O tema é de uma atualidade impressionante.
Neste minuto uma alma foi impedida de reencarnar. Alguém, em
algum lugar do mundo, abortou. Enquanto nos demoramos nesta abordagem
necessariamente ligeira, dezenas de espíritos estarão
sendo impedidos de retornar ao proscênio da luta corporal.
O artigo 128, do Código Penal, diz
que o aborto não é punível, apenas em duas hipóteses.
Quando a mulher corre risco de vida. É o chamado
aborto necessário. Sacrifica-se o ser em formação,
porque é uma expectativa de vida. Este postulado jurídico
tem consonância com o pensamento espírita. Se consultarmos
a questão 359 de O livro dos Espíritos, verificaremos
que o aborto necessário, que se realiza para salvar a vida
da mãe, é moral. Tem perfeito amparo nos códigos
soberanos da Justiça Divina e não é contra a
lei natural.
Porque se se preservar a mulher em detrimento da criança,
o espírito, que iria reencarnar, não está impedido
de fazê-lo outra vez e poderá retornar em uma nova experiência.
Para isso, evidente que os pais pratiquem conjunção
carnal. O espírito, portanto, poderá retornar sem prejuízo
algum para a sua evolução.
O Código Penal ainda diz que se a gravidez
decorre de estupro, a mulher pode praticar o abortamento, através
de médico. É o chamado aborto sentimental.
Este caso não tem amparo nas leis morais. Não
direi que a Doutrina Espírita é contra o aborto sentimental.
Direi que o aborto sentimental se opõe às leis morais.
Porque não sei se o Espiritismo é contra alguma coisa.
O Espiritismo esclarece para libertar consciências, mas a pessoa
guarda certa relatividade na sua liberdade. Então não
direi que a Doutrina Espírita proíbe, direi que o aborto
sentimental se opõe às leis morais.
Não é nada fácil para uma moça,
uma mulher, trazer em sua cavidade uterina, na sua intimidade, um
ser gerado em situações não desejadas, imprevistas,
violentas, fruto de uma relação espúria, não
nascido do amor, na entrega espontânea, buscada na plenitude
fisiológica, emocional, espiritual. E ficamos a imaginar que
a mulher está grávida de um estupro.
Eu atendi algumas mulheres estupradas. Pude perceber
que elas são, até hoje, vivas-mortas ou mortas-vivas,
porque se aniquilaram emocional e espiritualmente. Incapazes de nos
olhar nos olhos. Sem coragem de enfrentar a vida com denodo, em virtude
daquela ação violenta. Mas se ela conseguir manter a
gravidez e levá-la a termo, que progresso extraordinário
está realizando, estará se sublimando. Se isso não
lhe for factível, depois de nascida a criança que a
dê em adoção, é melhor que abortar.
Tramita no Congresso Nacional um outro inciso ao artigo
128 Projeto ou anteprojeto que permitirá à mulher abortar
através de médico, até a 25a semana de gestação,
desde que tenha sido diagnosticada anomalia física ou mental
do feto em formação.
Tudo em nome da eugenia, (do grego
eu, bem + genos, de origem, isto é, boa geração),
ciência criada no século passado por Francis que viveu
de 1822 a 1911. Esta nova ciência pretende o aperfeiçoamento
físico, fisiológico e psicológico das raças.
Há que se matar todo o ser que apresente uma deformidade, uma
anomalia qualquer. Esta proposta não é nova no Brasil.
Surgiu em 1984 através de portaria do Ministério da
Saúde, mas tem precedentes na França, na Inglaterra
e em outros países da Europa.
Em Roma já existia o extermínio
de crianças com deficiência física. Eram
mortas, pois não se prestavam aos fins bélicos do império
romano. Constituíam-se em peso morto, pois o Estado tinha que
arcar com o ônus na manutenção daquelas criaturas
que nunca se prestariam aos interesses dos romanos, que dominavam
o mundo, naquela época.
Na segunda Guerra Mundial, com Adolfo Hitler, nós
sabemos do extermínio de milhões de pessoas em nome
da eugenia, da etnia. Hitler anelava padronizar as pessoas humanas.
Os filmes, a literatura, mostram as experiências que eram feitas
para que todos tivessem olhos azuis ou verdes, e milhares de criaturas
foram cegas e mortas em nome desta eugenia, etnia, cujo objetivo era
a padronização das raças. O extremo da eugenia
poderia levar muitas pessoas à morte por não alcançarem
os padrões de estética, de plástica. Se alguém
não estivesse dentro das regras de beleza, poderia ser morto.
O que teria sido do nosso Aleijadinho e de todos os
nomes ilustres da nossa história e mesmo dentro da Doutrina
Espírita, como Jerônimo Mendonça, Hellen Keller,
este exemplo para a humanidade, surda, cega, muda, realizou um trabalho
notável.
Hellen Keller soube que uma professora estava ensinando
surdos e mudos a falar, e ela se interessou. Foi ter com Anne Sullivan
que colocava o seu dedo na boca de Hellen Keller e colocava o dedo
de Hellen na sua boca. Emitia sons e a discípula não
ouvia, mas sentia a ressonância do som na boca de Anne Sullivan.
Em uma semana a jovem já estava falando e disse: "Eu já
não sou mais muda, já posso falar", e foi lutando
a vida inteira contra as suas deficiências físicas. Viajou
o mundo fazendo palestras e hoje se manifesta aqui, ali, alhures,
livre das amarras físicas, demonstrando que as limitações
são do corpo e não da alma.
Nada, portanto, poderia justificar o aborto
eugênico. Vamos a algumas razões. Em nome do
aborto eugênico o médico é quem praticaria o crime.
Vejam que paradoxo! O médico, cuja profissão é
salvar, preservar a vida, melhorar as condições físicas
e psíquicas do homem, estaria a serviço da carnificina,
transformando os nossos hospitais em matadouros.
É paradoxal. O Código de Ética
Médica, no Brasil, é explicito: não é
permitido práticas eugênicas ou eugenésicas,
o Código de Ética Médica Internacional, o Código
Lawyer Book depois do holocausto, fere a mentalidade médica.
Em nome da eugenia se praticariam abusos. Qualquer gravidez indesejada
seria interrompida. Bastaria que um ou dois médicos atestassem
anomalia física ou mental no feto em gestação
e o aborto estaria consumado. E cá entre nós, a Justiça
ou a Polícia não tem meia técnica para desautorizar
um atestado médico.
Para provar o contrário, precisaríamos
de outro médico com coragem, independência de atestar
outro diagnóstico contrário. Mas como realizar uma necropsia
num ser que já está sepultado e decomposto? Tudo se
invalida. Nunca se conseguiu, na prática, uma condenação
por aborto. É necessária uma prova técnica, científica,
palpável. Há ainda o risco de erro no diagnóstico.
Será que a anomalia diagnosticada no feto não poderia
ser revertida no futuro?
Fala-se, hoje, em terapia gênica,
na possibilidade muito concreta de se introduzir genes sadios nas
pessoas.
Fala-se, também, abertamente, em doenças
genéticas, em mutações, transformações
dos genes que poderão impedir alguém nascer com alguma
deficiência. Os genes são corpúsculos invisíveis
a olho nu, responsáveis pela transmissão aos descendentes
das características físicas dos seus ancestrais. Porque
os filhos se parecem com os pais no aspecto físico, na moral
nem sempre, salvo se forem espíritos simpáticos, se
estiverem no mesmo patamar evolutivo, com as mesmas tendências,
com as mesmas aptidões. A parecença física depende
das leis da hereditariedade. Os genes estão inseridos nos cromossomos
que fazem parte das células. Através dos genes nós
transmitimos aos nossos descendentes os caracteres físicos,
não morais.
Estes genes, com o passar dos tempos, podem sofrer
uma mutação, uma transformação, dando
origem a uma doença genética. Pela terapia genética,
assim como se faz um transplante de rim, de coração,
pode-se introduzir genes saudáveis no organismo, em substituição
aos genes doentes. Se o feto for portador de alguma anomalia, haverá
a possibilidade de se reverter o quadro por esse processo e, assim,
poderá ser evitado o aborto.
É a terapia genética
vindo ao encontro da necessidade do aperfeiçoamento das raças.
A questão 692 de O Livro dos Espíritos
mostra quão atual é este livro. Só não
tem a expressão eugênica, que é um neologismo.
P. “O aperfeiçoamento das raças
animais e vegetais pela Ciência é contrário à
lei natural? Seria mais conforme a essa lei deixar as coisas seguirem
o seu curso normal?
R. Tudo se deve fazer para chegar à perfeição.
O próprio homem é um instrumento de que Deus se serve
para atingir os seus fins. Sendo a perfeição o alvo
para que tende a Natureza, o favorecer a sua conquista é corresponder
àqueles fins."
A terapia gênica tem amparo moral.
É perfeitamente factível, mas sabemos que também
poderão ocorrer abusos, principalmente com os animais: ratos,
camundongos, que servem à pesquisa científica.
A medicina fetal também invalida a necessidade
do aborto, quando se detecta alguma má formação
no feto. O médico abre o ventre materno, tira o nenê,
submete-o à cirurgia, devolve-o à cavidade uterina,
fecha o útero e a gravidez continua.
Todos são enfoques científicos, culturais
para evitar o aborto eugênico.
Devemos também levantar a questão filosófico-doutrinária
que tão bem esclarece.
O que é o corpo? É o instrumento que
permite ao espírito reencarnante realizar o seu fanal, qual
seja, o de construir a sua perfeição relativa. A vida
orgânica, material, não é o fim em si mesma. O
espírito pré-existe ao corpo e sobrevive a ele quando
do recesso celular. Vivíamos antes da concepção
e continuaremos a viver. Já estamos na imortalidade, não
precisamos morrer para nos tornarmos imortais.
A deficiência física ou mental é
reflexo das vidas anteriores. O espírito é que tem a
deficiência. O corpo funciona como uma esponja, um escafandro
e serve para limpar as impurezas.
Estamos aqui por pouco tempo e por mais que o corpo
nos faça sofrer, que esteja doente, vai permitir ao espírito
uma libertação.
E eu pergunto. O que é saúde?
O que é doença? A definição será
tão simples como parece? Chico Xavier, do ponto de vista físico,
é considerado uma pessoa extremamente doente, no entanto, tem
uma saúde espiritual de ferro. Hitler, perfeitamente saudável.
Era vegetariano e Chico alimenta-se de carne, só para mostrar
a relatividade das coisas.
O que é saúde, então? E como
diz Jerônimo Mendonça "a doença do corpo
trabalha a saúde da alma".
“É uma benção, um aguilhão
benéfico", diz o Irmão X, porque dá ao espírito
a condição de resgatar o passado.
Nem toda doença, porém, tem
origens cármicas. André Luiz relata, num dos
seus livros, o caso de uma jovem que reencarnaria num corpo escultural.
Temerosa de que poderia "escorregar" de novo, pediu um “defeitozinho”
para que não corresse o mesmo risco.
Muitas vezes, como diz Nancy Puhlmann di Girolamo,
em seu livro “O castelo das aves feridas", existem espíritos
que amam os excepcionais e pedem para vir excepcionais e servirem
de cobaias de experiências científicas. Eles, que nada
devem, auxiliam os que têm débito no passado.
Outro exemplo é o cego de nascença de
quem os discípulos perguntaram à Jesus: - Mestre, quem
pecou? E Jesus respondeu: - Nem ele nem seus pais.
E como explicar a cegueira deste homem? É provável
que ele já era cristão antes de reencarnar e estava
planejado de vir cego e ser curado pelo Mestre para contribuir a que
os céticos cressem em Jesus. Muitos têm a missão
de despertar os outros.
Se impedíssemos os espíritos de reencarnar
por serem portadores de anomalias, eles não resgatariam o passado
e não cumpririam a missão. Com todo respeito e carinho,
será que Jerônimo Mendonça teria feito tudo o
que fez se tivesse uma saúde perfeita? Os problemas ensinam,
a dor é despertador.
O câncer, a AIDS, as deficiências estão
na alma. Se a lei a que me referi for aprovada, consentindo o aborto
eugênico, a Lei a Deus terá outras formas para se cumprir.
Uma criança pode nascer sã, mas nos primeiros passos,
num tombo bobo, torna-se deficiente. E não vai se matar um
filho com um ano ou dois.
Se formos abortar, abortemos o orgulho, o egoísmo,
a ambição, a vaidade, pais do aborto eugênico,
defeitos esses capazes de nos concentrar na vida material.
Porque hoje somos valorizados pelo que temos, ou que
carregamos, ou pela nossa beleza plástica, ou pela apresentação.
Jerônimo Mendonça é um
exemplo notável. Portador de várias doenças
ficou décadas numa mesma posição. Sua cama era
seu banheiro, sua tribuna. Fundou dois centros espíritas, gravou
muitas fitas e viajou por dezenas de cidades do Brasil. Escreveu cinco
livros, fundou uma creche em Ituiutaba. Um espírito que, nesta
condição, realizou tanto. Isto mostra que o corpo não
impede a realização da alma.
Quantos sadios estão se comprometendo, perdendo
a oportunidade excelente na ociosidade, na preguiça, na acomodação,
enquanto outros vitimados por estas limitações vão
à luta, superam-se pela fé, pelo amor, pelo desejo de
servir, realizam obras notáveis.
Morgana, minha filha, tem 12 anos, l6 cirurgias, já
extraiu um rim e é portadora de hidrocefalia, tem válvula
no cérebro; não tem controle dos esfíncteres;
não têm sensibilidade nos membros inferiores motores;
vive na cadeira de rodas. Eu sou uma pessoa abençoada. Ela
me ensinou a viver. Estou longe de viver como deveria viver, mas com
ela, tenho certeza, sou bem melhor. Com ela, em nossa casa, tudo mudou,
tudo ganhou beleza. Ela demorou dois anos para sentar pela primeira
vez, sem cair do lado, quatro anos para ficar em decúbito ventral.
Mostrou-nos o valor das coisas pequenas, que vamos de lá para
cá, que nos sentamos sem perceber.
Se a minha filha veio para ficar, ela vai ficar. Não
conto para despertar compaixão, mas para dizer que um
filho excepcional é um excepcional filho.