A discussão sobre até
onde nossas ações são livres ou determinadas
por uma espécie de destino inevitável é palco
de discussões desde a Antiguidade. É atribuído
como autoria ao filósofo e poeta Tito Lucrécio Caro
(99 a.C a 55 a.C) um poema cujo título “A natureza das
coisas” afirmava que a alma era mortal e que a previsibilidade
do movimento atômico impediria qualquer possibilidade de sustentar
o livre-arbítrio como faculdade inerente ao homem. A defesa
de uma suposta ausência de liberdade nas nossas ações
sustenta a tese comodista e perigosa do materialismo, justificando
uma fatalidade irresponsável, logo, isenta de qualquer cobrança
ou assunção dos efeitos de tudo aquilo que fazemos.
Não podemos ainda desconsiderar que as ideias advindas do debate
filosófico proposto por Lucrécio, por exemplo, tornam-se
ingênuas na medida em que a própria
evolução do conhecimento sobre os átomos, as
descobertas da nova Física, para além do paradigma newtoniano,
a teoria da relatividade e a questão da teoria da incerteza
derrubam toda essa lógica de que seríamos frutos do
inevitável automatismo biológico.
Certamente, há tantos outros pensadores que se apoiam na ausência
do livre-arbítrio como justificativa insustentável,
filosoficamente, contudo, transpondo essa suposta ausência de
liberdade humana, seja por razões de um fatalismo biológico,
psicológico ou o que valha, qual seria o risco de defendermos
tal tese, tomando por base a maneira como a existência humana
se desenvolve?
Se nossas ações fossem mero produto de um automatismo
fisiológico e nosso psiquismo um subproduto deste primeiro,
fundaríamos, por exemplo, toda uma ideia absurda de que matar,
ferir, desconsiderar, destruir o outro seriam apenas ações
incontroláveis, reflexos previstos pelo acaso da nossa condição
humana. O materialismo aquiesceu a estas ideias de suspensão
da liberdade de escolha frente às decisões, uma vez
que, por ele, não haveria razão alguma para deixar de
fazer ou fazer tal coisa, visto que agir não seria, aqui, o
resultado de uma decisão moral ou dotada de possibilidade de
discernimento. Agir então seria algo que aconteceria de acordo
com necessidades reais indiscutíveis, factuais, resultantes
de um tipo de convivência social específica e assim por
diante. Não havendo nada para além da matéria,
qual sentido haveria em agir a favor de uma causa, dentro de uma visão
altruísta de mundo, se o nada nos aguardaria?
A sustentação da tese de ausência do livre-arbítrio
justifica também a corrupção, os vícios,
a falta de amor e de solidariedade porque instaura a lei do mais forte,
a lei da conveniência de interesses e retira do homem o compromisso
ético de fazer o bem, assim como, a necessidade de assumir
totalmente as consequências da decisão sobre o mal. Pior
do que tudo isso, se, a partir desta tese, fosse admitida a existência
de um deus, este deus seria um ser partidário, mesquinho, confundido
com as paixões humanas e rebaixado ao mesmo nível de
sua própria obra, aliás, obra essa que, dentro deste
contexto, seria questionável e bastante frágil.
Até onde nossas ações pertencem a nós
e até onde seria a vontade de Deus? O Espiritismo resolve esse
dilema nos explicando que já é da vontade divina que
tenhamos o direto de agir de acordo com o nosso desejo. Como Deus
faz isso? Ele criou leis imutáveis e perfeitas cujo cerne está
na ação voluntária de decidir pelo amor, pelo
bem e pelo que se solidariza com todo o Universo. Suas leis morais
são claras e definem nortes seguros quanto ao que devemos ou
não fazer. Tudo isso está inscrito em nossa consciência,
sede das leis que nos guiam com garantia para a prática do
bem proceder. Ao decidirmos nos afastar desta legislação
divina sofremos a consequência prevista desse descumprimento
porque não é da Lei Divina que façamos o que
venha a nos prejudicar e a prejudicar o outro. O suposto fatalismo
aparente desta lógica estaria no inevitável recolhimento
dos resultados da transgressão, uma vez que, agindo mal, desequilibramos
o campo de nossa relação com a vida, conosco e com o
próximo.
Não há fatalidade nos atos morais como nos diz a Doutrina
Espírita, porque, se antes fizemos algo que criou uma consequência
inevitável dentro da Lei de Justiça Divina; este processo
vai sendo modificado conforme nós vamos colocando no lugar
aquilo que retiramos, ou seja, realizando o bem onde havíamos
agido em discordância com a lei de amor. Trazendo para a prática,
qual seria o impedimento de fazermos o bem em qualquer momento de
nossa vida, estamos impedidos disso? Agir de maneira melhor do que
antes é uma possibilidade ilimitada, não há nunca
qualquer impedimento para fazermos isso. Quantos efeitos desfavoráveis
nos pouparíamos se assumíssemos 100 % a responsabilidade
de tudo o que nos acontecesse? O problema é que esquecemos
que o que nos acontecesse tem suas raízes em todas as outras
existências que já vivemos, por isso, não podemos
agir sem compreender que essa dinâmica vai muito além
desta vida atual. Podemos decidir o tempo inteiro pelo que nos convém
e pelo que não nos convém. Muitas vezes, ficamos esperando
que algo mágico aconteça quando depende somente de nós
mesmos aprender a agir, a decidir e a tomar as rédeas de nossa
existência. O que achamos que não merecemos, Deus cuida
de analisar, possibilitando ou não; tudo depende da nossa capacidade
de parar de tentar fazer o que não nos compete e deixar que
Deus faça o que cabe a ele