Por um instante, abracemos a lucidez e nos postemos
perante às vozes que ecoam vindas de diversas origens. Há
uma enxurrada. Grupos de todas as linhagens, associados ao instante
evolutivo da Terra, expressam sua espiritualidade através de
incorporações, canalizações, manifestações
que dão voz a um sem números de seres de outras dimensões,
outras galáxias, outras...
Todos postulam saberem das condições e potenciais do
primitivo ser humano e põem-se a orientá-lo para que
se prepare, para que se sincronize, para que entenda quem realmente
é, a fim de assumir sua condição de ser iluminado,
de anjo, de...
Sabemos, até onde pudemos investigar, que o ser humano sempre
foi dado a representações. É a forma que escolhemos
para representar o invisível e aproximá-lo o mais possível
da realidade, querendo torná-lo palpável, apreensível
à terceira dimensão.
O pânico e o desespero perante nossa ignorância do desconhecido,
levaram-nos a criar uma infinidade de religiões, filosofias
e ideologias. Ainda precisamos fervorosamente de um Pai, de um líder,
de um governante, de um guia que tenha as rédeas e norteie
nossa conduta. Que nos apazigue com a proteção. Que
nos dê a mão e nos leve a navegar na solidão desse
Universo frio e caótico. Um pai xamânico, um pai cristão,
um pai zen. Alguém que nos faça ter sentido. Que reúna
os mandamentos, que nos oriente e diga a direção a tomar.
Apesar disso, permanecemos desorientados. Tantas vozes e nada ecoa.
Tantas verdades que nos sentimos partidos. Tanto, que elegemos algo
que mora no etéreo e simboliza a união de tudo que supomos
elevado. Supomos que, em algum lugar lá fora, encontraremos
o paraíso.
É importante ressaltar o verbo “supor”. Da Bíblia
ao Alcorão, do oriental ao ocidental, por mais fieis que tenham
sido aqueles que transcreveram os livros sagrados, nada foi além
da suposição.
Supomos que Deus existe, supomos que existem anjos e seres iluminados
que escolheram tutorar ou adotar o ser humano. Supomos que existem
seres em outros planetas. Tudo que tange o espiritual vaga na esfera
da suposição. Mesmo alguém que incorpora ou canaliza
uma entidade está preso à dimensão de sua memória
e do seu sentir – um violão só sabe violar. O
sentir é uma propriedade dos receptores corporais, já
o sentimento ou a expressão do sentir é uma suposição
mimética moldada pelas informações culturais
do indivíduo. Ele só consegue expressar aquilo que conheceu.
Se ele, em um transe, ouve uma voz que lhe fala na mente, certamente
ele não dirá que foi Mashibitupara da dimensão
Cromera, mas dirá que foi Deus, Oxalá, Kryon, Arcanjo
Miguel ou uma infinidade de outros seres que fazem parte de nosso
inconsciente coletivo.
Se esses incorporadores ou canalizadores disserem que estão
acessando a memória do registro akáshico do planeta
e estão trazendo, através de si, uma consciência,
isso não terá o menor valor: as pessoas o olharão
como se estivessem olhando a um louco. Se, por outro lado, eles demonstrarem
que estão incorporando Exu ou canalizando o Arcanjo Miguel,
aí a coisa muda de figura. Algo no inconsciente das pessoas
faz brilhar uma luzinha e aquela representação ganha
sentido, ganha respeito. É verossímil às expectativas
memoriais. Acreditamos mais no Arcanjo Miguel do que no Seu Miguel
que mora na esquina. Seu Miguel é um de nós, limitado
como nós, cheio de problemas como nós. O que pode saber
o seu Miguel? Ao fechar os olhos, porém, seu Miguel se deixa
levar por umas tremelicações e seu timbre de voz ganha
outros contornos. Pode ter certeza, o Arcanjo Miguel tomou posse daquele
corpo e o está utilizando para trazer mensagens importantes
para os seres humanos, para seus filhos. Nós nos postamos humildes
e receptivos, devotos e admirados por termos alguém tão
elevado que, apesar de nossos descaminhos, ainda nos orienta, nos
perdoa e é capaz de dizer que somos seres iluminados. Seu Miguel
deixou de ser da esquina e passou a ser o Miguel que nos traz a voz
do Arcanjo.
Não é de estranhar que possam chamar essa dissertação
de cética, fruto de alguém que não possui fé,
de um ateu. Trata-se, contudo, justamente do oposto: é a fé
que desenha estas linhas.
Aqui, porém, não se trata de uma canalização
e não há nenhum ser soprando no meu ouvido estas palavras,
mesmo porque sou totalmente materialista, no sentido lato da palavra.
Mas também não é um saber meu, eu não
o possuo, egoicamente falando, mas o saber que flutua ao nosso redor
e no meu ser e vibram na ponta dos meus dedos. Não posso dizer
que sei como isso se dá, só ajo e singro.
O infinito espírito da consciência cósmica, veja
bem, aqui não falei Dele, de um Sujeito cósmico, mas
de uma consciência que se criou através das experiências
e que mantém um constante feedback com a criatura para poder
atualizá-la nos processos evolutivos. Esse espírito
de consciência encontra infindáveis vias para chegar
até nós e se utiliza dos códigos a que estamos
familiarizados para que possamos ouvir com a menor quantidade de defesas
possíveis. Uns se sentem mais familiarizados com Saint Germain,
outros com Preto Velho, mas o que importa é o que a consciência
nos retorna. São bocas diferentes ecoando a mesma voz. A voz
de tudo que já foi criado e nos alimenta com seu saber.
Isso me possibilita antever que o humano materialista, por mais religioso
ou esotérico que seja, está se preparando para o processo
de espiritualização, ou seja, está ascendendo
a um estágio mais sutil de sua condição: seu
corpo fluido de líquidos, composto pelos quatro elementos,
está evoluindo. Nós, dessa época, temos a graça
de presenciar essa transição.
Quero chamar a atenção, todavia, ao fato de que enquanto
vagamos pela transferência da representação damos
oportunidade para que forças desagregadoras ganhem espaço.
Veja bem, não rotulo de positivo, nem de negativo, apenas que
existem forças no Universo que são agregadoras e forças
que são desagregadoras. Há a fusão que dá
origem ao Sol e a fissão que dá origem a bomba atômica.
Ambos são explosão, só que um se alimenta de
si e o outro destrói e deixa estéril. Não há
nem mal nem bem nisso, só que não parece ser de nossa
natureza querermos nos extinguir.
Como existem pessoas bem estruturadas em seu ego, que são amáveis,
compassivas e estão disponíveis a servir a um bem maior,
também existem outras que possuem o ego ainda carente, necessitados
de reconhecimento, gananciosos e sedentos de poder. Os primeiros agregam,
os outros desagregam, faz parte de seu propósito dividir para
dominar. Sendo a representação uma transferência
que delega àquele ator a posse da “verdade” e sendo
ele alguém que está focado em interesses próprios
ou de um grupo, estará em sua natureza gerar leis, regras ou
degraus de iniciação para manter o controle e a posse
da vontade alheia.
Tanto a força agregadora como a desagregadora sempre existiram
e sempre existirão, e volto a dizer que não há
nem mal, nem bem em nenhuma delas. É a realidade do Universo.
Pensando, porém, nos degraus que viemos alcançando e
naquele que por hora estamos prestes a galgar, vem ao meu ser a possibilidade
de diferenciar o joio do trigo, não por hierarquia, mas por
propósito. E essa diferenciação deixará,
a olhos vistos, a que senhor cada um serve.
Todos nós somos capazes de tudo, mas cada um possui um dom,
uma aptidão. Todo mundo pega uma bola e sai jogando por aí,
mas alguns fazem disso uma arte, aprimoram e encantam. Como somos
dados à representação, fazemos deles, ídolos.
Todos nós temos capacidade sensitiva, mediúnica. Ao
silenciarmos, podemos perscrutar o invisível, mesmo porque
somos feito dele. Alguns, entretanto, têm uma frequência
tão maleável que podem vibrar em outras dimensões
e acessar a frequência dessa bruma energética que nos
envolve. Como somos dados à representação, chamamos
estes de médiuns, canalizadores, que acabam como gurus, só
pelo fato de serem mensageiros.
A esta bruma energética mencionada convencionamos chamar: mundo
dos espíritos. Lá está o arquivo de tudo que
já foi criado, tudo que inventamos e o infinito que podemos
inventar e criar. Não é só um arquivo; é
uma inteligência a que convencionamos chamar: Deus. A isso reconhecemos
como sagrado - os princípios essenciais que nos mantêm
existindo.
A espiritualidade, nesse ponto, roga para deixar de ser cativa das
religiões, grupos filosóficos ou esotéricos e
assumir-se como viveiro dos sentidos. Uma incubadora para aqueles
que percebem ter chegado a hora de ascenderem em suas vibrações
e estarem em comunhão com o espírito que os incita a
luzir. Daqueles que se aceitam parte e que participam. Nesse processo
de espiritualização, os mais sensitivos estarão
em par, desprovidos de qualquer representação, compartilhando
suas experiências, auxiliando para que todos possam estar afinados
na mesma linguagem, na mesma frequência. Aqui está o
diferencial: o exercício de sermos todos um.
Este momento é oportuno para que escolhamos se vamos assumir
a magnitude de nossa existência; ou se vamos optar pela sedução
das ilusões. Em que posição estaremos mais aptos
para sentirmos a hora em que tudo irá mudar? Estaremos olhando
para o próprio umbigo, o trem irá passar e seremos atropelados,
sem sequer podermos anotar a placa?
Quando esta vasta bibliografia, mídia e filmes falam dos escolhidos
acentuam a ideia daqueles que serão colhidos. Lá fora,
existe um ser ou seres, que, na hora devida, virão para recolher
os eleitos. Não sabemos dos critérios deles. Nesse espaço
vazio, as religiões, filosofias e corporações
determinam as regras de comportamento. O que sabem religiões,
filosofias e corporações do invisível senão
suposições? As religiões, no máximo, são
mensageiras e fazem uma representação do invisível
e chamam-no: a voz de Deus. Arrogam-se a posição de
pontífices – aqueles que fazem a ponte entre o sagrado
e o mundano. A consciência, todavia, evoluiu, e hoje sabemos
que o sagrado mora em cada átomo e em cada vazio de tudo que
há. Somos tão sagrados como os seres que vagueiam pelas
esferas etéreas.
Conscientes dessa nova dimensão, podemos dar um outro sentido
ao significante “escolhidos”: aqueles que sabem colher.
Colher o sutil, o amoroso. Colher da convivência sem disputa.
Colher da dor a aprendizagem, da queda o impulso para subir. Colher
desapego. Olhar cada ser que se debate em inconsciências, colher
compaixão e alimentá-lo com amor. Quem colhe se abre
para os ciclos. Sabe que existe a hora de arar, de jogar as sementes,
de regar, aguardar, aguardar, aguardar. Proteger dos insetos e das
ervas daninhas, aguardar, aguardar, aguardar. Esperar que o fruto
se assanhe e aguardar, aguardar, aguardar até que esteja maduro,
pronto para doar-se em sabor e prenhe da semente de uma nova era.
Quem colhe interage com o todo, sente-se parte, vibra junto.
Para vibrar junto, não pode estar separado, é claro,
mas existem muitas formas de estar junto e de estar separado. Aqui,
o essencial, é não distinguir eles de nós, mas
vivermos a clareza de que eles somos nós. Juntos. Arando, semeando,
aguando, aguardando e sorvendo o fruto. Frequências da mesma
inteligência. E que podem alçar de um estado a outro,
do sólido ao sutil. Do repouso à criação.
Do que sente ao que emana.
É hora de começarmos nossa conversa de seres espirituais
sem representantes ou representações. O presente, um
presente em ação. Sem ninguém que intermedeie
nossas emoções e ideias com o invisível. Cada
um, um cristal que brilha na sua cor e faz parte do brilho de todos.
Um aglomerado de ossos e carne, que alinhados, em crístico
cristal se realiza.