
“Conheço as tuas obras, que nem
és frio nem quente; quem dera foras frio ou quente! Assim,
porque és morno, e não és frio nem quente,
vomitar-te-ei da minha boca.” Apocalipse 3:15,16
Na última semana, uma matéria publicada pela
revista Veja (que inclusive nos procurou gentilmente para darmos
uma entrevista e declinamos do convite) intitulada “Médium
de direita, Divaldo Franco ganha o segundo filme”, trouxe
à tona, novamente, uma discussão que se acirrou
a partir do golpe político-jurídico-midiático
que destituiu a presidenta da República Dilma Rousseff:
pode o espírita debater sobre questões político-partidárias?
Não só pode, como deve, por que não estamos
alheios às questões sociais do País. Mas
não podemos confundir, em hipótese alguma, “a
reação do oprimido com a violência do opressor”,
como afirmou o defensor dos direitos dos afro-americanos, Malcolm
X.
O problema, para nós, é quando espíritas
de alta plumagem, travestidos de uma pseudoimparcialidade que
sabemos não existir, utilizam-se de seu prestígio
vaidoso para apoiar ideias que não têm absolutamente
nada a ver com os princípios defendidos por Kardec e
muito menos com os ensinamentos do Cristo.
Como repetia Allan Kardec em “Obras póstumas”:
“Liberdade, igualdade, fraternidade. Estas três
palavras constituem o programa de toda uma ordem social que
realizaria o mais absoluto progresso da humanidade, se os princípios
que elas exprimem pudessem receber integral aplicação”.
Em tempos de polarização, é preciso tomar
partido, descer do muro, sair do armário e se posicionar
contra todo tipo de intolerância e violência. Seja
contra quem for.
Para nós, a saída é coletiva, com Cristo,
Kardec e pela esquerda!
Em meados de 2016, o ano que ficou marcado pelo golpe contra
a presidenta Dilma Rousseff, os grupos espíritas fervilhavam,
como o restante do País, com as posições
políticas opostas de seus participantes. A convivência
fraterna, tão característica desses grupos físicos
e virtuais, foi, pouco a pouco, sendo corroída pelos
diferentes olhares políticos. E tudo isso se iniciou
naquele já histórico junho de 2013, passando pela
polarização extremada da campanha das eleições
de 2014, pelo difícil ano político e econômico
de 2015 e, finalmente, desaguando na mobilização
golpista de 2016.
Não foi fácil para as relações
familiares e sociais resistirem a tantas intempéries
de caráter político, e os grupos espíritas
também sucumbiram a esse vendaval.
Foi assim, nesse contexto de encontros e desencontros, que
em março de 2016 um grupo de amigos espíritas
de posições políticas progressistas, incomodados
com a falta de liberdade e democracia presente nas suas casas
espíritas, resolveu criar um espaço virtual para
diálogos e debates sobre política e suas relações
com as propostas espíritas. À época, foram
criados um grupo de debates no aplicativo WhatsApp e uma página
no Facebook, ambos chamados “Espíritas à
esquerda”, para expor à comunidade espírita
suas reflexões sobre política e espiritismo.
O grupo foi crescendo e agregando novos membros. Espíritas
de todo o País vinham à página expressar
seu contentamento com esse tipo de posição progressista
e passaram também a divulgar cada vez mais as análises
espíritas e os posicionamentos políticos da página.
Ao mesmo tempo que muitos declaravam sua decepção
com a posição dos dirigentes espíritas
espalhados pelo território nacional, dirigentes que defendiam
abertamente posições políticas e sociais
que afrontavam as propostas espíritas de amor e fraternidade.
Grupos e páginas progressistas como essa se espalharam
pelo País e pelo mundo.
A campanha eleitoral de 2018 foi um ponto de inflexão
definitivo. Ela dividiu o País e, em particular, os espíritas,
tornando a relação entre os desiguais quase inviável.
De um lado ficaram os espíritas tradicionais, ladeados
inclusive por nomes famosos nacionalmente, defendendo a LGBTfobia,
o racismo, a pena de morte, a misoginia, a tortura e a necropolítica.
Do outro lado ficaram os espíritas progressistas, que
propagavam, baseados nos textos kardecistas e nos ensinos de
Jesus, a mensagem da justiça social, da aceitação
das diferenças e da igualdade de oportunidades.
Durante esses mais de três anos, os espíritas
progressistas que foram unindo-se aos grupos virtuais (Espiritismo
e Direitos Humanos, ABPE, Abrepaz, entre outros) demandaram
continuamente um momento de reflexão conjunta e de encontro
físico para estreitar as relações que se
formavam. Foi assim que, durante esse ano de 2019, o grupo decidiu
construir um momento de encontro fraterno entre esses espíritas
progressistas, aproveitando a oportunidade para a necessária
discussão acerca das relações entre espiritismo
e política.
Planejamos e executamos nosso projeto que passou a se chamar
“I Encontro Nacional Espíritas à Esquerda”.
A primeira e difícil decisão foi escolher a cidade
que acolheria tal evento, e decidimos que uma capital nordestina,
pela óbvia empatia política com o pensamento progressista,
seria o local mais adequado. A primeira capital do Brasil foi
então escolhida como a primeira a nos receber, e nela
contamos com o importante apoio do Sindicato dos Trabalhadores
em Água, Esgoto e Meio Ambiente no Estado da Bahia (Sindae-BA),
que nos cedeu o seu auditório para esse momento. A partir
daí, apresentamos nossa proposta a diversos nomes que
hoje bem representam o espiritismo progressista no Brasil. E,
com a boa receptividade encontrada nessas pessoas, elaboramos
uma programação de ótima qualidade para
discutir a situação política atual do País
à luz do espiritismo.
O evento, que ocorrerá no próximo dia 26 de outubro,
iniciará com uma análise da conjuntura política
nacional, feita pela reitora da Universidade Federal do Sul
da Bahia, a geóloga Joana Angélica da Luz, e pelo
ex-presidente da Petrobras nos governos Lula e Dilma, o economista
José Sérgio Gabrielli. Após esse primeiro
momento, acontecerão três mesas de debates, chamadas
de mesas girantes (em alusão os primeiros estudos de
Kardec), que terão como tema capítulos da terceira
parte de “O livro dos espíritos” de Allan
Kardec, a saber: trabalho, sociedade e igualdade.
A mesa sobre trabalho contará com a presença
do ex-ministro da saúde do governo Dilma, o médico
Arthur Chioro dos Reis, do ex-ministro da Previdência
dos governos Lula e Dilma, o contador Carlos Gabas, e do ex-ministro
do Trabalho do governo Dilma, o sociólogo Miguel Rossetto.
A segunda mesa, que trata sobre a sociedade, trará as
falas da socióloga Ana Cláudia Laurindo, do jornalista
e professor Luiz Signates e do engenheiro e filósofo
Sergio Mauricio. A última mesa, sobre igualdade, terá
o psicólogo Franklin Félix, militante dos direitos
humanos, e com a médica veterinária e terapeuta
Isabel Guimarães, militante feminista.
A partir da experiência adquirida nesse primeiro evento
de caráter nacional, em que contamos com a presença
de palestrantes de várias cidades e estados, temos a
ambição de espalhar essa ideia para outras localidades,
organizando novos encontros para aproximação e
organização dos espíritas progressistas
do Brasil. Esperamos que esse seja o primeiro de muitos outros
que se seguirão.
Como disse o pastor Martin Luther King no livro “Os grandes
líderes”: “Não há nada mais
trágico neste mundo do que saber o que é certo
e não o fazer. Não posso ficar no meio de todas
essas maldades sem tomar uma atitude”.
Para saber mais sobre o evento, acesse a página encontro
no Facebook.