Graziela Wolfart e Márcia Junges
entrevista Leonildo Silveira Campos
Para Leonildo Silveira Campos, a Igreja Universal
do Reino de Deus escapa às tentativas tradicionais de enquadramento
e compreensão de fenômenos culturais e religiosos em
geral.
“O sucesso nacional e internacional da IURD
é inegável. É uma instituição
com pouco mais de 30 anos (fundada em 1977), que atrai, para seus
cultos, cerca de três milhões de pessoas, em uma estimativa
considerada bastante baixa, e movimenta por volta de um bilhão
de reais por ano em arrecadação. O sucesso da IURD
dentro do campo religioso se deve a sua facilidade em atrair pessoas
que percebem os seus lugares de culto como espaços de teatralização,
de ritualização e de troca de dinheiro por bens simbólicos”.
A explicação é do professor Leonildo Silveira
Campos. Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por
e-mail, ele explica por que usa três metáforas para
definir a Igreja Universal do Reino de Deus: “A partir da
ideia de metáforas, pudemos imaginar a IURD, em primeiro
lugar, como um ‘teatro’, pois, nela, há um processo
de dramatização da religião, do qual as cenas
de cura e de exorcismo são excelentes exemplos. Em segundo
lugar, esse espaço foi visto como um ‘templo’,
pois, ao contrário do que pensam os seus críticos,
o espaço de culto da IURD é um cenário próprio
para ritos religiosos, que geram emoções e práticas,
as quais ultrapassam as relações entre mágico
e clientela. Finalmente, usamos a metáfora do ‘mercado’
(...) para designar o espaço de culto iurdiano como um espaço
em que trocas estão acontecendo, onde o monopólio
católico, protestante tradicional e pentecostal, está
sendo objeto de novas regras oriundas do pluralismo religioso”.
Na visão de Leonildo, “o fenômeno
Igreja Universal do Reino de Deus seria impossível sem o
surgimento do moderno mercado, do círculo de consumidores,
do estabelecimento de uma perfeita ligação entre produtores
e consumidores ao redor de uma linguagem exteriorizada pelos meios
de comunicação de massa. Nessa Igreja, a velha fórmula
catolicismo-protestantismo-pentecostalismo, de séculos de
sucesso, é ultrapassada por um empreendimento dinâmico
e, ao mesmo tempo, flexível, tal como o capitalismo liberal
espera para os operadores no grande mercado dos bens religiosos”.
Leonildo Silveira Campos é graduado em Filosofia
pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mogi das
Cruzes, e em Teologia pela Igreja Presbiteriana Independente do
Brasil. Seu mestrado e doutorado foram realizados na Universidade
Metodista de São Paulo – Umesp, com a tese Teatro,
templo e mercado: uma análise da organização,
rituais, marketing e eficácia comunicativa de um empreendimento
neopentecostal – a Igreja Universal do Reino de Deus
(Petrópolis: Vozes, 1997). Atualmente é professor
titular da Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade
de Humanidades e Direito, lecionando no Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Religião, e como professor convidado,
na Faculdade de Teologia de São Paulo da Igreja Presbiteriana
Independente do Brasil.
Confira a entrevista
IHU On-Line - Por que a Igreja Universal é,
ao mesmo tempo, “teatro”, “templo” e “mercado”?
Leonildo Silveira Campos - Ao preparar a minha tese
de doutoramento sobre a Igreja Universal do Reino de Deus (1996),
que se transformou em livro (publicado em coedição da
Editora Vozes, Simpósio e Editora da Umesp) no ano seguinte,
senti a necessidade de trabalhar com algumas metáforas para
falar de algo que eu ainda considero ser de difícil classificação.
Isto porque a IURD escapa às tentativas tradicionais de enquadramento
e compreensão de fenômenos culturais e religiosos em
geral. Por exemplo, se usarmos o critério de Weber-Troeltsch
, que separa os fenômenos em “igreja” e “seita”,
a rigor, a IURD tanto é uma coisa como outra. Se fôssemos
manter a separação tradicional entre religião
e comércio, fé e negócio, ou organização
religiosa e empresa produtora e distribuidora de bens, também
a IURD poderia se encaixar em todas elas. Optei em minhas pesquisas
pelo termo “empreendimento religioso”, evitando-se assim
os enquadramentos tradicionalmente aplicados às organizações
religiosas-comerciais.
Quando do preparo de minha tese, o
Prof. Antonio Gouvêa Mendonça (1922-2007), meu orientador,
tinha enormes resistências em considerar tais agrupamentos de
pessoas em busca de milagres, sinais, prodígios ou atos mágicos
(segundo ele) como “igrejas” ou “comunidades cristãs”.
Para Mendonça, os movimentos religiosos que ofereciam tais
artefatos culturais, poderiam ser enquadrados com sucesso por meio
da expressão “sindicato de mágicos”, até
porque a relação entre as pessoas e as lideranças
passava pelas relações utilitaristas e monetaristas.
Para ele, a IURD não estava conseguindo criar comunidades de
fé.
Quando terminei as pesquisas que resultaram
no livro Teatro, templo e mercado (1996), até onde eu sei somente
duas dissertações de mestrado tinham sido apresentadas
sobre a IURD: a de Christina de Rezende Rubim, “A teologia da
opressão” (Unicamp, 1991) e a dissertação
de Ricardo Mariano, “Neopentecostais: o pentecostalismo está
mudando”, (USP, 1995). A minha tese de doutorado foi a primeira
a respeito da IURD. Hoje, entre dissertações e teses,
temos cerca de 100 trabalhos acadêmicos, dezenas de livros e
centenas de artigos. Mesmo assim, a IURD continua despertando interesse
dos pesquisadores situados ou não na academia.
Porém, a minha hipótese,
diferente de meu orientador e interlocutor, era que a IURD exigia
do analista um passo adiante e que, em momentos como esses, em que
se espera avanço de conhecimento sobre um objeto ainda pouco
pesquisado na academia, somente podem ser palmilhados caminhos sinalizados
por metáforas. A inspiração veio de Gareth Morgan
(Imagens da organização, Atlas) que propôs a “utilização
das metáforas para ler e compreender as organizações”.
Apostei nessa linha e percebo hoje que tais metáforas conseguiram
concretizar o que pensávamos a respeito dessa nova Igreja.
A partir da ideia de metáforas,
pudemos imaginar a IURD, em primeiro lugar, como um “teatro”,
pois, nela, há um processo de dramatização da
religião, do qual as cenas de cura e de exorcismo são
excelentes exemplos. Em segundo lugar, esse espaço foi visto
como um “templo”, pois, ao contrário do que pensam
os seus críticos, o espaço de culto da IURD é
um cenário próprio para ritos religiosos, que geram
emoções e práticas, as quais ultrapassam as relações
entre mágico e clientela. Finalmente, usamos a metáfora
do “mercado”. Esta última precisou de explicações,
dado o caráter preconceituoso que esse termo pode assumir ao
se aplicar a um espaço religioso. Contudo, ao analisá-la
como um mercado, quisemos designar o espaço de culto iurdiano
como um espaço em que trocas estão acontecendo, onde
o monopólio católico, protestante tradicional e pentecostal,
está sendo objeto de novas regras oriundas do pluralismo religioso.
A IURD assumiu com clareza que, em
um ambiente competitivo, onde há defasagem entre a demanda
e os produtores tradicionais, a melhor resposta seria assumir de uma
vez por todas as chamadas “leis do mercado”. Edir Macedo
colocou em prática, dentro de uma teoria muito próxima
da “escolha racional” proposta por Rodney Stark e W.S.Bainbridge
(Teoria da religião), que a religião no sistema capitalista
pode operar com sucesso, e o faz muito bem, usando, para isso, os
mecanismos propostos pela lei da oferta e da procura.
IHU On-Line - Que razões
fazem dessa religião um fenômeno sociológico importante?
Leonildo Silveira Campos - O sucesso nacional e internacional
da IURD é inegável. É uma instituição
com pouco mais de 30 anos (fundada em 1977), que atrai, para seus
cultos, cerca de três milhões de pessoas, em uma estimativa
considerada bastante baixa, e movimenta por volta de um bilhão
de reais por ano em arrecadação. O sucesso da IURD dentro
do campo religioso se deve a sua facilidade em atrair pessoas que
percebem os seus lugares de culto como espaços de teatralização,
de ritualização e de troca de dinheiro por bens simbólicos.
A sua ação é tida por milhares deles como eficiente
e eficaz para resolver os problemas práticos da vida cotidiana
que afeta uma boa parte da população brasileira, tais
como: doença, desemprego, conflitos pessoais e grupais, e assim
por diante. Sociologicamente, a IURD oferece uma filosofia da prosperidade
com um forte lastro religioso. Como instituição, ela
é percebida, pelo menos nos depoimentos midiáticos dos
que tiveram sucesso, como uma Igreja que oferece bons resultados e
que justificam aos olhos deles a relação entre custo-e-benefício.
A sua presença na mídia levou a uma estratégia
de se tornar um império de comunicação social.
Dezenas de estações de rádio e de televisão
são de sua propriedade. Um eficiente esquema de eleição
de deputados estaduais, federais e até de senador, conseguiu
uma visibilidade tão significativa que até mesmo o atual
vice-presidente da República é um de seus simpatizantes.
Milhares de pessoas atestam que a sua autoestima e esperança
de vida melhoraram ao manterem contato com o “teatro”,
“templo” e “mercado”.
IHU On-Line - Em termos religiosos, qual é
a expressão da IURD no neopentecostalismo brasileiro?
Leonildo Silveira Campos - O termo “neopentecostalismo”
ainda se refere a uma realidade sociológica não tão
bem definida como os cientistas sociais da religião gostariam.
Isto porque, até que ponto a IURD é uma expressão
novidadeira da religião cristã (católica, protestante
e pentecostal)? Se analisada do ponto de vista da ruptura com tradições
religiosas anteriores, a IURD possui vários traços que
sugerem ser ela uma nova expressão do pentecostalismo “clássico”
(surgido nos EUA, no início do século XX). Porém,
ela também apresenta uma notável continuidade com formas
mágicas e de religiosidades populares presentes no catolicismo
popular, nos cultos afro-brasileiros, no kardecismo, e até
em certas expressões do protestantismo tradicional. Essa face
da IURD levou alguns a pensar que se trata de uma manifestação
religiosa pós-protestante e pós-pentecostal.
Todavia, não se pode negar que, após
o surgimento da IURD, outros grupos, chamados muito apropriadamente
de “igrejas clones” pela pesquisadora francesa Marion
Aubree, operam com a mesma fórmula e ingredientes que deram
fama para a Igreja Universal do Reino de Deus. Entre elas temos a
Igreja Apostólica Renascer em Cristo, a Igreja Internacional
da Graça de Deus e, mais recentemente, uma que concorre com
a IURD diretamente na área dos milagres – a Igreja Mundial
do Poder de Deus. Pelo menos as duas últimas resultaram de
propostas religiosas nascidas no interior da IURD, cujos empreendedores
simplesmente modificaram a fórmula em alguns pontos e continuaram
pregando sinais miraculosos e prodígios, sempre por meio da
televisão. A IURD trouxe, para o espaço do pentecostalismo,
a competição acirrada, portanto, uma nova dinâmica
na disputa por fiéis, competitividade essa dinamizada pelo
emprego maciço da mídia, alavancada pelo sucesso do
caixa único de contribuições.
IHU On-Line - Quais motivos fazem a IURD ser, também,
um fenômeno empresarial?
Leonildo Silveira Campos - Tenho trabalhado com a
hipótese de que Edir Macedo é um gênio empreendedor.
Há especialistas nos estudos organizacionais, como Thomas Wood
Jr., professor na Fundação Getúlio Vargas, que,
em diálogo conosco, e que aparece em um de seus livros, chamou
o Bispo Edir Macedo de “fundador de uma escola macediana de
gestão”. Ele conseguiu, ao optar por um caixa único,
em que os recursos estão à disposição
de uma autoridade única, em um sistema episcopal e vertical
de poder. Dessa maneira, Macedo criou um corpo administrativo capilar,
uma rede de subordinados, que reúne bispos, pastores, obreiros
e obreiras, que, a partir de templos espalhados por todo o Brasil
e em dezenas de países, fazem fluir as contribuições
em dinheiro diretamente para um único controle. Com isso, Macedo
consegue o que nem a Rede Globo de Televisão consegue, que
é investir recursos em seus empreendimentos que não
custam um centavo sequer de juros, pois, não há financiamento.
Os recursos do templo (arrecadados sem impostos) fluem para os demais
empreendimentos, especialmente, os investimentos na área de
comunicação social. Somente um dos empreendimentos,
cujas ações estão em nome de Macedo e de sua
mulher, a Rede Record de Televisão, é avaliada em três
bilhões de reais.
IHU On-Line - A que tipo de estratégias de
marketing a IURD recorre? Qual é o seu sucesso nessa iniciativa?
Leonildo Silveira Campos - Aqui estamos, novamente,
abordando um tema capaz de explicar parcialmente o sucesso da IURD
na atração de adeptos nos últimos 30 anos. Podemos
começar com a sua forma peculiar de fazer propaganda ou, como
alguns preferem falar, fazer publicidade de seus “produtos religiosos”.
Nas estratégias dessa Igreja/Empreendimento, sua ação
é racionalmente calculada e planejada. Raramente Macedo agiu
na história de sua Igreja por ensaio-erro. Gostem ou não
seus inimigos, adversários ou concorrentes, Macedo parte de
uma espécie de pesquisa de mercado. Sua organização
tem um faro voltado para os anseios, sonhos e desejos de um público
ávido por soluções práticas para seus
problemas. Porém, Macedo superou a fase dos empreendedores
religiosos que colocavam à disposição dos “consumidores”
produtos simbólicos (curas, milagres, prodígios e soluções
religiosas) já “fabricados”, empilhados em prateleiras
cobertas de poeira da tradição. Muito pelo contrário,
o Bispo carioca acompanha a evolução dos desejos, a
trajetória dos sonhos, e rapidamente adapta a sua linha de
produtos, ou produz novos produtos, para um rápido atendimento
da demanda. Suas decisões são rápidas, e a um
produto religioso “genérico”, ele produz uma nova
roupagem, de modo que os fiéis oriundos do catolicismo, dos
cultos africanos, kardecistas ou mesmo do meio protestante, sentem-se
cativados e identificam nos “novos” antigos “produtos”
que, em outros centros religiosos, não eram adequadamente distribuídos
ou gerenciados.
Portanto, graças a uma maior sintonia entre
produtor e consumidor, a demanda é satisfeita. A propaganda
de sua Igreja se fundamenta na antiga fórmula: “o freguês
sempre em primeiro lugar”. Em outras palavras, toda a autoridade
é dada ao cliente e às suas exigências, e não
mais ao que tradicionalmente as hierarquias e tradições
religiosas ofertaram ao longo de dois mil anos de história
do cristianismo. Sem dúvida, o fenômeno Igreja Universal
do Reino de Deus seria impossível sem o surgimento do moderno
mercado, do círculo de consumidores, do estabelecimento de
uma perfeita ligação entre produtores e consumidores
ao redor de uma linguagem exteriorizada pelos meios de comunicação
de massa. Nessa Igreja, a velha fórmula catolicismo-protestantismo-pentecostalismo,
de séculos de sucesso, é ultrapassada por um empreendimento
dinâmico e, ao mesmo tempo, flexível, tal como o capitalismo
liberal espera para os operadores no grande mercado dos bens religiosos.
IHU On-Line - Por que a mídia normalmente
se refere com preconceito à IURD?
Leonildo Silveira Campos - É curioso que o
movimento pentecostal, quando surgiu publicamente nos EUA, recebeu
uma forte dose de críticas por parte dos jornais da época.
Os fenômenos que aconteciam no velho templo da Rua Azuza, em
Los Angeles, eram descritos com muita ironia, como se estivessem falando
de velhas e ridículas práticas religiosas. Neste sentido,
o pentecostalismo sempre foi notícia por parte da mídia
sensacionalista. Por outro lado, o seu rápido crescimento entre
a população negra, pobre e imigrante nos EUA, em oposição
a outras religiões encasteladas nas camadas sociais mais altas,
reforçou os mecanismos formadores de preconceitos antipentecostais.
No Brasil, no entanto, o neopentecostalismo iurdiano, 12 anos depois
de sua fundação no Rio de Janeiro, era descrito em órgãos
da imprensa paulista como se fosse uma desconhecida seita carioca.
Todavia, já no ano seguinte, após a compra da quase-falida
Rede Record de Televisão, a IURD começa a afetar os
interesses hegemônicos dos donos da mídia televisiva
no país. Imaginemos o risco: um “fanático”
(nem tanto assim) religioso, de posse do mais moderno modelador do
imaginário coletivo brasileiro e fabricante de mitos –
a televisão – com um notável apetite político.
Além do mais, como ficou comprovado, um competidor com acesso
a recursos gratuitos, quando seus concorrentes precisam pagar juros
a bancos, mesmo que sejam subsidiados para o BNDE, por exemplo.
Trabalho com a suspeita de que a origem do preconceito
contra a IURD se deve às disputas pelo controle dessa fábrica
de mitos, de sonhos e de ilusões, e pelo controle do imaginário
coletivo. Os riscos políticos, não somente do Rio de
Janeiro, são enormes, especialmente quando a IURD, por meio
de Edir Macedo, amplia suas conquistas na televisão, na Internet
e na mídia impressa. Por outro lado, antigos agentes religiosos,
em especial a Igreja Católica, é afetada diretamente
pela concorrência da IURD. Talvez, somente o crescimento do
Movimento de Renovação Carismática e a sua presença
já significativa na mídia poderão afastar o risco
do Brasil deixar de ser o maior País católico do mundo
para ser o que já é, o maior país pentecostal
do mundo.