Victor Leonardo da Silva Chaves

>    Dialética e Espiritismo

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Victor Leonardo da Silva Chaves
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Constantemente, no meio espírita, assistimos a palestras ou lemos trabalhos, onde o palestrante ou o escritor cita a Dialética como se fosse uma doutrina que avalizasse a verdade. Já tivemos oportunidade de consultar um artigo, cujo autor pretensamente trata da "dialética espírita".

A palavra dialética vem do grego: prefixo "dia", que significa "através", e do termo "logos", que significa "palavra".

Dialética, etimologicamente, seria "arte da discussão", "arte de esclarecer", "arte de enganar", "arte de esclarecer através das idéias". No curso da história da Filosofia, o conceito de dialética já passou por altos e baixo. Platão, os escolásticos e Hegel a exaltaram. Aristóteles, os renascentistas e Kant a desdenharam. De meados do Século XIX ao XX, seu sentido foi um pouco deturpado com o fito de atender os interesses de correntes ideológicas. Marx usou a dialética materialista para criar seu Materialismo Histórico, a fim de explicar a marcha da humanidade sem necessitar de uma Providência Divina. O conceito de dialética usado hoje pelos intelectuais é um misto da forma idealista de Hegel e da materialista de Marx.

O constante "vir-a-ser" dialético satisfaz à ideologia indeterminista tanto do anarquismo, como a do neoliberalismo. Esse pensamento é incompatível com uma doutrina que crê em um Deus criador e providente [vide itens 5.2., 5.4., e 5.5.].

Hegel [1770-1831] graduou-se em pastor luterano. Discordando de pontos doutrinários, abandonou o pastorado e tornou-se Professor de filosofia. Foi fortemente influenciado pelo Romantismo alemão que fazia apologia da revalorização do panteísmo pagão germânico. Essa é a razão porque Hegel apresenta sempre vaga idéia de Deus, identificado-O com a natureza, diferindo de um Deus criador e providente.

Marx [1818-1883] era francamente materialista. Portanto, sua doutrina não podia explicar os fenômenos naturais determinados por uma Causa externa [Deus]. A teoria dialética ajudava explicar tudo sem recorrer a determinações externas aos fatos ou às coisas.

O Romantismo surgiu no final do século XIX, influenciando arte, ciência, filosofia. Suas manifestações diferiam conforme o setor, o local e o momento de aparecimento. Por isso, falamos de Romantismo alemão, italiano.

Mencionamos também Romantismo na Música, nas artes plásticas, na Arquitetura, etc.. Esse movimento prolongou-se por todo o Século XIX, ingressando no Século XX sob a forma do Niilismo de Nietzsche e da fenomenologia de Husserl. Ambas influenciaram o Existencialismo Fenomenológico de Heidegger e o Existencialismo Materialista de Sartre e, mais recentemente o Estruturalismo. Por isso, a Dialética ficou preservada para explicar todos os fenômenos da vida humana. Ela passou a fazer parte do "espírito da época" [Zeitgeist] e, assim, perece lógica a fundamentação nela para qualquer demonstração. Por essa razão, no Movimento Espírita Brasileiro, aparecem pessoas que são influenciadas por esse "espírito da época" e facilmente introduzem no Espiritismo idéias contraditórias a seus princípios.

Essa confusão tem várias causas. A primeira é pelo fato dessa palavra ter vários significados e, por isso, as pessoas podem estar defendendo idéias dialéticas diferentes, achando que estão em comunhão de pensamento.

A segunda é política; na segunda metade do Século XX, houve uma expansão do pensamento marxista, o que ajudou a divulgar a doutrina dialética. A terceira causa é o pensamento estruturalista que dominou também nessa época [com apogeu na Década de 60, identificando-se com a ideologia de protesto] e foi muito influenciado pelo anarquismo francês. A doutrina dialética, embora seja uma forma de determinismo causal, induz ao indeterminismo, o que satisfaz aos interesses anarquistas, pois, o constante "vir-a-ser" inevitavelmente induz a uma indeterminação. A segunda e a terceira causas são conseqüências do Romantismo.

Das várias acepções da palavra "dialética', vamos examinar apenas a "Dialética Idealista de Hegel" e a "materialista de Marx", por serem essas as formas que provocam esse mistifório no Movimento Espírita Brasileiro.

Hegel alegava que toda afirmação traz dentro de si sua negação, o que evidentemente resulta na negação da primeira afirmação, o que já se torna uma segunda afirmação, contendo dentro de si sua própria negação. Essa cosmovisão conduz necessariamente a um indeterminismo, pois nada pode ser definitivo, eliminando a possibilidade de uma determinação finalista dada por um Deus providente. Didaticamente essa teoria é apresentada como consistindo de tese [posição] que produz sua antítese [oposição]. A união dessas duas produz a síntese [composição] que é uma nova tese que produzirá sua antítese.

Marx não aceitou a forma idealista dessa teoria e forneceu-lhe uma explicação materialista. Não é justificável neste trabalho, explicarmos a distinção precisa entre essas duas formas de pensamento dialético. Basta que o leitor entenda que dialética resume-se didaticamente na seqüência infindável de tese, antítese e síntese.

Para exemplificar, faremos essa comparação. Os que aceitam o pensamento dialético, usam como prova a ascensão, apogeu e declínio de várias civilizações do passado. Essas civilizações ao se estabelecerem traziam dentro de si a sua "negação" ou "antítese", que a aniquilaria futuramente. Marx afirmava que o Capitalismo trazia dentro de si suas contradições, o que o destruiria. A LE 786 mostra o inverso. O nascimento, crescimento e declínio de uma civilização são providências de Deus - há um fator externo determinado-os - não há contradições internas. A LE 788 e EE 24.4 afirmam que os povos são individualidades coletivas, tendo uma infância, uma idade da madureza e uma decrepitude - nascem,crescem e morrem. Especificamente, em EE 24.4 é afirmado que cada coisa tem que vir em sua época própria, demonstrando que o aparente "vir-a-ser", que seria um indeterminismo, é, na verdade, um determinismo finalista [providencial]. Todo o Capítulo III do EE demonstra como a evolução dos mundos, onde reencarnam Espíritos, é determinada e não ocorrendo ao sabor do indeterminismo dialético. Portanto, a "contradição", a "antítese", vem do exterior, não está embutida na "tese", há uma determinação finalista [providencial] de um Deus providente.

Outro exemplo. A morte é a única coisa certa em nossas vidas. Até a velhice é duvidosa, pois podemos morrer antes de atingi-la. Depois que nascemos, não fazemos outra coisa se não caminharmos para morte. Essa realidade fatalista induziu alguns pensadores a tentar explicar essa inexorabilidade da morte pela dialética.

A vida traria dentro de si sua oposição que é a morte. Para a Doutrina, a essência é a vida espiritual. A passagem pela matéria é apenas um acidente. Aquilo que entendemos por "vida" [o período em que o Espírito está reencarnado na matéria] é o que é transitório, fugaz. Pelo contrário, a morte não é a negação da vida, mas sua continuação, ou, inversamente, a vida que é uma continuação temporária da erraticidade. A morte não existe para a Doutrina.

O que entendemos por morte física é apenas o cumprimento de uma etapa da longa vida de um Espírito. Quando o Espírito reencarna sua morte [desencarnação] já está determinada, cumprindo uma finalidade e não um "vir-a-ser" indeterminado.

Kardec chama esse determinismo de finalista de fatalidade, porque naquela época o binômio determinismo / indeterminismo ainda não estava desenvolvido pela Filosofia. Há uma explanação sobre o conceito de "fatalidade" da LE 851 à LE 867 e na LE 872 [p.400]. A doutrina dialética não admite autoridade externa aos fatos ou coisas, determinando-os.

Julgamos que não cabe qualquer visão dialética dentro do Espiritismo. Achamos que as opiniões citadas acima, podem decorrer da falta de conhecimento ou pela indução feita pelo pensamento moderno. Seria uma manifestação do "espírito da época" [Zeitgeist].



Victor Leonardo da Silva Chaves, Médico e Licenciado em Filosofia




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