Maria
Laura Viveiros de Castro Cavalcanti
> Vida e morte no Espiritismo kardecista
Este texto foi
originalmente apresentado no Seminário “Vida e Morte
nas tradições religiosas”, Unilasalle. Niterói,
06 de novembro de 2004.
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Nota introdutória
No começo dos anos 1980, quando pesquisei
o Espiritismo Kardecista (Cavalcanti 1983), essa religião emergia
na bibliografia então disponível no contexto de sua
proximidade com as religiões afro-brasileiras (Brown 1986;
Warren 1968 entre outros), bastante estudadas desde os primórdios
da reflexão sociológica no Brasil. Na interpretação
corrente na época (Camargo 1961), as religiões mediúnicas
(em especial, Kardecismo, Candomblé e Umbanda) integrariam
uma espécie de grande continuum que alinharia formas mais ou
menos ‘racionais’ e ‘conscientes’ de transe
mediúnico, comportamentos mais ou menos ‘emocionais’,
corpo doutrinário mais ou menos ‘ético’
ou ‘mágico’.
Acolhendo uma perspectiva analítica embasada em idéias
e conceitos da escola sociológica francesa (Durkheim 1968,
Durkheim e Mauss 1978, Lévi-Strauss 1976, 1993), meu livro
propunha, em contraposição, a visão do Espiritismo
como um sistema simbólico integrado, e dotado de uma cosmologia
e um sistema ritual característicos. Uma religião urbana
e letrada que se expandia discretamente entre as camadas médias
e cuja lógica interna exercia ativa pressão sobre a
incorporação de elementos provenientes de outras matrizes
religiosas.
Nos últimos vinte anos, o campo religioso brasileiro passou
por importantes transformações. No que se refere ao
Espiritismo, a bibliografia mais recente, em especial Stoll (2003)
e Lewgoy (2004), enfatizaram, cada um a seu modo, a dimensão
‘brasileira’ ou ‘catolicista’ que, com a marcante
influência do médium Chico Xavier, o Espiritismo teria
assumido ao longo da segunda metade do século XX. O Espiritismo
participaria assim de uma espécie de pendor sincrético,
com nítida hegemonia de uma matriz cultural católica,
que caracterizaria a formação de uma vertente importante
da atualidade da cultura brasileira.
Concordo em linhas gerais com esse argumento e integro à presente
reflexão sobre as concepções de morte e de vida
no Espiritismo, o diálogo com essa produção mais
recente. Acompanho, desse modo, a sugestão de Sanchis (1994)
de enfocar o velho problema do sincretismo situando analiticamente
o sistema religioso que serve como centro escolhido para o exercício
comparativo, uma espécie de ‘sistema de partida’
que operaria como um sistema-matriz que ressemantiza acréscimos
e empréstimos em suas relações com o ‘sistema
outro’.
Fonte: > Este texto foi originalmente
apresentado no Seminário “Vida e Morte nas tradições
religiosas”, Unilasalle. Niterói, 06 de novembro de
2004.
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