14/05/2008
Juan G. Bedoya
El Pais
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2008/05/14/ult581u2582.jhtm
José Antonio Fortea, um dos cinco exorcistas
da Igreja Católica na Espanha, publica uma "Summa Daemoniaca"
com segredos de um ofício que os bispos mantêm oculto
"Se não sair em três horas, é
preciso deixar para outro dia."
Refere-se aos demônios. O padre José Antonio
Fortea fala do diabo e dos demais demônios com uma familiaridade
espantosa. Sempre a sério, com a razão à frente,
cheio de experiências. Os descrentes, no início, têm
a tentação de zombar, e os crentes não dão
crédito. Ouvindo-o, a razão e a fé se comportam
como os dois pratos de uma balança: na medida em que uma sobe,
a outra desce.
Há testemunhos de como padre Fortea discute com
o diabo, inclusive gravações em vídeo. Alguns contam
com espanto, negando-se a acreditar; outros, com a fé do carvoeiro.
Quem veio para descobrir o segredo do truque desistiu de buscar explicações.
Nem acredita nem deixa de acreditar. Simplesmente não sai do
assombro.
Na Espanha atuam cinco exorcistas. Os bispos guardam
os nomes em segredo. Mas o padre Fortea é público e notório
(no site www.fortea.es expõe uma galeria de livros, fotografias
e opiniões, com grande visibilidade). E sabe onde estão
os outros exorcistas, aos quais envia os casos que lhes correspondam.
O ofício do exorcista católico tenta ser
rigoroso, como certifica o Vaticano, que organiza cursos para preparar
sacerdotes "para expulsar espíritos malignos daqueles possuídos
pelo demônio". As aulas duram dois meses e se desenvolvem
no prestigioso Ateneo Pontificio Regina Apostolorum. As lições
são sobre a antropologia do satanismo e a possessão diabólica,
e sobre o contexto histórico e bíblico. A notícia
do último seminário foi divulgada pela BBC de Londres.
O padre Fortea veste batina com um duro colarinho branco,
estudou teologia na Universidade de Navarra e é pároco
de Anchuelo, um povoado de 700 habitantes nas proximidades de Alcalá
de Henares. Seu bispo o enviou para lá para que tivesse mais
tempo de escrever livros e dar conferências. O prelado auxiliar
de Madri e porta-voz da Conferência Episcopal, Juan Antonio Martínez
Camino, dirigiu sua tese na faculdade de teologia da Pontifícia
Universidade Católica de Comillas. Intitula-se "O Exorcismo
na Época Atual". O sábio teólogo são
Tomás de Aquino escreveu a "Suma Teológica".
O padre Fortea publica agora sua "Summa Daemoniaca", um tratado
completo de demonologia (editado na Espanha pela La Esfera de los Libros).
Entre seus outros livros há um que se intitula "Exorcística",
um manual de uso imprescindível por seus colegas.
O aspecto de Fortea é o de um padre da Opus Dei.
De aparência tímida, voz contida, mas firme nos princípios,
quase desafiador, fala com a segurança dos convictos, inclusive
sobre as reticências de seus superiores pelo fato de ele sair
tanto na mídia. Nasceu na mesma cidade que são Josemaría
Escrivá [o fundador da Opus Dei], Barbastro (Huesca), em 1968.
Mas não. "Não sou da Opus Dei, nunca fui. Fui a Navarra
porque sua faculdade de teologia é uma das melhores do mundo,
e em seu seminário havia uma grande vida espiritual. Sabia que
sempre me considerariam da Opus Dei por ter ido, mas não me importava.
O importante era me formar bem", afirma.
Há uma sessão de exorcismo concreta, precisa,
reiterada, com nomes e sobrenomes, que o mergulha em angústia
e intermináveis orações. Ele a relata verbalmente,
e está narrada no livro que publica agora. Trata-se de Marta,
um caso de possessão demoníaca, segundo o diagnóstico
do exorcista.
Marta era uma universitária "quando apareceram
os primeiros sinais de possessão: transes, convulsões,
conhecimento de línguas por ela desconhecidas, aversão
ao sagrado, etc. Em três ocasiões chegou a levitar. Nem
sua mãe nem eu temos a menor dúvida sobre o caráter
sobrenatural do que ela sofria", diz Fortea.
O escritor Lorenzo Silva, que viu Fortea "lutar
contra o Inimigo", resume: "A cena é poderosa. Um possesso
agitando-se e gritando todo tipo de blasfêmias com voz horrenda,
e o exorcista tranqüilo, rezando seus latins e conjurando o demônio
a que diga como entrou e a sair do infeliz. É só isso,
oração durante horas. Não mais de três por
sessão. Se com três horas não sair, é preciso
deixar para outro dia."
Passaram cinco anos e Marta continua possuída.
"Cinco anos de orações, à razão de
mais de três horas semanais em média, é algo que
acaba com a paciência de qualquer um", reconhece o padre
Fortea. Confia em vencer o demônio e que Marta voltará
a ser como foi. Já liberou outros possuídos, pelo menos
quatro. Muitas outras pessoas que parecem possuídas ele enviou
para o psiquiatra ou a previdência social. Mas nunca lhe falta
trabalho. "Sim, sempre há casos. O último foi na
semana passada. Mas não significa que toda semana haja casos
novos. Há três ou quatro novos por ano. E alguns exigem
orações durante meses", disse na última quinta-feira.
"Nas sessões saem muitos demônios",
diz Fortea.
É que há demônios e demônios.
Satã é o mais poderoso - o Novo Testamento o chama
de Diabo -, mas também Belzebu, Lúcifer, Lilith...
"Cada demônio pecou com uma intensidade
determinada, isso se vê claramente nos exorcismos. Há
alguns demônios que pecam mais por ira; outros por egolatria;
outros por desespero. Há os falantes, há os mais arrogantes;
em um brilha de modo especial a soberba, no outro o pecado do ódio.
Embora todos tenham se afastado de Deus, alguns são mais maus
que outros."
Apesar de suas relações com os demônios,
Fortea concorda com o papa em que o inferno, como lugar concreto, não
existe. Não é que compartilhe a afirmação
de Schopenhauer -"o inferno é o mundo"- ou a de Sartre
-"o inferno são os outros"-, mas quase.
"O que são os campos de concentração
senão o inferno? Grandes demônios Hitler e o doutor Mengele,
por exemplo. O inferno é viver a ausência de Deus. Mas
Deus tem de ser justo. Não pode não acontecer nada.
O inferno é uma necessidade de justiça", diz.
Sobre outros assuntos pode sair pela tangente. Afinal,
"até Deus, às vezes, gosta de não ser
sério; às vezes tem um senso de humor incrível".
Um dia na vida de José Antonio Fortea lembra
a rígida divisão horária de "O Nome da Rosa",
de Umberto Eco, um de seus romances preferidos. Solitário e austero,
em um quarto escuro, rodeado de livros, muitos livros, o jovem exorcista
de Alcalá de Henares começa o dia com a oração
de laudes, toma o desjejum, escreve até o meio-dia -"livros
de teologia ou novelas"-, reza, vai à paróquia (de
manhã e à tarde) para atender às pessoas que o
procuram, volta a rezar, almoça em casa enquanto vê reportagens
do Canal História, joga uma partida de xadrez, reza de novo,
escuta música clássica ou de bandas sonoras, janta vendo
mais reportagens ou um filme -"vejo aos pedaços, só
meia hora em cada jantar"-, e antes de deitar-se reza outra vez,
lê a Bíblia e faz o exame de consciência. "Para
inveja dos insones, adormeço em três minutos. E lembro
o que sonhei cada noite, com toda a clareza."
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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