O médium Calixto iniciou a tarefa
com verdadeira compreensão da responsabilidade que lhe competia.
Criatura simples e de coração voltado para o dever,
recebia as páginas dos mensageiros espirituais com a infantilidade
do menino de boa índole que recebe um recado para transmitir,
obediente e humilde.
Vestia-se pobremente e, nos pés, não exibia outro calçado
que não fossem tamancos rústicos.
Recebendo-lhe, contudo, os trabalhos que psicografava, a maioria dos
entendidos proclamavam sem rebuliços:
- É um ignorantão! Não conjuga cinco palavras
com acerto. Puro jogral de espertalhões do mundo livresco,
a serviço de fanáticos do espiritismo.
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Humilhado pelos repetidos insultos,
Calixto mobilizou as próprias necessidades, de modo a diminuir
os sarcasmos que, a propósito dele, se atiravam à Consoladora
Doutrina de que se fizera pregoeiro.
Trajou-se com mais apuro e queimou as pestanas, estudando a gramática.
Sabia agora conversar com relativa elegância e expor os princípios
que os Espíritos Superiores lhe ditavam, com facilidade e clareza.
-o-
Todavia, logo se lhe percebeu a modificação, o parecer
público enunciou, solene:
- Vejam só! É um homem genial. Produz em plano superior,
através da própria inteligência. Quem revela,
assim, tamanha cultura, escreverá com mais propriedade que
os literatos mortos...
E os investigadores atilados concluíam, rematando:
- Embuste, pastiche e mais nada.
O rapaz, embora surpreendido, continuou a tarefa. Evitou a multidão
e fugiu às manifestações de público. Não
seria mais justo recolher as bênçãos, na intimidade
dos irmãos? Confinou-se ao campo doméstico dos princípios
redentores que abraçara. Contudo, ainda aí, a censura
vigorou, subtil e contundente.
-o-
Se Calixto recebia mensagens, relacionando
verdades duras, apontavam-no, sem piedade:
- É um mistificador, obsediado pela mania de grandeza e virtude.
Claro que os emissários da Esfera Superior não menoscabam
o poder da gentileza e ninguém por haver transposto as fronteiras
da morte encontra alegria em acusar os semelhantes, mas se um amigo
espiritual temperava os conceitos em sal de estímulo, buscando
o soerguimento dos companheiros encarnados, indicavam-no, com acrimoniosa
atitude:
- É um bajulador infeliz que se demora, sob a influência
de perversos doadores de lisonja.
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Sob perplexidades consecutivas, o
médium satisfazia as exigências do ministério,
no entanto, era preciso interromper-se a cada passo para destrinçar
enigmas pequeninos.
Se os viajores do Reino da Morte vinham falar da majestade do Céu,
o intermediário era apontado por instigador da fantasia; se
comentavam problemas da Terra, era definido à conta de cretino.
Jornalistas e escritores “mortos” utilizavam-lhe as faculdades
a se fazerem sentir claramente, entretanto, as respectivas famílias,
receiando-lhes a intromissão, ameaçavam o medianeiro,
através de processos espetaculosos e humilhantes. Citado nos
órgãos judiciários por miserável impostor,
Calixto recolhia-se em prece, suplicando aos missionários invisíveis
providências contra a perturbação estabelecida,
mas enquanto os Espíritos Benevolentes adotavam pseudônimos,
a fim de lançaram idéias renovadoras, com a facilidade
possível, os companheiros de fé observavam-lhe, risonhos
e irônicos:
- Onde iremos? Os “mortos” também usam máscara?
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O confundido trabalhador era objeto
de geral exame, dia e noite.O zelo com que atendia ao serviço
pela própria manutenção era interpretado por
excessiva defesa na vida material, mas se era encontrado fora da atividade
comum por algumas horas, era categorizado por garimpeiro de vantagens
especiais.
Tentava isolar-se por desincumbir-se das obrigações
com mais segurança e eficiência, no entanto, era apontado,
de imediato, por orgulhoso e frio, ante os sofrimentos alheios. Calixto
passava, então, a comunicar-se com todos, entretanto, suas
palavras convertiam-se em objeto de exploração aviltante
e escandalosa.
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Discutido, atormentado, fustigado
e seguido pela crítica incessante, através do todas
as maneiras pelas quais procurava solucionar os compromissos a que
se devotava, chegou o dia em que se deitou desanimado, à maneira
do burro que arreia sob a carga pesada.
Não seria razoável parar? Como seguir adiante?
Foi então que lobrigou, de olhos nublados de lágrimas,
a presença de um mensageiro divino.
Endereçou-lhe sentida súplica, mas notou assombrado
que o emissário se mantinha sorridente ao ouvi-lo.
Finda a rogativa, entrecortada de soluços, o anunciador das
Boas Novas Celestiais falou-lhe, bem-humorado:
- Calixto, levante-se e não se aflija! Banhe-se uma vez por
dia, tome refeições regulares e faça o que puder.
O Senhor não exige o impossível. Habitue-se a auxiliar
por amor ao bem, contando com a incompreensão natural do mundo.
A calúnia não piora ninguém, tanto quanto a bajulação
não nos aperfeiçoa qualidade alguma. Quanto ao mais,
meu amigo – e, nesse ponto, o mensageiro riu-se francamente
– se Jesus retirou-se do mundo pelas portas sangrentas do sacrifício
na cruz, será mesmo que você pretende ausentar-se da
Terra nas fofas almofadas dum automóvel?
Com a interrogação, interrompeu-se a singular entrevista
e Calixto, copiando os movimentos de uma muar resignados, ergueu-se
de novo, e retornou o passo para o que desse e viesse.