02/05/2008
Susana Sarmiento, de Curitiba
http://www.setor3.com.br
Nos dias de hoje é comum o imigrante e o refugiado
sofrerem preconceito e não terem seus direitos respeitados. Essas
populações ainda são tratadas como estranhos por
saírem de seus países por motivos políticos e/ou
econômicos e por terem uma cultura diferente. A mesa especial
Direitos Humanos, Migrações e Refugiados no Cone Sul apresentou
a problemática dessas populações e debateu algumas
propostas de integração desses povos, no segundo dia do
Fórum Social do Mercosul (27/4), na Reitoria da Universidade
Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba (PR).
O debate contou com Gabriel Godoy, oficial associado
de Relações Externas do Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados (Acnur); Vera Karam de Chueiri, professora
de direito constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR);
doutora Rosane Freire Lacerda, professora universitária e assistente
jurídica do Instituto de Migrações e Direitos Humanos
(IMDH); e padre Mario Geremia, missionário scalabriniano e membro
da coordenação Nacional do Serviço Pastoral dos
Migrantes – Setor Imigrantes. Os mediadores foram Elizete Sant'Anna
de Oliveira, da Pastoral do Migrante de Curitiba, e José Antonio
Peres Gediel, professor da UFPR e diretor presidente do Instituto de
Terras Cartografia e Geociências do Paraná.
Gabriel contou a história do Acnur, que foi
criado em 1951 para reassentar 1,2 milhões de refugiados europeus
da Segunda Guerra Mundial. O órgão da Organização
das Nações Unidas (ONU) já assistiu 50 milhões
de pessoas e ganhou dois prêmios Nobel, em 1954 e 1981. Hoje protege
e dá assistência a mais de 20 milhões de pessoas
em 117 países.
O refugiado é aquele indivíduo que foi
obrigado a sair de seu país de origem por perseguição
de etnia, religião, nacionalidade, por pertencer a um determinado
grupo social ou por sua posição política. É
aquela pessoa que precisa deixar seu país por causa de grave
ameaça à sua segurança física e liberdade,
como as vítimas de conflitos armados.
O migrante é a pessoa que deixa seu país
de origem e se estabelece em outro, de forma temporária ou permanente.
Geralmente saem de seus países por motivos econômicos e/ou
políticos, porque fogem da pobreza ou do desemprego e buscam
melhores condições de vida.
"O Brasil é um dos países
da América Latina com uma das políticas mais avançadas
sobre refugiados", pontua o oficial associado do Acnur. Gabriel
comenta que hoje são quatro mil refugiados reconhecidos pelo
governo. A maioria é africano, predominantemente angolanos. O
Acnur presta serviço de assistência social, reassentamento
solidário, parcerias com as entidades da sociedade civil organizada
e articulação com as redes de proteção.
"É sempre importante promover e participar de debates dos
refugiados para sensibilizar a sociedade civil", afirma.
Após o acidente de 11 de setembro, a queda das
torres gêmeas em Nova York (Estados Unidos), Gabriel conta que
houve o fechamento das fronteiras e a criminalização dos
movimentos migratórios. Ele revela que o caso mais preocupante
é da Colômbia.
A professora Vera lembrou que a Constituição
de 1928 já completou/ou vai completar 60 anos. "O imigrante
e o refugiado são aquelas pessoas que se deslocaram por algum
motivo dentro ou fora de seus países por diferentes razões.
As principais causas são econômicas e políticas",
reforça.
Ela explica que quando as pessoas saem de suas terras
são chamados de sem terra. Segundo a professora, os séculos
XX e XXI foram conhecidos por grandes deslocamentos, principalmente
durante os regimes totalitários. "Os corpos dos deslocados
são marcados, eles se tornam sem terra, privados de direitos.
São sujeitos sem identidade, às vezes até sem memória",
opina.
Vera ressalta que, apesar do imigrante ter direito,
na prática não acontece principalmente na parte jurídica
dependendo do país onde estiver. A professora lembra que milhares
de imigrantes estão em situação irregular. São
tratados como sujeitos fora da lei. São privados de direitos
humanos e não recebem garantias que um dia voltarão para
sua terra. E ela deixou um questionamento para o público: "Onde
nós nos sentimos em casa?".
Repasse histórico
Rosana Freire Lacerda, professora universitária
e assistente jurídica do Instituto de Migrações
e Direitos Humanos (IMDH), explicou a atuação do Instituto,
que é conhecido por prestar serviços de acolhimento a
imigrantes e refugiados. "As migrações internacionais
é uma das características mais marcantes", alerta.
Ela avisa que no mundo 191 milhões são
imigrantes. No Brasil, os imigrantes regularizados são 850 mil,
enquanto o número é bem maior para os irregulares, que
não estão com sua documentação em dia.
Rosana traça um histórico. Lembra que
no período pós-guerra o direito de locomoção
e o dever de proteção ao outro passa a entrar no rol de
direitos humanos. Em 1948 houve a criação da Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Em 1966, veio o Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos. Depois de três anos, a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos no Pacto de
San José da Costa Rica. E em 1990, surgiu a Convenção
sobre Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes
e suas Famílias.
Com globalização neoliberal, a professora
afirma que aumentou o número de excluídos socialmente,
principalmente após o episódio 11 de setembro de 2001.
"Neste momento, você tem o maior número de pessoas
fugindo da fome, das perseguições políticas e outros
fatores que influenciaram de alguma forma", salienta.
Em contrapartida, ela fala que os países incrementaram
suas políticas de controle de imigração. Ela apresentou
fotos do muro que faz fronteira entre Estados Unidos e México,
cartazes com discursos racistas a imigrantes. "Essas políticas
têm uma doutrina de Segurança Nacional, de controle das
fronteiras. Reforça que o estrangeiro é visto como potencial
criminoso."
Rosane contou sobre o Conselho Nacional de Imigração
(CNIg), um órgão colegiado, tripartite vinculado ao Ministério
do Trabalho e Emprego, encarregado de implantar a política migratória
no País para suprir as lacunas das leis.
"Os principais problemas são: tratamento
pelas autoridades migratórias, preconceito, falta de documentos,
situação laboral (acesso a condições degradantes),
tratamento penal, acesso ao benefício assistencial de prestação
continuada, acesso ao Sistema Único de Saúde, acesso a
educação, entre outros. Não adianta adaptarmos
a legislação e fecharmos as fronteiras aos imigrantes,
alerta Rosane.
Acolhida
Padre Mario Geremia, missionário scalabriniano
e membro da coordenação Nacional do Serviço Pastoral
dos Migrantes - Setor Imigrantes, contou sobre a atuação
do Serviço Pastoral do Migrante (SPM) aos imigrantes, que consiste
na acolhida, assistência social e jurídica. "Primeiro
precisamos escutar para saber como orientar essas pessoas e ajudá-las
na resolução de seus problemas. Depois há a sensibilização
social e política para propormos políticas públicas
mais humanas. Nós, da Pastoral de São Paulo, lutamos pela
legislação municipal que o filho do imigrante pode estudar
nas escolas da rede pública da região e para o atendimento
a hospitais públicos. Nós pressionamos o poder público",
reforça.
O missionário ressalta que é importante
essa população lidar com o diferente para crescer e manter
sua identidade, facilitando o processo de integração com
a população local da região onde vivem. "Um
outro mundo é possível e será feito por imigrantes",
defende.
Sentindo na pele
Para o público visualizar os problemas dos imigrantes,
Elizete convidou à mesa um paraguaio e um cubano. Eles registraram
sua trajetória no Brasil e explicaram o motivo de sua saída
ao país de origem. O paraguaio Miguel veio ao Brasil aos nove
anos de idade. Sua família saiu do Paraguai por motivo de sobrevivência
política e lembrou que passou por situações de
preconceito logo quando chegou ao Brasil, além de suas dificuldades
com o idioma já que ele falava castelhano e guarani.
O imigrante latino optou pela naturalização
em 1998. Desde cedo militou em organização. Primeiro no
grupo de jovens da Igreja, depois no movimento estudantil até
chegar movimento sindical onde atua até hoje. "Parece que
canalizei nesses espaços o meu direito de reivindicar. Por isso
me identifiquei com os movimentos sociais. No início me sentia
muito vítima da situação. Depois vi oportunidade
de me integrar, mas senti dificuldade em lidar com o estranho, porque
tenho ainda outra cultura", conta.
O cubano vive no Brasil há um ano e meio e optou
pela imigração para conhecer mais coisas de sua área
profissional. Ela revela que muitos pensavam que ele tinha fugido de
seu país e o questionavam. Recebeu apoio da família e
da Pastoral do Migrante. "A principal diferença que sinto
entre os brasileiros é a formação educacional.
Tenho sorte de ter tido uma educação muito boa. Lá
não precisamos ter dinheiro para ter acesso a uma boa formação
e outros serviços básicos, como saúde. Não
me conformo quando vejo aqui que preciso ter dinheiro para ter atendimento
no hospital. Lá é tão básico isso. Nunca
alguém sem dinheiro deixaria de ser atendido e você não
encontra pessoas idosas nas ruas. Eu acredito que estou enriquecendo
os dois países: Brasil e Cuba", conclui.
Propostas finais
Para finalizar o debate sobre os imigrantes e os refugiados,
o representante do Acnur afirmou que legislação existe,
mas é necessário um debate sobre as leis. "Acredito
que a saída é a união entre os diferentes atores
sociais e o diálogo intercultural entre os povos. Uma sugestão
é formarmos um Comitê Interestadual de Refugiados como
do estado de São Paulo", propõe Gabriel, que convida
a todos para debaterem a temática refugiados e imigrantes antes
do dia 20/6, Dia Internacional do Refugiado.
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Serviço:
Fórum Social do Mercosul
Local: Reitoria da Universidade Federal do Paraná-
Quando: 26 a 28/4
Informações: www.forumsocialdomercosul.org
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