29/05/2008
Não é a Bahia. Nem o Rio de Janeiro.
É o Rio Grande do Sul - das modelos de olhos azuis e dos sobrenomes
cheios de consoantes - o estado mais afro-religioso do Brasil.
A fotógrafa Mirian Fichtner mergulhou
por três anos nessa realidade surpreendente e testemunhou rituais
nunca antes alcançados por uma câmera. Época apresenta
com exclusividade as imagens de uma áfrica de bombachas.
ELIANE BRUM
Matéria da Revista Época - Edição 552 -
19/05/2008
19/05/2008 | Edição nº 522

OS CAVALEIROS DO RIO GRANDE
À beira do Guaíba, em Porto Alegre, a representação
dos orixás do batuque, a mais tradicional das religiões
afro-gaúchas, cultuada desde o século XIX. Sentado, de
branco, Cleon de Oxalá, um dos mais antigos pais-de-santo do
Estado, com casas em várias cidades brasileiras, além
da Argentina, México, Estados Unidos e Portugal
Sim, é oficial. Ogum, o orixá guerreiro,
prefere churrasco. A informação não é nova,
mas sempre causa espanto. O Censo de 2000 mostrou que é o Rio
Grande do Sul o maior enclave afro-religioso do Brasil: 1,6% da população.
Na Bahia, onde tanta gente importante marca ponto em terreiros, apenas
0,08% identifica-se como adeptos de religiões de origem africana.
No Brasil todo, 0,3%. Enquanto no país o número de afro-religiosos
diminuiu, no Rio Grande aumentou. Que mistério é esse
que faz com que exista uma África de bombachas justamente no
Estado que adora enaltecer sua colonização européia
e costuma esquecer a participação de negros e índios
em sua história? Por que se fala tão pouco sobre isso?
Essas foram as perguntas que lançaram a fotógrafa
gaúcha Mirian Fichtner num caminho cheio de encruzilhadas s fascinantes.
Com a ajuda do jornalista Carlos Eduardo Caramez e do antropólogo
Ari Pedro Oro, um dos maiores especialistas em religião do país,
Mirian mergulhou por três anos em um mundo regido por leis desconhecidas.
Gaúcha descendente de italianos e alemães, batizada no
catolicismo, mas sem religião definida, seguiu o som dos tambores
silenciosos do Rio Grande. Com respeito, pedindo licença, entrou
pela porta da frente de muitos dos 30 mil terreiros do Estado, divididos
em três vertentes: batuque, a mais tradicional, umbanda e linha
cruzada. E foi autorizada a registrar rituais até então
fechados às câmeras. As entidades, incorporadas em pais
e mães-de-santo, passaram a chamá-la de "Moça-Luz",
por causa dos flashes.
Em geral, o texto é o elemento que conduz uma
reportagem. Mirian Fichtner inverteu o foco: fez uma reportagem em que
as fotos contam uma história inédita, que estava ali,
diante do olhar de todos, nos números do IBGE, mas quase ninguém
via. Mais de 5 mil retratos iluminam uma zona de sombras do cotidiano
dos gaúchos - e do Brasil. Deu ao trabalho o nome de Cavalo de
Santo: assim são chamados aqueles cujo corpo é cavalgado
pelas entidades espirituais durante a possessão.
A partir da terça-feira, os afro-gaúchos
de Mirian serão exibidos em exposição. São
40 painéis e cem fotos projetadas em monitores e telão
no Centro Cultural Justiça Federal, no Rio de Janeiro. No segundo
semestre, um livro e um DVD serão lançados em edição
bilíngüe. A cada uma das 160 páginas do livro aumenta
o volume da pergunta: como foi possível ignorar uma realidade
tão grandiosa por tanto tempo? Cavalo de Santo prova que há
muito Ogum prefere churrasco, Oxum não dispensa uma polenta italiana
e os Exus são doidos por batatas assadas ao modo alemão.

O BELO E O SAGRADO
A dimensão estética, com muito brilho, cores e luxo, é
um traço marcante das religiões afro-gaúchas. Acima,
na à esq., a família de Pai Neco de Oxalá, de origem
cigana. Abaixo dela, uma festa em homenagem a Exu.
À direita, Gislaine de Oxum, filha-de-santo de 14 anos

PRETO VELHO DE BOMBACHA
No livro (detalhe) Mirian mostra que a culinária dos imigrantes
europeus, a bombacha da tradição gaúcha e até
a erva-mate do chimarrão foram incorporadas aos rituais religiosos
de origem africana. À dir., Mãe Ieda de Ogum possuída
pela entidade Preto Velho Pai Antonio da Banda de Lá. À
esq., crianças e adultos preparam uma festa em homenagem aos
orixás
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