamente à sorte futura das almas será o
primeiro ponto de contato dos diversos cultos, um passo imenso para
a tolerância religiosa em primeiro lugar e, mais tarde, para
a completa fusão".
Elevando-se, pelo pensamento, acima da humanidade
Não resistindo ao excesso de trabalho, em 1866,
Allan Kardec cai enfermo. Mesmo assim, logo que se restabelece, retorna
aos seus inúmeros deveres de missionário, cuidando da
Revista Espírita, dirigindo a Sociedade Parisiense de Estudos
Espíritas, respondendo às cartas provindas das localidades
mais distantes do mundo, socorrendo silenciosamente os sofredores
e doentes, preparando novos livros e publicações doutrinárias.
Allan Kardec passa a ser alvo de terríveis perseguições,
não apenas por parte do clero, mas também, sofre a traição
dos próprios companheiros. Mas sempre a generosidade de seu
coração soube suplantar a todas essas injúrias.
Seus escritos e sua conduta falam a favor de sua invariável
delicadeza de linguagem, jamais ferindo ou ofendendo seus adversários.
Em toda e qualquer celeuma, escrita ou verbal, sua superioridade moral
prevalece sobre seus contendores.
E quando se via golpeado pela injúria ou pela maledicência,
quando vítima de inveja e ingratidão, ele mesmo dizia,
que nessas horas dolorosas da vida, procurava se elevar, através
do pensamento, acima da humanidade e se colocava, mentalmente, no
mundo invisível, imaginando-se na pátria espiritual,
por antecipação, tornando-se inacessível para
as maldades humanas, que já não mais o atingiam. Conta,
ainda, que se habituou de tal maneira a esse exercício espiritual
que a maldade dos homens nunca mais o pertubaram...
"Da parte dos Bons Espíritos"
Sua forma de praticar o bem, socorrendo os aflitos
e necessitados, sempre foi oculta, conforme ensinava Jesus: "Não
saiba a vossa mão esquerda o que faz a direita".
Conta Alexandre Delanne, pai do cientista e escritor espírita
Gabriel Delanne, que conhecera um pobre velhinho confinado a extrema
pobreza. Mesmo assim, em suas privações, vivia resignado,
graças à leitura de uma pequena brochura de Alllan Kardec,
que lhe fora oferecida. Certo dia, ao tomar conhecimento desse fato,
relata Delanne, o grande missionário chorou. E com lágrimas
nos olhos, enviou uma soma em dinheiro ao pobre ancião e, além
disso, vários volumes de suas obras.
Por não ter filhos, era com amor paternal que amava e amparava
os pobres e os sofredores. Visitava as moradas do infortúnio
e adentrava, anonimamente e com passos resolutos, com sua companheira
Gabi, ambientes onde a dor lancinava o corpo e a alma. Visitava detentos
e doentes, enviava recursos monetários às famílias
necessitadas, em envelopes fechados, sem indicar a procedência.
Nos envelopes escrevia apenas: "Da parte dos Bons Espíritos".
O continuador da obra de Kardec
Em 1867, juntamente com sua inseparável companheira,
faz nova viagem a Bordéus, Orleães (a cidade que Joana
D´Arc libertou dos ingleses), e Tours, realizando conferências
e ensinamentos. Em Tours acontece o encontro de Kardec com um jovem
de vinte e um anos, que seria um de seus grandes discípulos
e continuador de sua obra: Léon Denis.
Um dos mais profundos pensadores espíritas, Denis deixou obras
notáveis, entre elas, "O Problema do Ser do Destino e
da Dor", "Depois da Morte", "Cristianismo e Espiritismo",
"No Invisível", entre outras.
Seu continuador, ao estabelecer suas pesquisas e expressar sua linha
de pensamento sobre as realidades da alma, afirmaria em "O Problema
do Ser...": "Adotamos aqui os termos, as vistas os métodos
de que se serviu Allan Kardec, como sendo os mais seguros, reservando-nos
o acrescentar ao nosso trabalho todos os desenvolvimentos que resultaram
das investigações e experiências feitas nos cinqüenta
anos decorridos desde o aparecimento de suas obras".
A Gênese
Em 1868, o grande missionário publica uma obra
de grande valor científico: "A Gênese — Os
Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo".
Nesta obra o codificador deixa o campo exclusivamente doutrinário
para evidenciar as relações do Espiritismo com a ciência.
Os dados espíritas lhe servem para colocar o problema da origem
planetária em termos científicos, desmistificar a distorção
do Cristo sobrenatural, criado pelo Cristianismo distorcido de suas
raízes simples e consoladoras, conspurcado pela enfatização
superatrofiada nos milagres e no sobrenatural.
Allan Kardec soube esclarecer, na Gênese, que os fatos das manifestações
espíritas nada têm de extra-humano, na verdade, é
a humanidade espiritual que vem conversar com a humanidade corporal
e dizer:
"Nós existimos, logo o nada não existe. Eis o que
somos e o que sereis. O futuro vos pertence, assim como a nós.
Vosso caminho estava nas trevas, e viemos clareá-lo, e vos
abrir as vistas. Não tínheis direção,
indo ao acaso, e nós vos apontamos o objetivo. A vida terrestre
era tudo para vós, porque nada era por vós percebido,
do lado de lá. Nós viemos informar-vos, mostrando-vos
a vida espiritual: a vida terrestre nada é. Vossa visão
parava no túmulo, nós vos mostramos, além dele,
um horizonte esplêndido. Ignoráveis porque sofríeis
sobre a terra, agora, no sofrimento enxergais a justiça de
Deus. O bem parecia não produzir frutos, e, de agora em diante,
terá um objetivo e será uma necessidade. A fraternidade
não era senão uma bela teoria, e agora assenta-se sobre
uma lei da Natureza. Sob o império da crença de que
tudo acaba com a morte, a imensidade é vazia, o egoísmo
reina entre vós como senhor, e vossa palavra de ordem é:
‘Cada um por si’. Com a certeza do futuro, os espaços
se povoam ao infinito, o vácuo e a solidão não
existem em parte alguma, a solidariedade liga todos os seres, de um
lado e de outro do túmulo. É o reino da caridade com
a divisa: ‘Um por todos e todos por um’. Enfim, alcançado
o termo da vida, dizíeis um eterno adeus aos que vos são
caros, enquanto que agora lhes direis: ‘Até a vista!’"
O retorno à Vida Maior
Em princípios de 1869, o grande missionário
prepara-se para transferir-se de sua casa, da Rua de Sant’Ana,
para a Vila Ségur. A Sociedade de Estudos Espíritas,
sempre bem conduzida pelo codificador, reorganiza-se sobre novas bases.
A "Revista Espírita" prossegue como o veículo
oficial catalisador e disseminador do Espiritismo em vários
países.
Allan Kardec planeja muitas coisas em favor da Doutrina. Intenciona
escrever novas obras e construir uma casa-abrigo para os trabalhadores
do Espiritismo que envelhecessem sem recursos. Com as economias provenientes
de suas obras pedagógicas, comprara um terreno na Avenida Ségur.
No dia 31 de março de 1869, entre 11 e 12 horas da manhã,
ao atender a um visitante que lhe solicita um exemplar da "Revista
Espírita", repentinamente, a velha enfermidade do coração
liberta seu grandioso espírito.
Conclusão:
A possibilidade de ser e tornar-se cada vez mais e melhor
A mensagem espírita, bem compreendida
em teoria e prática, descortina a seus adeptos um vasto horizonte
religioso-filosófico-científico, proporcionando um gradativo
refinamento de cogitações e conseqüente elevação
de aspirações.
Uma educação espiritual consistente, não coercitiva,
racional e consoladora — este é o legado de Allan Kardec,
o antigo druida ressurgido. Sua mensagem é destinada às
gerações futuras, mais despojadas e sublimadas pela
dor do milenar desengano resultante da pertinente transgressão
às leis divinas. Estas gerações compreenderão
a Terceira Revelação, pois que a viverão em profundidade.
A evidência da vida ultrafísica se imporá, irrefutavelmente,
convergindo a humanidade para a religião interior, cósmica,
referida por Jesus como a que seria vivenciada "em espírito
e verdade" — unificando o rebanho disperso em torno do
único Pastor.
Mesmo assim, ainda hoje, se adotarmos por base a noção
do ser pensante, como o fez Descartes, temos nos princípios
essenciais do Espiritismo os meios concisos de desenvolver essa noção,
desdobrá-la, pois poderemos afirmar com Léon Denis:
"O primeiro princípio do conhecimento é a idéia
do Ser (Inteligência e Vida). A idéia do ser impõe-se:
Eu sou! Esta afirmação é indiscutível.
Não podemos duvidar de nós mesmos. Mas, esta idéia,
só, não pode bastar; deve complementar-se com a idéia
de ação e vida progressiva: Eu sou e quero ser, cada
vez mais e melhor!"
Ao que a voz do próprio Mestre, pelo decorrer das eras, continua
a ressoar, exortando: "Sede perfeitos, como perfeito é
vosso Pai que está nos céus..."
OBRAS CONSULTADAS:
A Gênese – Allan Kardec
Editora Lake
A Vida de Allan Kardec para as Crianças – Clóvis
Tavares
Editora Lake
Allan Kardec – Vol. I, II, e III – Zêus Wantuil
e Francisco Thiesen
Federação Espírita Brasileira - FEB
Allan Kardec (O Druida Reencarnado) – Eduardo Carvalho Monteiro
Editora EME
O Céu e o Inferno – Allan Kardec
Editora Lake
O Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan Kardec
Editora Lake
O Livro dos Espíritos – Allan Kardec
Editora Lake
O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica
e Lendária – Canuto Abreu
Edições LFU
O Livro dos Médiuns – Allan Kardec
Editora Lake
O Problema do Ser, do Destino e da Dor – Léon Denis
Editora Federação Espírita Brasileira - FEB
Obras Póstumas – Allan Kardec
Federação Espírita Brasileira - FEB
Revista Espírita n.º 4, Abril de 1858, Allan Kardec
Instituto de Difusão Espírita - IDE
Viagem Espírita em 1862 – Allan Kardec
Casa Editora O Clarim