Tema muito interessante, para estudo, é a questão dos
agêneres.
Agêneres, no dizer do próprio Allan Kardec, quando comenta
sobre esse assunto em “O Livro dos Médiuns”,
capítulo VII, tópico 125, são criaturas que se
apresentam com toda a forma material, mas que não foram biologicamente
geradas, segundo o significado das raízes gregas da palavra,
“a” e “géine”.
Kardec informa que o fenômeno, por mais extraordinário
que possa parecer, não seria mais sobrenatural que outros estudados
em “O Livro dos Médiuns”.
Seria uma espécie de aparição tangível,
em que espíritos se revestem de forma física, aparentando
uma pessoa encarnada, sendo diferentes dessa apenas pelo fato de não
terem sido formados por fusão de espermatozóide e óvulo,
como ocorre segundo as leis da Biologia convencional. Em “A
Gênese”, capítulo XIV, tópico 36,
volta Kardec a falar dos agêneres. Na Revue Spirite, em diversas
ocasiões, Kardec discorre sobre eles.
Na verdade, após o advento
das materializações e seu estudo minucioso por parte
de diversos investigadores, não há dificuldade em se
entender o que seria um agênere e mesmo os mecanismos que norteiam
a sua aparição.
A questão dos agêneres
é muito curiosa para estudos, não só do ponto
de vista científico, envolvendo todas as complexas situações
que determinam a aglutinação dos fluidos necessários
á formação, em pouco tempo, de uma estrutura
praticamente idêntica ao corpo físico de um encarnado,
como também do ponto de vista histórico, uma vez que
aparições de agêneres são descritas pelas
escrituras e são objeto de relatos muito interessantes, inseridos
na literatura espírita. Podemos relacionar alguns, notáveis,
e que merecem registro e estudo.
O “Irmão X”,
pela psicografia de Chico Xavier, na obra “Lázaro Redivivo”,
no capítulo “A palavra do morto”, nos conta o famoso
episódio que se acha registrado no I livro de Samuel, capítulo
28, versículos de 7 a 15. Trata-se do encontro de Saul, rei
de Israel, com o profeta Samuel, então desencarnado, às
vésperas de importante batalha. “Irmão X”
narra que Saul, pressionado pela enorme responsabilidade do futuro
confronto, impacienta-se e acaba por recorrer a uma pitonisa (médium)
que moraria na localidade de En-Dor e frente à qual chega,
disfarçado, com a intenção de ouvir a palavra
do grande profeta que lhe fora instrutor na infância. É
evidente que se sabia, na ocasião, ser possível a comunicação
dos “vivos” com os “mortos”
e Saul não desconhecia tal fato. Diante da pitonisa, o disfarce
é descoberto e Saul, invocando sua autoridade de rei, ordena
que a médium lhe ponha em contato com Samuel. Instantes depois,
surge no recinto uma nuvem vaporosa, que dá forma ao profeta
Samuel, personificado num esplêndido agênere materializado!
Samuel não se apresenta mais, contudo, como imaginava Saul,
na arrogância e imponência de outrora, quando ostentava
as insígnias do “enviado de Jeová”, mas
simples, humilde e pobre, em sua nova situação espiritual.
O diálogo que se segue é significativo, quando o profeta
tenta convencer Saul a desistir da empreitada, deitar armas e reconciliar-se
com os filisteus. Como registra a história, Saul não
quis e marchou teimosamente, no dia seguinte, com seus batalhões,
rumo às experiências que a morte nos proporciona. Trata-se
de um dos mais notáveis casos de materialização
de agênere que a Bíblia registra.
Outro caso de agênere na Bíblia
que merece nossa atenção é o citado por Kardec
no capítulo XXVII, parágrafo 8 de “O Evangelho
Segundo o Espiritismo”, e também no capítulo XXV
da mesma obra, no parágrafo 5, ao mencionar o agênere
(“anjo”) que esteve com Tobias.
É importante alertar que nas edições mais populares
da Bíblia nada será encontrado sobre Tobias e o anjo,
pois nestas não há o “Livro de Tobias”.
Porém, a “Bíblia de Jerusalém”, uma
das mais completas e que é utilizada comumente como fonte de
pesquisa, insere no Velho Testamento “O Livro de Tobias”,
narrando em detalhes o interessante episódio envolvendo o agênere.
Conta “O Livro de Tobias” as peripécias do “anjo”
Rafael que, atendendo aos apelos de Tobias pai, acompanha Tobias filho
em sua perigosa viagem, protegendo-o, auxiliando-o em seu casamento,
livrando-o e à sua esposa de obsessores, impedindo que fosse
devorado por um enorme peixe e trazendo-o de volta, casado, são
e salvo, à casa do pai. Ao fim, recebendo ofertas de recompensas,
recusa todas, informando que Deus o enviara para ajudá-los
em função de merecimento e, pedindo que narrassem o
ocorrido para a posteridade, “desapareceu diante deles e eles
não o puderam ver mais” (Tobias, XII:21). Surpreendente,
não é mesmo, caro leitor, uma materialização
que se prolongou durante todo o período que a Espiritualidade
julgou necessário para que a família de Tobias pudesse
ser atendida nos seus merecimentos, é claro.
Notável, também, é
o episódio envolvendo Jan Huss, o líder
religioso tcheco, considerado precursor da Reforma, movimento que
pretendeu revigorar o cristianismo em seus princípios originais.
Quando Huss se achava preso e já próximo de perecer
numa fogueira, na cidade de Constança, em 1415, aconteceu o
interessante episódio com um agênere. Quem nos narra
esse comovente encontro é o consagrado J.W. Rochester, na obra
“Os Luminares Tchecos”, romance histórico
em torno das figuras de Jan Huss e Jerônimo de Praga. Huss,
para nós, espíritas, tem grande significado, pois presume-se
que tenha reencarnado, mais adiante, como, nem mais, nem menos, Allan
Kardec. O prefácio da obra descreve, com muita propriedade,
os argumentos e informações que respaldam a tese, bastante
coerente, de que Huss retornou como Kardec. Aliás, vai além,
quando revela uma outra personalidade que teria sido animada pelo
Espírito que viria a ser Kardec, o do centurião romano
Quirílius, que chegou a oferecer fuga a Jesus, quando este
se encontrava preso, proposta gentilmente recusada pelo Mestre, ao
revelar-lhe que “iria ainda ter a oportunidade de morrer por
Ele, porém no futuro...” O centurião mais tarde
converteu-se ao cristianismo e passou a ser o “pai João”,
retratado por Rochester na obra “Herculanum”.
Huss, em sua cela, próximo
da execução, ora fervorosamente e recebe uma graça
do Alto. Conforme descreve magistralmente Rochester, surge à
sua frente uma nuvem esbranquiçada, crepitando em faíscas,
iluminando a cela em tons levemente azulados, dando forma, materializada,
à figura alta de um homem em trajes clericais bizantinos, trazendo
nas mãos uma cruz e um evangelho. Huss indaga de quem se trata
e o agênere informa ser “aquele que primeiro trouxe a
luz divina do Evangelho à sua pátria ( República
Tcheca) e cujos restos descansam em Velegrad.” Em seguida, o
agênere recomenda a Huss muita firmeza perante a morte próxima,
prometendo ajuda permanente e as recompensas da vida espiritual. Na
verdade, o agênere materializado referiu-se à cidade
de Velehrad, situada na Moravia, atual República Tcheca, que
guarda o túmulo daquele que chamou-se Metódio. Metódio
e Cirilo, seu irmão, são hoje considerados patronos,
ao lado de Bento, da Europa. Conta-se que o cristianismo penetrou
na Europa Central no século VIII, mas desenvolveu-se mesmo
com a ida à região, em 863, de dois irmãos religiosos
provenientes da cidade greco-bizantina de Tessalônica: Cirilo
e Metódio. Tiveram ampla atuação na evangelização
das populações locais. Cirilo teria criado o alfabeto
cirílico. Cirilo, contudo, antes denominado Constantino, veio
a falecer em Roma, em 869 e seus despojos carnais descansam na igreja
de São Clemente, nessa cidade. Metódio retornou à
Morávia no mesmo ano e atuou intensamente, até desencarnar
em 6 de abril de 885, estando seus restos mortais sepultados em Velegrad
ou, mais exatamente, Velehrad. O agênere que se manifestou a
Huss na cadeia foi, portanto, Metódio. Por causa de sua origem,
trajava vestes clericais bizantinas, de onde se originava.
Por último, não podemos
deixar de registrar o provável encontro com um agênere
ocorrido com o nosso conhecido Bezerra de Menezes
e destacado por seus biógrafos. Os anos de estudo no Rio de
Janeiro, na Faculdade de Medicina (atual UFRJ) foram muito difíceis
para Bezerra, que freqüentemente recorria ao expediente de dar
aulas para ajudar nas despesas. Numa ocasião, Bezerra não
sabia mais o que fazer perante o problema do pagamento de taxas da
Faculdade e despesas com a pensão onde morava, estando em risco
de ser despejado. Desesperado, orou fervorosamente e apelou para Deus.
Não demorou muito e um jovem bateu-lhe à porta. Desejava
tratar aulas de matemática. A princípio Bezerra, a contragosto,
tentou recusar, pois matemática não era disciplina muito
de seu gosto. O candidato insistiu, pois estava muito necessitado
e Bezerra, lembrando-se então de sua situação
periclitante, resolveu dar as aulas, pedindo um tempo para se preparar.
Surpreendentemente, o aluno ofereceu pagar tudo adiantado, alegando
que, assim, corria menos risco de esbanjar os recursos, provenientes
de mesada. Com muita relutância, Bezerra acabou concordando,
acertando dia e horário de início das aulas. Com a quantia,
Bezerra pagou as taxas da Faculdade e quitou o aluguel. Depois, embrenhou-se
na biblioteca, preparando-se para as aulas de matemática....
que nunca aconteceram, pois o estudante não mais apareceu...
Era, provavelmente, um agênere, de quem Bezerra recebeu providencial
auxílio.