Thamiris Magalhães entrevista Leonildo
Silveira Campos
Os evangélicos não determinados talvez
sejam uma expressão dos “desigrejados” que nos
EUA ou Europa são muitos, nestes tempos de individualismo
e de formação de um rebanho virtual, explica Leonildo
Silveira Campos.
Ao analisar o perfil dos praticantes da Igreja Universal
do Reino de Deus – IURD, o professor titular da Universidade
Metodista de São Paulo – Umesp, Leonildo
Silveira Campos, em entrevista concedida por e-mail
à IHU On-Line, conta que as pessoas atraídas pela
pregação da IURD não aparentam ser de classes
sociais paupérrimas. “Os muito pobres são mais
facilmente atingidos pela pregação dos milagres e
prodígios. Esses estão fora de esforços que
resultem de um processo de planejamento das atividades cotidianas.
Eles levam uma vida tão dura, que somente um milagre resolve.
Nesse sentido, a Igreja Mundial, Igreja do Evangelho Quadrangular
ou a Deus é Amor levam vantagem nessas camadas sociais mais
pobres onde a IURD perde a competitividade”.
Em relação ao futuro da religião
evangélica, com o surgimento e fortalecimento das mídias
digitais, com os cultos e práticas religiosas podendo ser
realizados cada vez mais pela internet, Leonildo avalia que há
um crescente número de evangélicos que não
mais se adapta às estruturas burocráticas (que exigem
arrecadação de dízimos e ofertas) e preferem
limitar a frequência aos cultos a alguns dias por ano, aumentando
a prática do lazer, ou até fazendo parte do que temos
chamado de “paróquia virtual”, praticando uma
religiosidade evangélica na rede mundial de computadores.
“Como prova disso, aumenta o número de igrejas que
transmitem seus cultos pela internet, chegando os pastores ao agradecimento
pelas visitas presenciais e invocando uma bênção
especial para os que acompanham o culto virtualmente”.
Leonildo Silveira Campos é graduado em Filosofia
pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mogi das
Cruzes, e em Teologia pela Igreja Presbiteriana Independente do
Brasil. Seu mestrado e doutorado foram realizados na Universidade
Metodista de São Paulo – Umesp, com a tese Teatro,
templo e mercado: uma análise da organização,
rituais, marketing e eficácia comunicativa de um empreendimento
neopentecostal – a Igreja Universal do Reino de Deus (Petrópolis:
Vozes, 1997). Atualmente é professor titular da Universidade
Metodista de São Paulo, Faculdade de Humanidades e Direito,
lecionando no Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião, e como professor convidado, na
Faculdade de Teologia de São Paulo da Igreja Presbiteriana
Independente do Brasil.
Confira a entrevista
IHU On-Line – A Igreja Universal perdeu 10%
dos fiéis na última década. Essa perda está
relacionada com que fatores?
Leonildo Silveira Campos – Os números
indicam que a Igreja Universal do Reino de Deus – IURD perdeu
11% de seus fiéis ao longo da década. Os evangélicos
tradicionais perderam desta vez só 0,1% e a Igreja Católica
caiu do patamar dos 73,6% para o de 64,6% da população
brasileira. Os evangélicos atingiram o patamar dos 22,2%. Entre
os que mais cresceram estão a Assembleia de Deus, 46,4%; a
Igreja do Evangelho Quadrangular, 38,5%; e a Igreja Pentecostal Deus
é Amor, 9,2%. A Assembleia de Deus ganhou 3,8 milhões
de novos fiéis na década, o que representa um total
de 1.082 novos fiéis por dia, durante 10 anos.
Indagações
Por sua vez, há igrejas pentecostais que não
cresceram. Entre elas está a Congregação Cristã
no Brasil, que caiu 8%. Há uma questão interessante
e pouco discutida: Por que há pentecostais que cresceram enquanto
outros perderam força? Que tipo de mensagem atrai fiéis
de um grupo e os afasta de outros? Por quais motivos esse significativo
número de pessoas deixou a IURD? Para que grupo ela está
doando fiéis? Ela estaria alimentando outras denominações
pentecostais, a majoritária Assembleia de Deus? Ou as pessoas
estão procurando igrejas pentecostais menores onde há
um espaço social mais favorável para uma maior experiência
comunitária? É possível também que todos
esses fatores influenciem nesse trânsito. Porém, não
se pode descartar que o pluralismo, a diversidade e a competitividade
interna no pentecostalismo estimulam a disputa por fiéis, mesmo
entre os que dizem ser a experiência com o Espírito Santo
um fator de unidade.
Igrejas “clones”
Deve-se ressaltar também o aparecimento do
que Marion Aubree (pesquisadora francesa) chamou de “igrejas
clones da Universal”. Isto é, ao longo de 35 anos de
uma história marcada por sucesso numérico, essa Igreja,
que trouxe significativas adaptações ao pentecostalismo
dentro de um quadro marcado pela globalização, pluralismo
e diversidade do campo religioso, experimenta hoje o ataque externo
provocado por novos movimentos neopentecostais que a imitam. Entre
outras, a de maior sucesso é a Igreja Mundial do Poder de Deus
– IMPD, fundada pelo ex-bispo iurdiano Valdemiro Santiago. Porém,
já nos primeiros anos de história da IURD, surgiu a
Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada pelo cunhado
do bispo Edir Macedo, um dos iniciadores da IURD. Com a saída
dos demais empreendedores iniciais, Macedo ficou sozinho à
frente do próspero empreendimento. Muitas das estratégias
da Universal foram copiadas por esses novos empreendedores que foram
acrescentando mais algumas características e adaptações
julgadas necessárias para o continuado sucesso da fórmula
herdada. O crescimento desses concorrentes, assim como a possível
ascensão socioeconômica da classe C, encontra nas condições
favoráveis de vida outras saídas além da busca
do exorcismo e da prosperidade. É possível ainda que
tenha aumentado o número dos que se sentem “decepcionados”
com as promessas alicerçadas em estratégias publicitárias
e marqueteiras. O aparecimento de produtos mais em conta no mercado
e de ofertas mais vantajosas pode estar influenciando mais pessoas
que as análises acadêmicas pressupõem.
IHU On-Line – Qual a peculiaridade e as principais
características da IURD que a diferencia das demais religiões?
Leonildo Silveira Campos – Ao
longo de sua história, a IURD construiu um império mediático
que lhe fornece pontes para uma comunicação rápida,
unificada e eficiente com a sua clientela. Há ainda uma rede
capilar de templos, cobrindo quase que inteiramente a América
Latina, partes da África e Europa. No entanto, essa expansão
exigiu que a IURD se tornasse mais flexível e inclusiva com
relação às culturas locais. As suas campanhas
especiais, e muitas vezes a nomenclatura dos locais de cultos e formas
de atividades, geram nas pessoas um sentimento de que, mesmo abandonando
seus cultos católicos, mágico-indígenas ou africanos,
eles continuam habitando o mesmo universo de sentido. A IURD conseguiu
levar vantagem sobre as demais por ter optado e trabalhado a partir
dos desejos e sonhos de uma vasta parcela da sociedade contemporânea.
Enquanto isso, ela oferece produtos simbólicos “remasterizados”,
dissimulando a ideia de ruptura, trocando-a por uma aparente continuidade
com as culturas locais. Estaria a fórmula desenvolvida por
Edir Macedo caindo no domínio público, tornando a sua
Igreja vítima de suas próprias estratégias de
um marketing de guerra?
IHU On-Line – Qual o perfil
dos praticantes da Igreja Universal?
Leonildo Silveira Campos – As pessoas atraídas
pela pregação da IURD não aparentam ser de classes
sociais paupérrimas. Os muito pobres são mais facilmente
atingidos pela pregação dos milagres e prodígios.
Esses estão fora de esforços que resultem de um processo
de planejamento das atividades cotidianas. Eles levam uma vida tão
dura, que somente um milagre resolve. Nesse sentido, a Igreja Mundial,
Igreja do Evangelho Quadrangular ou a Deus é Amor levam vantagem
nessas camadas sociais mais pobres onde a IURD perde a competitividade.
IHU On-Line – A que se deve o sucesso de empreendimento
da IURD? Quantos templos existem atualmente no Brasil?
Leonildo Silveira Campos – A IURD sempre escolheu
o lugar para os seus templos: em corredores de passagem, próximos
a estações de ônibus, de trem ou de metrô.
Nos seus primeiros 20 anos, o número de pequenos e médios
templos era grande. Havia uma maior capilaridade, incluindo-se os
interiores dos bairros. Nos últimos 10 ou 15 anos, a IURD passou
a construir enormes catedrais, cujos nomes vão desde a “Catedral
da Fé” até o nome bíblico do lugar onde
os cristãos se reuniam em Jerusalém – cenáculo
ou aposento alto – chamados em seus programas televisivos de
“Cenáculos do Espírito Santo”.
Cenáculo, templo e catedrais
Nos depoimentos, possivelmente editados,
poucos dizem que a vida melhorou após frequentarem a Igreja
Universal ou irem ao templo. Elas dizem com facilidade muito grande
(como se não houvesse um calejar dos vocábulos anteriores)
que a vida melhorou depois que passaram a frequentar os Congressos
Financeiros no Cenáculo do Espírito Santo. Em São
Paulo, está sendo construída uma réplica idealizada
do templo de Salomão. A questão será, caso um
dia o crescimento explosivo dos anos 1990 diminua, o que fazer com
tantos imóveis tão grandes como os que estão
sendo construídos. Quanto às catedrais, o ajuntamento
deve ter criado a ilusão de crescimento numérico, com
a correspondente queda nos gastos de aluguel, imposto predial, gastos
com a manutenção de recursos humanos e de material necessário
para o funcionamento de milhares de pequenos e médios templos.
Realmente houve um crescimento explosivo
de evangélicos na década terminada em 2010. Mas o pentecostalismo
que mais cresceu mesmo foi o da Assembleia de Deus e das que o Censo
classificou como “outras igrejas de origem pentecostal”,
que saltaram dos 1,84 milhão (2000) para 5,26 milhões
(2010).
IHU On-Line – Os números
do Censo 2010 mostram a explosão de fiéis que se dizem
apenas evangélicos, mas não estão vinculados
a nenhuma igreja. O que esse dado revela?
Leonildo Silveira Campos – O aparecimento de
uma nova categoria, “evangélicos sem igreja” ou
os “evangélicos não determinados”, foi uma
novidade que já havia se manifestado em pesquisas anteriores,
como a de 2009 (POF), que tomou por base os números da pesquisa
dos orçamentos familiares. Esses “evangélicos
não determinados” chegaram ao índice de 4,8%,
acima dos 4% dos evangélicos de missão (ou tradicionais),
porém, abaixo dos pentecostais, 13,3%.
Ricardo Mariano (Folha de
S. Paulo, 30-06-12) apontou corretamente que “o inchaço
da categoria evangélica não determinada reduzir artificialmente
o crescimento pentecostal”. É possível que uma
boa parcela desses evangélicos não determinados tenha
práticas carismáticas ou pentecostais.
“Paróquia virtual”
Porém, há um crescente número
de evangélicos que não mais se adapta às estruturas
burocráticas (que exigem arrecadação de dízimos
e ofertas) e preferem limitar a frequência aos cultos a alguns
dias por ano, aumentando a prática do lazer, ou até
fazendo parte do que temos chamado de “paróquia virtual”,
praticando uma religiosidade evangélica na rede mundial de
computadores. Como prova disso, aumenta o número de igrejas
que transmitem seus cultos pela internet, chegando os pastores ao
agradecimento pelas visitas presenciais e invocando uma bênção
especial para os que acompanham o culto virtualmente. Talvez esses
evangélicos não determinados sejam uma expressão
dos “desigrejados” que nos EUA ou Europa são muitos,
nestes tempos de individualismo e de formação de um
rebanho virtual.