15/03/2008
Peter Steinfels
The New York Times
Neste momento em que os cristãos na maior parte
do mundo se preparam para comemorar a Ressurreição de
Jesus, é surpreendente constatar que três estudiosos, todos
conhecidos pela atenção escrupulosa dada à tradição
teológica e às fontes bíblicas, concordam que a
idéia da ressurreição é muito mal compreendida
por um grande número de pessoas.
É mal compreendida não apenas por aqueles
cujas sensibilidades contemporâneas os restringem a afirmar apenas
que a ressurreição simboliza uma espécie de vitória
vaga (e provavelmente temporária) da vida sobre a morte. Mas
também por muitos crentes devotos que se consideram extremamente
fiéis aos ensinamentos religiosos tradicionais.
Kevin J. Madigan é um católico que leciona
História Cristã na Divinity School da Universidade Harvard.
Jon D. Levenson, um colega de Harvard, é um judeu que leciona
Estudos Judaicos. Juntos eles escreveram o livro "Resurrection:
The Power of God for Christians and Jews" ("Ressurreição:
O Poder de Deus para Cristãos e Judeus"). O livro, que será
publicado no mês que vem pela editora Yale University Press, argumenta
que a idéia de que Deus trará os mortos à vida
no fim dos tempos é central tanto para as tradições
judaicas quanto cristãs.
N.T. Wright é um conhecido estudioso do Novo
Testamento que produziu muitos trabalhos acadêmicos e populares,
mesmo após ter saído da Universidade Oxford, em 2003,
para tornar-se o bispo anglicano de Durham. No mês passado ele
publicou o livro "Surprised by Hope: Rethinking Heaven, the Resurrection,
and the Mission of the Church" ("Surpreendido pela Esperança:
Repensando o Céu, a Ressurreição e a Missão
da Igreja"), pela editora HarperOne.
Esses dois livros são diferentes no tom e no
objetivo. Madigan e Levenson estão particularmente interessados
em refutar a idéia de que a ressurreição é
uma crença exclusivamente cristã, que não estaria
profundamente enraizada no judaísmo, do qual Jesus emergiu. Wright
redigiu um livro mais popular e pastoral, com propostas práticas
para a renovação da igreja.
Os livros convergem no desafio a várias idéias
generalizadas. Eles sustentam que a ressurreição não
significa simplesmente ir para o céu para uma vida após
a morte.
A ressurreição não é uma
crença que separa um cristianismo de além-mundo do judaísmo
mundano.
E tampouco é algo que se refere apenas - ou mesmo
principalmente - à sobrevivência dos indivíduos
após a morte.
Em vez disso, ambos os livros enfatizam que nos ensinamentos
clássicos judaicos e cristãos o conceito refere-se à
ressurreição coletiva de pessoas e à renovação
de toda a criação no fim dos tempos.
A ressurreição estava vinculada à
expectativa de julgamento e de um triunfo final da justiça. Foi
esta a idéia de ressurreição que se desenvolveu
quando os judeus retornaram do exílio e lutaram contra a dominação
estrangeira no período anterior a Jesus. Foi essa idéia
de ressurreição que os cristãos tinham em mente
quando declararam que aquilo que ocorreu na Páscoa foram os "primeiros
frutos" do que estava por vir.
Os autores insistem no aspecto corporal e comunal da
ressurreição, uma visão que compete há muito
tempo com um dualismo helenístico filosófico e especialmente
platônico, segundo o qual um intelecto ou espírito individual
desencarnado poderia ser salvo do seu corpo corruptível e corruptor.
Até mesmo um grande sábio judeu como Maimonides parece
ser tentado por essa direção, e Wright enxerga o legado
desse dualismo no conjunto de imagens cristãs, de Dante aos hinos
clássicos, nas quais almas destituídas de corpos encontram
o seu destino final em uma região celeste.
Esse dualismo helenístico atingiu o seu apogeu
no gnosticismo, que quase que invariavelmente afirmou a incompatibilidade
entre espírito e matéria, e procurou a salvação
na remoção do corpo material. Madigan, Levenson e Wright
vêem as posições antignósticas dos fundadores
da igreja e sábios rabínicos como uma defesa apropriada
das crenças centrais das suas tradições e não,
conforme se argumentou recentemente, como uma tática de política
religiosa.
Ao contrário do gnosticismo, o judaísmo
e o cristianismo, de maneiras diferentes, pregam o caráter positivo
da criação e a natureza imperfeita dos seres humanos.
Segundo a opinião desses autores, isso permite que ambas as tradições
religiosas evitem a ilusão de que a humanidade é capaz
de construir um mundo perfeito por conta própria, e ao mesmo
tempo instilam nos seres humanos a confiança em que o bem que
estes farão será finalmente reconhecido e completado pelo
Deus da Ressurreição.
Ambos os livros baseiam-se em trabalhos anteriores dos
seus autores. Em "Resurrection and the Restoration of Israel"
(Ressurreição e a Restauração de Israel"),
publicado pela editora Yale University Press em 2006, Levenson argumenta
que a crença na ressurreição estaria bem mais profundamente
enraizada nas escrituras hebraicas e tradições judaicas
do que muitos judeus de hoje se dão conta.
Cinco anos atrás, Wright, cujas contribuições
importantes para o debate acadêmico sobre o Jesus histórico
enfatizaram o lugar ocupado por Jesus dentro das expectativas do judaísmo
de uma restauração divina de Israel, publicou o livro
"The Resurrection of the Son of God" ("A Ressurreição
do Filho de Deus") pela editora Fortress. Embora os dois livros
enfatizem a ressurreição como a expressão final
do poder divino, dando razão àqueles que têm fé
nas promessas de Deus e na regeneração de toda a criação,
nenhum deles mostra-se indiferente à questão do destino
imediato dos mortos.
Madigan e Levenson não acreditam que as suas
explicações sobre a ressurreição impliquem
em "uma descrença na imortalidade de alguns aspectos do
indivíduo ou na idéia de que os mortos íntegros
mesmo agora desfrutem de uma abençoada comunhão com Deus".
E embora Wright possa mostrar-se bastante impaciente em relação
a grande parte da discussão sobre "almas", "imortalidade"
e "céu" bastante inserida no ritual e na liturgia do
cristianismo, ele não vê problemas quando o céu,
no sentido de "destinação post-mortem", é
encarado como um "estágio temporário no caminho para
a ressurreição final do corpo".
Essa ressurreição final, diz ele, é
menos uma "vida após a morte" do que "vida
após a vida depois da morte".
>>> clique aqui para ver a lista completa de notícias
>>>
clique aqui para voltar a página inicial do site
topo