Constantemente, no meio espírita, assistimos
a palestras ou lemos trabalhos, onde o palestrante ou o escritor cita
a Dialética como se fosse uma doutrina que avalizasse a verdade.
Já tivemos oportunidade de consultar um artigo, cujo autor
pretensamente trata da "dialética espírita".
A palavra dialética vem do grego: prefixo "dia",
que significa "através", e do termo "logos",
que significa "palavra".
Dialética, etimologicamente, seria "arte da discussão",
"arte de esclarecer", "arte de enganar", "arte
de esclarecer através das idéias". No curso da
história da Filosofia, o conceito de dialética
já passou por altos e baixo. Platão, os escolásticos
e Hegel a exaltaram. Aristóteles, os renascentistas e Kant
a desdenharam. De meados do Século XIX ao XX, seu sentido foi
um pouco deturpado com o fito de atender os interesses de correntes
ideológicas. Marx usou a dialética materialista para
criar seu Materialismo Histórico, a fim de explicar a marcha
da humanidade sem necessitar de uma Providência Divina. O conceito
de dialética usado hoje pelos intelectuais é um misto
da forma idealista de Hegel e da materialista de Marx.
O constante "vir-a-ser" dialético satisfaz à
ideologia indeterminista tanto do anarquismo, como a do neoliberalismo.
Esse pensamento é incompatível com uma doutrina que
crê em um Deus criador e providente [vide itens 5.2., 5.4.,
e 5.5.].
Hegel [1770-1831] graduou-se em pastor luterano. Discordando de pontos
doutrinários, abandonou o pastorado e tornou-se Professor de
filosofia. Foi fortemente influenciado pelo Romantismo alemão
que fazia apologia da revalorização do panteísmo
pagão germânico. Essa é a razão porque
Hegel apresenta sempre vaga idéia de Deus, identificado-O com
a natureza, diferindo de um Deus criador e providente.
Marx [1818-1883] era francamente materialista. Portanto, sua doutrina
não podia explicar os fenômenos naturais determinados
por uma Causa externa [Deus]. A teoria dialética ajudava explicar
tudo sem recorrer a determinações externas aos fatos
ou às coisas.
O Romantismo surgiu no final do século XIX, influenciando arte,
ciência, filosofia. Suas manifestações diferiam
conforme o setor, o local e o momento de aparecimento. Por isso, falamos
de Romantismo alemão, italiano.
Mencionamos também Romantismo na Música,
nas artes plásticas, na Arquitetura, etc.. Esse movimento prolongou-se
por todo o Século XIX, ingressando no Século XX sob
a forma do Niilismo de Nietzsche e da fenomenologia de Husserl. Ambas
influenciaram o Existencialismo Fenomenológico de Heidegger
e o Existencialismo Materialista de Sartre e, mais recentemente o
Estruturalismo. Por isso, a Dialética ficou preservada para
explicar todos os fenômenos da vida humana. Ela passou a fazer
parte do "espírito da época" [Zeitgeist] e,
assim, perece lógica a fundamentação nela para
qualquer demonstração. Por essa razão, no Movimento
Espírita Brasileiro, aparecem pessoas que são influenciadas
por esse "espírito da época" e facilmente
introduzem no Espiritismo idéias contraditórias a seus
princípios.
Essa confusão tem várias causas. A primeira é
pelo fato dessa palavra ter vários significados e, por isso,
as pessoas podem estar defendendo idéias dialéticas
diferentes, achando que estão em comunhão de pensamento.
A segunda é política; na segunda
metade do Século XX, houve uma expansão do pensamento
marxista, o que ajudou a divulgar a doutrina dialética. A terceira
causa é o pensamento estruturalista que dominou também
nessa época [com apogeu na Década de 60, identificando-se
com a ideologia de protesto] e foi muito influenciado pelo anarquismo
francês. A doutrina dialética, embora seja uma forma
de determinismo causal, induz ao indeterminismo, o que satisfaz aos
interesses anarquistas, pois, o constante "vir-a-ser" inevitavelmente
induz a uma indeterminação. A segunda e a terceira causas
são conseqüências do Romantismo.
Das várias acepções da palavra "dialética',
vamos examinar apenas a "Dialética Idealista de Hegel"
e a "materialista de Marx", por serem essas as formas que
provocam esse mistifório no Movimento Espírita Brasileiro.
Hegel alegava que toda afirmação traz dentro de si sua
negação, o que evidentemente resulta na negação
da primeira afirmação, o que já se torna uma
segunda afirmação, contendo dentro de si sua própria
negação. Essa cosmovisão conduz necessariamente
a um indeterminismo, pois nada pode ser definitivo, eliminando a possibilidade
de uma determinação finalista dada por um Deus providente.
Didaticamente essa teoria é apresentada como consistindo de
tese [posição] que produz sua antítese [oposição].
A união dessas duas produz a síntese [composição]
que é uma nova tese que produzirá sua antítese.
Marx não aceitou a forma idealista dessa teoria e forneceu-lhe
uma explicação materialista. Não é justificável
neste trabalho, explicarmos a distinção precisa entre
essas duas formas de pensamento dialético. Basta que o leitor
entenda que dialética resume-se didaticamente na seqüência
infindável de tese, antítese e síntese.
Para exemplificar, faremos essa comparação. Os que aceitam
o pensamento dialético, usam como prova a ascensão,
apogeu e declínio de várias civilizações
do passado. Essas civilizações ao se estabelecerem traziam
dentro de si a sua "negação" ou "antítese",
que a aniquilaria futuramente. Marx afirmava que o Capitalismo trazia
dentro de si suas contradições, o que o destruiria.
A LE 786 mostra o inverso. O nascimento, crescimento e declínio
de uma civilização são providências de
Deus - há um fator externo determinado-os - não há
contradições internas. A LE 788 e EE 24.4 afirmam que
os povos são individualidades coletivas, tendo uma infância,
uma idade da madureza e uma decrepitude - nascem,crescem e morrem.
Especificamente, em EE 24.4 é afirmado que cada coisa tem que
vir em sua época própria, demonstrando que o aparente
"vir-a-ser", que seria um indeterminismo, é, na verdade,
um determinismo finalista [providencial]. Todo o Capítulo III
do EE demonstra como a evolução dos mundos, onde reencarnam
Espíritos, é determinada e não ocorrendo ao sabor
do indeterminismo dialético. Portanto, a "contradição",
a "antítese", vem do exterior, não está
embutida na "tese", há uma determinação
finalista [providencial] de um Deus providente.
Outro exemplo. A morte é a única coisa certa em nossas
vidas. Até a velhice é duvidosa, pois podemos morrer
antes de atingi-la. Depois que nascemos, não fazemos outra
coisa se não caminharmos para morte. Essa realidade fatalista
induziu alguns pensadores a tentar explicar essa inexorabilidade da
morte pela dialética.
A vida traria dentro de si sua oposição que é
a morte. Para a Doutrina, a essência é a vida espiritual.
A passagem pela matéria é apenas um acidente. Aquilo
que entendemos por "vida" [o período em que o Espírito
está reencarnado na matéria] é o que é
transitório, fugaz. Pelo contrário, a morte não
é a negação da vida, mas sua continuação,
ou, inversamente, a vida que é uma continuação
temporária da erraticidade. A morte não existe para
a Doutrina.
O que entendemos por morte física é apenas o cumprimento
de uma etapa da longa vida de um Espírito. Quando o Espírito
reencarna sua morte [desencarnação] já está
determinada, cumprindo uma finalidade e não um "vir-a-ser"
indeterminado.
Kardec chama esse determinismo de finalista de fatalidade, porque
naquela época o binômio determinismo / indeterminismo
ainda não estava desenvolvido pela Filosofia. Há uma
explanação sobre o conceito de "fatalidade"
da LE 851 à LE 867 e na LE 872 [p.400]. A doutrina dialética
não admite autoridade externa aos fatos ou coisas, determinando-os.
Julgamos que não cabe qualquer visão dialética
dentro do Espiritismo. Achamos que as opiniões citadas acima,
podem decorrer da falta de conhecimento ou pela indução
feita pelo pensamento moderno. Seria uma manifestação
do "espírito da época" [Zeitgeist].