30/05/2008
Vejam abaixo reportagens sobre o caso :
- Jornal Valor -
Juliano Basile
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, ontem, a favor
das pesquisas com células-tronco. Por seis votos a cinco, os
ministros mantiveram o artigo 5º da Lei de Biossegurança
(nº 11.105), que permitiu o uso de células obtidas de embriões
humanos produzidos por fertilização "in vitro"
para fins de pesquisa e terapia.
Com este resultado, as pesquisas com embriões - que se encontravam
à espera do julgamento - estão definitivamente liberadas.
Segundo os votos da maioria - representada pelos ministros Carlos Ayres
Britto, Ellen Gracie, Carmen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa,
Marco Aurélio e Celso de Mello - os cientistas deverão
apenas seguir os requisitos da lei, como autorização do
casal, constatação de que o embrião é inviável
para a reprodução e que os embriões estejam congelados
há mais de três anos.
Por outro lado, o julgamento também serviu
como um alerta ao governo para que fique atento à condução
destas pesquisas em clínicas, hospitais, santas casas e universidades
e ao Congresso para que analise novamente a regulamentação
das autorizações. Os cinco ministros que ficaram vencidos
- Carlos Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso
e também o presidente do tribunal, Gilmar Mendes - fizeram duras
advertências à lei, principalmente no que se refere à
regulamentação. Estes ministros queriam, em diferentes
graus, impor interpretações novas à lei para que
ela fosse aplicada com maior rigor.
Direito queria que a fertilização "in vitro"
somente fosse utilizada para a busca de fertilidade por casais. Ele
também restringia as pesquisas a embriões inviáveis
- incapazes de se tornar uma pessoa - e limitava a retirada de células
de cada embrião para somente aquelas que não comprometessem
o seu desenvolvimento. Direito propôs ainda que o Ministério
da Saúde fiscalizasse a realização de cada pesquisa
no Brasil, com amplo controle para evitar abusos. Lewandowski seguiu
boa parte das recomendações de Direito.
Grau propôs a criação
de um comitê central no Ministério da Saúde para
controlar as pesquisas. Ele também defendeu que sejam utilizados
para fertilização apenas quatro óvulos por ciclo
e que a obtenção de células-tronco embrionárias
seja realizada a partir de óvulos fecundados inviáveis,
ou sem danificar os viáveis.
Para Gilmar Mendes, a lei possui uma lacuna ao não prever
um comitê de ética central para análise e autorização
das pesquisas. "A lei brasileira estabelece apenas que os institutos
deverão submeter seus projetos aos respectivos comitês
de ética em pesquisa", constatou. "Mas, deixa a lei
de instituir um imprescindível comitê de ética central
devidamente regulamentado", completou Mendes.
Após a coleta dos votos, Peluso, que não fizera duras
ressalvas às pesquisas, defendeu que o STF declarasse que a Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) do Conselho Nacional de
Saúde seria o órgão central responsável
pelo sistema de pesquisas. "Com isso, não colocamos nenhum
impasse à aprovação da lei, nem criando nenhum
órgão que já existe, nem entraves burocráticos
e mantemos a necessidade de cumprimento de certas cautelas indispensáveis
aos riscos da tecnologia", justificou.
Peluso, contudo, foi duramente advertido por Celso de Mello porque os
votos já tinham sido proferidos e restava apenas a proclamação
final de Gilmar Mendes. "Há seis votos claros que rejeitam
a ação sem qualquer condição e qualquer
apelo", ponderou Celso.
Em seguida, ambos discutiram de maneira áspera. Peluso insistia
que o julgamento não havia terminado e que queria fazer a declaração
do Conep. "Eu quero deixar claro para evitar que a Corte assuma
uma postura de que o sistema possa ser irresponsável", enfatizou.
Já Celso ressaltou que Peluso foi voto vencido e que suas ponderações
poderiam ser analisadas pelo Congresso Nacional, onde existem projetos
de lei discutindo maior fiscalização. "Segundo dados
oficiais existem 729 comitês de ética registrados no Conep
localizados em sua maioria em universidades, centros de hospitais e
santas casas", afirmou Celso. "Em 2007, foram registrados
11 mil projetos de pesquisas que foram avaliados por estes comitês",
continuou.
A discussão foi interrompida por Direito que assumiu a posição
minoritária na Corte, mas enfatizou a necessidade de regulamentação.
"O resultado não significa que essas pesquisas escapem ao
controle do comitê de ética", disse Direito. "O
voto vencido de hoje será o voto vencedor de amanhã. Esta
é a esperança e a ressurreição", completou
o ministro, que é católico praticante.
Foi somente após essa intervenção que Gilmar Mendes
proclamou o resultado final. Após o julgamento, Mendes disse
que nada impede que o Congresso venha a analisar novamente o assunto
para dar maior regulamentação às pesquisas. Mas,
no STF, o caso está encerrado. "A matéria está
resolvida para nós."
Os três dias de julgamento foram intensamente acompanhados por
cadeirantes e religiosos. Padres e pessoas com distrofia muscular dividiram
lugares na platéia da Corte. Quando Celso de Mello proclamou
o seu voto, um cadeirante levantou os braços para cima e chorou.
Após travarem um duro bate-boca, Celso e Peluso se cumprimentaram.
"Demos uma lição de reflexão aqui e quem ganhou
foi a Corte como um todo", concluiu o ministro Eros Grau.
- Agência Fapesp -
Votos Suficientes
Agência FAPESP – O Supremo Tribunal Federal (STF) votou
nesta quinta-feira (29/5) pela constitucionalidade do artigo 5º
da Lei de Biossegurança. Por seis votos a cinco prevaleceu a
autorização do uso de células-tronco embrionárias
humanas em pesquisas científicas.
Em março de 2005, as pesquisas com células-tronco
embrionárias humanas foram aprovadas no Brasil no âmbito
da Lei de Biossegurança. Em maio do mesmo ano, no entanto, o
então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles,
entrou no STF com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
(Adin) contra o artigo a respeito das pesquisas, sob a alegação
de que estudos do gênero feriam “o direito de embriões”.
O pedido foi acatado no fim de 2006
Defenderam a continuidade das pesquisas com células-tronco embrionárias
humanas, sem ressalvas, os ministros Carmen Lúcia Antunes Rocha,
Celso de Mello, Ellen Gracie, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio
Mello e o relator Carlos Ayres Britto, que defendeu a improcedência
da Adin.
Propuseram ressalvas às pesquisas, considerando parcialmente
procedente a Adin, os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Cézar
Peluso, Eros Grau, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
Segundo a Agência Brasil, Marco Aurélio Mello destacou
que o texto legislativo traz restrições ao uso de embriões,
considerando apenas o uso de embriões produzidos por fertilização
in vitro, inviáveis, congelados há mais de três
anos e com o consentimento dos pais, que forneceram o material.
“Ficando assim descartada, quer sob o ângulo da utilidade,
quer sob o ângulo da vontade do casal, a viabilidade de implantação
no útero”, disse. “A questão é saber
se serão destruídos fazendo o bem a outras pessoas ou
não; a meu ver, a resposta é óbvia.”
Na opinião do ministro, a função dos ministros
neste julgamento é “definir o destino dos óvulos
fecundados, que fatalmente seriam destruídos e devem ser utilizados
sempre na tentativa inesgotável do progresso da humanidade”.
Durante a apresentação de seu voto no julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade que questiona o uso de células-tronco
embrionárias humanas em pesquisas, Mello ressaltou que não
cabe ao STF apresentar sugestões de modificação
da norma.
“É de todo impróprio o Supremo julgar fazendo recomendações,
ele não é órgão de aconselhamento”,
afirmou. "A lei [de Biossegurança] foi aprovada por 96%
dos senadores e 85% dos deputados, o que demonstra razoabilidade."
Para o ministro, as premissas que levam à interpretação
de que a lei é ambígua “não se fazem presente”.
De acordo com Marco Aurélio, apresentando recomendações
à lei, há um risco de se redesenhar o texto legislativo,
“assumindo o Supremo o papel de legislador positivo”.
Em entrevista à Agência FAPESP, Stevens Rehen, professor
do Departamento de Anatomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e presidente da Sociedade Brasileira de Neurociências e
Comportamento (SBNeC), disse considerar o julgamento no STF um “divisor
de águas para a sociedade brasileira”.
“A decisão do STF vai colocar à prova o caráter
laico do Estado. Além disso, todo o debate em torno da questão
está sendo extremamente importante para aprimorar a percepção
do público em relação à ciência”,
apontou Rehen.
Segundo ele, é difícil avaliar o quanto a Adin atrasou
as pesquisas brasileiras – o país não derivou até
hoje nenhuma linhagem de células-tronco embrionárias.
“O laboratório que coordeno, por exemplo, tem 17 pesquisadores
e apenas dois estão em tempo integral nessa linha. Isso ocorre
porque é arriscado investir em uma pesquisa que poderia se tornar
ilegal”, disse.
O presidente da FAPESP, Celso Lafer, enviou no dia 11 de fevereiro ofício
à então ministra do STF, Ellen Gracie, a respeito da autorização
legal para a realização de pesquisas com células-tronco
embrionárias. O texto foi encaminhado também aos demais
ministros.
“Entende a FAPESP que o tratamento e os controles dados à
matéria pela Lei de Biossegurança conciliam adequadamente
os valores envolvidos, possibilitando os avanços da ciência
em defesa da vida e o respeito aos padrões éticos de nossa
sociedade”, destacou Lafer.
O presidente da Fundação reiterou
a “confiança no prudente julgamento desse Tribunal, em
defesa dos valores acolhidos em nossa Constituição e da
aplicação do Direito segundo os critérios e conceitos
próprios de uma ética laica da ciência e do Estado”.
- Folha de São Paulo -
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Decisão do Supremo já chega
caduca
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a
favor da já ultra-restritiva Lei de Biossegurança, no
que toca à pesquisa com embriões, chega com atraso. Parece
que está no DNA do debate público nacional: começa
tarde, demora mais do que deveria -basta acompanhar os intermináveis
votos no STF- e, quando, termina, está superado pelos fatos.
A própria Lei nº 11.105/ 2005 demorou. Vinha modificar a
anterior (8.974/ 1995), que caducou rápido por proibir qualquer
pesquisa com células-tronco embrionárias humanas, ao vedar
"produção, armazenamento ou manipulação
de embriões destinados a servir como material biológico
disponível".
Algo de similar ocorre com o artigo 5º da Lei de Biossegurança,
agora referendado pelo STF. Ele se limita a autorizar o uso dos raros
embriões que satisfaçam uma de duas condições
-ser inviável ou estar congelado há mais de três
anos. Isso já atrapalha a pesquisa, diante das leis de países
mais avançados.
O Reino Unido já aprovou até embriões híbridos,
produto da fusão de óvulos de vaca com células
humanas. Só para pesquisa, claro, e para evitar desperdício
de óvulos humanos.
Há mais, porém, contra a expectativa de vida da lei.
O ministro Carlos Alberto Direito, cujo pedido de vista garantiu mais
atraso, mencionou a possibilidade de obter células-tronco de
um embrião, que permaneceria íntegro. A ministra Ellen
Gracie Northfleet ressalvou, corretamente, que um único estudo
-de Robert Lanza, controverso e não replicado- obteve isso.
Existe ainda a criação de células-tronco com o
potencial de embrionárias, mas a partir de tecido adulto. Pesquisa
com as próprias células-tronco adultas, além disso,
prescindem da destruição de embriões e avançam
em aplicações terapêuticas.
Em resumo: conseguiu-se enfim autorizar o que dez anos atrás
parecia promissor, mas em raras situações, hoje, e com
perspectivas cada vez mais estreitas. Mesmo quem discorda de dar carta
branca aos cientistas pode diagnosticar aí uma incapacidade crônica
de decidir o que fazer em sincronia com a própria época.
- Folha de São Paulo -
Sucursal de Brasília
Vitória traz responsabilidades, diz cientista
Segundo a geneticista Mayana Zatz, da USP, que comemorou
ontem a derrota da Adin contra a lei de Biossegurança, os cientistas
devem assumir agora "um enorme senso de responsabilidade".
"Não estamos prometendo a cura imediata, mas estamos prometendo
que vamos fazer aqui o que se faz no mundo inteiro", disse. Patrícia
Pranke, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), diz que
agora "é hora de voltar ao laboratório".
Para o neurocientista Stevens Rehen, da UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro), a decisão vai influenciar diretamente o futuro
das pesquisas. "A aprovação traz a expectativa de
novos investimentos e a possibilidade de progresso científico
no país."
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, disse
em comunicado à imprensa que a decisão do STF atende à
expectativa de "milhares de pacientes" que têm esperança
de cura para as suas doenças. "O resultado permite à
ciência assumir nova posição no cenário internacional",
afirmou Temporão.
A comemoração tomou conta do saguão do STF e da
área em volta da estátua da Justiça antes de declarado
o fim do julgamento. Dez cadeirantes, todos sorrindo, se juntaram a
amigos e cientistas num abraço. Nesse momento, faltava apenas
um voto a ser lido, o que deu segurança aos militantes.
"Vitória" era a palavra que se destacava durante a
pose para a foto simbólica. "Conseguimos! Não falei?",
disse a costureira paulista Angelita Oliveira, 40. Ela é mãe
de Kathy, 9, portadora de distrofia muscular e figura sempre presente
nas manifestações de apoio à pesquisa.
A bióloga Lygia da Veiga Pereira acompanhou a votação
pela TV em seu laboratório na USP. "Agora mais grupos podem
tomar coragem para mergulhar fundo na pesquisa com células humanas",
disse. "Espero que a gente consiga agora atrair a iniciativa privada."
Derrotados
Um comunicado da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil),
que teve sua posição derrotada, diz que a divisão
entre os membros do tribunal mostrou que "não se trata de
uma questão religiosa, mas de promoção e defesa
da vida humana, desde a fecundação, em qualquer circunstância
em que esta se encontra."
Falando para um grupo de colegiais, Matheus Sathler, 24, que se apresentou
como advogado da frente parlamentar evangélica e bateu boca com
cadeirantes, disse que o resultado era um atraso. "Não se
discute mais célula-tronco embrionária no mundo."
Lídia Said, 53, vestia uma camiseta em defesa do uso apenas de
células-tronco adultas. "Eu lamento pela sociedade."
Sobre a influência religiosa no julgamento, disse: "Não
consigo ver um ser humano isolado. Como em outras áreas, a religião
permeia o debate."
>>> clique aqui para ver a lista completa de notícias
>>>
clique aqui para voltar a página inicial do site
topo