Quando Mãe Val de Ayrá
e Makota Valdina saíram em caminhada pelo Engenho Velho
da Federação contra a intolerância e o ódio
religioso pela primeira vez, há 15 anos, o movimento
era pequeno. Meia dúzia de pessoas saíram batendo
palmas até um posto de gasolina na Avenida Cardeal da
Silva e retornaram ao terreiro do Cobre. Pediam o fim dos ataques
cometidos por algumas igrejas da região.
Nesta sexta-feira (15), o grupo mostrou que cresceu e ganhou
força: cerca de duas mil pessoas andaram juntas pedindo
paz e respeito às religiões de matriz africana.
Entre os participantes, estavam até alguns católicos
e evangélicos - justamente adeptos das religiões
cristãs que costumavam atacar o terreiro e que são
apontados como autores de outros episódios de violência
religiosa.
“Hoje eu reforço a mensagem
que não estamos aqui para pedir direitos que já
temos. Estamos aqui para pedir respeito”, explicou
Mãe Val, antes de começar o percurso.
Makota Valdina, que morreu em março, foi lembrada durante
todo o trajeto. No Largo do Engenho Velho, perto de onde ela
morava, foi homenageada com cânticos e dizeres.
Os participantes saíram do fim de linha do Engenho Velho
da Federação, seguiram pela Avenida Cardeal da
Silva, parte das avenidas Garibaldi (até o terreiro do
Gantois) e Vasco da Gama (até a Casa Branca) e retornaram
ao ponto de partida. “Esses ataques são um fenômeno
do racismo, porque é uma religião do povo negro”,
disse o ogã do Terreiro do Bogum e um dos organizadores
da caminhada, Edmilson Sales.
A doméstica Bárbara
Marina Almeida, 52, contou que já passou por muitas situações
corriqueiras em que foi vítima de violência religiosa.
Em muitos casos, os ataques aconteciam até mesmo perto
de onde mora, no Vale da Muriçoca. Já teve que
ouvir de um pastor que sua religião praticava feitiçaria.
De outros, escutou que não “servia a Deus”.
“Sempre pergunto: quem
é Deus? Porque Jeová, Olorum, Tupã...
Todos são o mesmo Deus. Eu acredito que é
uma ignorância espiritual”, afirmou.

A pedagoga Milena Nascimento, 41,
levou o pequeno Dayo, 8 meses. A edição do ano
passado foi a única que não conseguiu participar
– justamente porque estava grávida do bebê.
“Para mim, é importante participar de tudo que
possa reafirmar a nossa cultura e defender o que a gente acredita”.
Outras religiões
Mas não era somente o povo de santo que participava
da caminhada. Evangélicas, a bióloga Taísa
Alexandre, 30, e a esteticista Priscila Lima, 30, representavam
a Igreja Metodista do bairro. Por incentivo do pastor, que é
ligado ao movimento negro evangélico, decidiram conhecer
o evento e participar. Juntas, seguravam cartazes com dizeres
contra a intolerância religiosa e o ódio religioso.
"Temos um projeto de direitos humanos
nos espaços de Jesus para mostrar que o respeito
é possível e que o povo evangélico
possa dialogar com outras religiões”, disse
Priscila.
Elas participavam pela primeira vez, mas contaram que pretendiam
marcar presença novamente.
“É importante que a gente
venha, principalmente nesse contexto político. É
fundamental que aqueles que discordam do discurso de morte
venham anunciar a paz, como Jesus faria”, completou
Taísa.
O padre Lázaro Muniz, pároco da Santa Cruz, por
sua vez, tenta estar sempre presente.
Sobrinho de Makota Valdina, o arte-finalista Júnior Pacapim,
31, disse que ela foi lembrada durante toda a caminhada. “Esse
ano é o ano dela ser homenageada”, disse.
Para Mãe Jaciara de Oxum, do Ilê Axé Abassá
de Ogum, a primeira caminhada sem a presença de Makota
Valdina trouxe lembranças e saudade daquela a quem se refere,
hoje, como sua ancestral. Enquanto conversava, fazia referência
aos ensinamentos de Makota.