Para a Antropologia, a religião pode ser vista
como um sistema cultural que engloba todo um conjunto de símbolos
e significados, onde são contruídas relações
de sentido para a vida; como afirma Geertz, a religião produz
um ethos e uma visão de mundo. Este estudo teve como objetivo
analisar a Umbanda tal como aparece em romances espíritas,
buscando os aspectos morais e cognitivos que os informam, neste caso
buscando, na visão espírita do umbandismo, a positividade
ou a negatividade a ele atribuídas e os argumentos usados para
justificar tais avaliações.
Os textos escolhidos permitiram o cotejamento entre
as descrições e recortes feitos nesses romances e as
descrições e recortes da Umbanda apresentados pela literatura
acadêmica. Esta estratégia permitiu aprofundar nossa
análise e, indo um pouco além dos romances, introduzir
uma reflexão mais crítica.
Para a leitura e análise dos textos estabelecemos
previamente alguns marcadores: nascimento da Umbanda; obsessão
ou encosto; sincretismo; processo saúde-doença.
A explicabilidade oferecida pelo Espiritismo mostra
toda sua força para as pessoas que vivem infortúnios
(morte, perdas, doenças, entre outros) e as descrições
das atuações da Umbanda e do Espiritismo são
vistas nesse contexto como uma soma de ações em benefícios
dos indivíduos encarnados e desencarnados.
(trecho inicial)
A Umbanda, que se desenhou no Brasil com esse nome
a partir das primeiras décadas do Século XX, pode ter
representado, segundo alguns estudiosos, um campo de concorrência
para o Espiritismo Kardecista (LEWGOY, 2001). De outra perspectiva,
contudo, pode-se dizer que estes dois campos religiosos estabeleceram
um diálogo, nem sempre de dupla mão, é bem verdade.
Já tivemos oportunidade de lembrar que a Umbanda foi se construindo
num processo de busca de legitimação social e religiosa,
busca essa sujeita a pressões internas e externas. Desde a
adoção da denominação atual (que abrange
um campo bastante diferenciado internamente) a Umbanda transitou entre
pressões socioculturais e políticas. Nesse esforço
de legitimação o Espiritismo Kardecista presente no
Brasil desde meados do Século XIX, ofereceu um repertório
de fácil retradução para umbandistas e outros
adeptos de cultos afro-brasileiros. Um repertório e um grande
guarda chuva defensivo. A Umbanda é uma religião de
transe de possessão ou religião mediúnica, como
frequentemente seus adeptos preferem falar. Apesar do diálogo
– feito de adequações e ressignificações
– entre as ideias vindas do Espiritismo e da Umbanda e da importância
dada por ambas à mediunidade, pode-se dizer que desde o período
de seu “nascimento” no Brasil até entrada dos anos
2000, a Umbanda tem, de modo geral, uma aceitação extremamente
tímida entre os kardecistas. Como aponta Lewgoy (2001), o espiritismo
no Brasil é religião letrada e racionalista, que “é
adotada pelos segmentos de elite do Brasil pré-republicano”.
A entrada dos cultos de origem africana entre nós, por outro
lado, contou uma história exatamente oposta àquela.
Mesmo que alguns dos pioneiros do Kardecismo tenham participado de
causas como o abolicionismo e a república, como bem lembra
Lewgoy (2001), o espiritismo se populariza “não pelo
heroísmo ou pelo profetismo”, mas pela oferta de serviços
de cura. Segundo esse mesmo autor, esta popularização
irá levar a movimentos de fragmentação interna
exercida por concorrência com outras religiões mediúnicas,
como aconteceu em sua relação com a Umbanda. Em seu
trabalho sobre “Chico Xavier e a cultura brasileira”,
Lewgoy diz que o “espiritismo exposto na vida e obra de Chico
Xavier”, resume a relação com a Umbanda e outras
questões, em três pontos. Situa em primeiro lugar o sincretismo
da Umbanda como primitivo; vê a mistura da religião e
política, do positivismo, como promíscua; finalmente,
considera a síntese espírita de “religião,
filosofia e ciência como desejável, racional e espiritualmente
evoluída”. Estas considerações mostram
alguns aspectos pejorativos da visão Espírita brasileira
sobre a Umbanda. Bairrão et al. (2003) lembram que a Umbanda
habitualmente é vista como uma espécie de “subproduto
ideológico”.