Benzedeiras resistem ao tempo e à modernidade
com muita fé
Raras nos centros urbanos, as rezadeiras ainda
atraem pessoas de vários credos
por Elaine Granconato
Agora/Folha/UOL
Mesmo diante do mundo tecnológico e do avanço
da medicina, as benzedeiras ainda atraem pessoas de credos diversos
em busca de paz espiritual. Embora cada vez mais raras, elas ainda
são o refúgio de muita gente. Tudo em nome de uma
fé que cura, segundo as próprias rezadeiras.
Ana Maria Lemes, 61 anos, a dona Ana, está entre essas mulheres
abnegadas. "Isso é minha vida", diz a benzedeira
de poucas palavras, mas de olhar iluminado, diante do altar com
imagens de santos no tímido cômodo onde atende, diariamente,
centenas de pessoas no Parque São Bernardo, periferia de
São Bernardo (ABC).
Pessoas esperam pelo benzimento de dona Ana,
em São Bernardo do Campo (ABC) - Rivaldo Gomes/Folhapress
Aliás, é o mesmo lugar onde, aos 12, aprendeu a benzer
com o pai Antonio da Silva Lemos, morto há 12 anos. "Ele
deixou para nós", diz dona Ana sobre o dom herdado,
a mulher de corpo franzino e que nasceu de complicado parto prematuro
aos sete meses. Ela é a terceira dos oito filhos do ex-benzedor
com Maria do Carmo Ribeiro Lemos, a dona Cotinha, 92.
Com a fila de espera muitas vezes para fora da porta da casa, dona
Ana consegue permanecer em pé quase que por dez horas seguidas.
A reza de Florippes Aparecida Alvim Matias,
86 anos, a Dona Flor; ela atende, em sua maioria crianças,
de segunda a sexta-feira, das 9h às 12h, na Vila Prudente
(zona leste) - Rivaldo Gomes/Folhapress
Florippes Aparecida Alvim Matias, a dona Flor, 86,
moradora na região da Vila Prudente (zona sul da capital),
das 9h às 12h, de segunda a sexta-feira, acolhe as dezenas
de pessoas. "Quando a gente faz com amor, nada cansa",
afirma a costureira aposentada.
Dona Flor conta que, aos 9 anos, via a mãe
benzer em casa. "Naquele tempo, não entendia nada, era
ainda uma criança. Só que já tinha o dom. Deus
deu a permissão", conta.
Ao longo de quase 50 anos de reza, dona Flor diz
já ter curado muita gente com problemas de espinhela caída
(espécie de dor na boca do estômago, nas costas e nas
pernas), cobreiro (herpes), quebranto (mau-olhado), erisipela (inflamação
nas pernas) e mal de simioto (quadro infantil de desnutrição
crônica). Porém, seu público maior são
bebês e crianças.
Benzedeiras resistem ao tempo e à
modernidade com muita fé

É grande a procura pelas poucas benzedeiras
que existem na capital paulista e na Grande SP. Pessoas chegam
a ir a outras cidades só para serem benzidas. Na foto acima,
Ana Maria Lemes, 61 anos, a dona Ana, que benze em São
Bernardo do Campo - (foto Eduardo Knapp/Folhapress)

Maria do Carmo Ribeiro Lemes, 92 anos, a Dona Cotinha, auxiliava
o marido a benzer. Na foto, ela segura a foto do marido, que já
morreu. Hoje, a filha deles, Ana Maria Lemes, conduz o benzimento
de centenas de pessoas todos os dias, em São Paulo (foto
Rivaldo Gomes/Folhapress)

A benzedeira Helena Gasparani Vezzali, 85 anos, atende em São
Caetano do Sul.
Ela benze utilizando três folhinhas de oliveira, benzidas
na Igreja no Domingo de Ramos, e azeite (foto Rivaldo Gomes/Folhapress)

"Não pode cobrar benzimento", explica a benzedeira
Florippes Aparecida Alvim Matias, da Zona Leste (foto Rivaldo
Gomes/Folhapress)

A benzedeira Ana Maria Lemes, 61 anos, que herdou o dom do pai.
Ela atende em São Bernardo do Campo (foto Rivaldo Gomes/Folhapress)
Oração da
avó ajudou a menina dormir
"Mãe, como eu posso benzer o pé
de uma mulher? Só quem benze é velho", questionava
Helena Gasparani Vezzali, com 16 anos. Hoje, aos 85, a benzedeira
de São Caetano do Sul (ABC) se recorda da primeira vez que
usou o dom herdado da avó materna portuguesa.
"Resolvi arriscar e benzi a perna direita daquela
mulher, que estava toda vermelha e inchada. E, sabe, ela ficou boa."
De lá para cá, dona Helena não parou mais de
benzer.
Ela ficou internada por quatro anos em colégio
de freiras. Lá, era obrigada a ir para cama às 20h.
"Para dormir, fazia a oração do benzimento que
aprendi com minha avó e decorei."
Católica e integrante do coral na Paróquia
Nossa Senhora da Candelária, dona Helena, durante a sua benção,
utiliza o azeite de oliva e folhas de oliveira benzidas no domingo
de Ramos.
Não importa esperar
no banco duro
"A dona Ana [Maria Lemes] é o anjo da nossa vida, saio
mais leve", diz a esteticista Célia Tavares, 51 anos,
do bairro Demarchi, em São Bernardo do Campo (ABC). Ela não
se importa em sentar no banco de madeira duro e esperar, às
vezes, por horas.
A tradição de mãe para filho, agora transferida
para os netos, é mantida pela dona de casa Rosângela
Peixoto de Oliveira, 46 anos. Há 26, levava Marcio de Oliveira
Bezerra, o primogênito de cinco filhos, para benzer na casa
de Florippes Matias. Hoje, são as duas netas com ela, Aline,
1 ano e 2 meses, e Livia, 1 ano e 6 meses. "Quando trago as
crianças, elas dormem tranquilas."

Ana Maria Lemes, a dona Ana, benze o ferramenteiro Elias Teles,
65 anos, nos fundos de sua casa em São Bernardo Campo (foto
Rivaldo Gomes/Folhapress)
Benzimento é grátis
e não tem preço
O benzimento não pode ser cobrado. Para as rezadeiras, trata-se
de uma missão a cumprir na terra. E para isso, não
há preço que pague. "Benzimento se é pago
não é válido, como dizia minha avó",
afirma Helena Gasparani Vezzali, a dona Helena.
Prova disso, é que ela não pensou
duas vezes ao encontrar R$ 20 entre as bananas na fruteira de casa.
"Uma moça, em reconhecimento, deixou escondido o dinheiro.
Na hora, peguei e levei para o padre da igreja comprar velas".
"Não pode cobrar benzimento", reforça
a benzedeira Florippes Aparecida Alvim Matias, da zona sul.