1 - Introdução classificatória dos fenômenos
naturais
O universo que vivemos é
um tecido de fenômenos distintos, muitos deles cíclicos,
outros esporádicos. Da grande classe de fenômenos
existentes descobriu-se, ao longo do progresso da ciência,
que apenas uma parcela ínfima deles é acessível
à observação comum. Podemos dividir os fenômenos,
quanto a acessibilidade pelos sentidos ordinários em grandes
classes:
· Fenômenos
observáveis pelos sentidos comuns, fáceis de se
observar, cíclicos, facilmente previsíveis e de
grande impacto: por exemplo, eclipses do sol, da Lua, a passagem
e o fluxo das coisas da Natureza mais próxima - são
o grupo de fenômenos que forma nossa vizinhança comum
e de onde extraimos nossas principais experiências de vida;
· Fenômenos
observáveis pelos sentidos comuns mas no limiar da resolução
de captação desses sentidos. Por exemplo, o ruído
dos morcegos (a freqüências sonoras muito altas - acima
de 20KHz, mas modulados de forma a serem parte audíveis);
fenômenos celestes no limite de acuidade visual;
· Fenômenos
observáveis mais muito raros e aperiódicos: são
aqueles que se podem acessar pelos sentidos mas que contam com
reduzidas testemunhas. Por exemplo, os famosos "raios em
bola" [6] - descargas atmosféricas em forma de esferas
que surgem durante as tempestades. Outro exemplo é a queda
de meteoritos. Em geral, esses fenômenos são de difícil
descrição teórica justamente porque não
ocorrem sempre, por isso a aceitação geral deles
é tardia ou limitada;
· Fenômenos
não observáveis pelos sentidos comuns e cíclicos.
A imensa maioria dos fenômenos naturais encontra-se nessa
classe: emissão de ondas de raio, raios X pelo Sol, estrelas
e corpos celestes, o ruído em infrasom dos insetos, os
ruídos supersônicos além do limiar audível,
radiações e partículas invisíveis
que banham a Terra vindas do espaço ou de corpos radioativos;
· Fenômenos
não observáveis pelos sentidos comuns e aperiódicos.
São os fenômenos mais difíceis aparentemente.
A ciclicidade dos fenômenos está fortemente ligada
as causas dos mesmos. Em geral, fenômenos cíclicos
tem causas concebivelmente simples: o farfalhar das folhas de
uma árvore se deve a ação do vento, a mudança
das estações à mudança da altura aparente
do sol ao longo do ano etc. Já os fenômenos aperiódicos
são de mais difícil explicação. Fenômenos
não acessíveis aos sensos comuns, aperíodicos
e raros formariam a classe mais difícil de teorização.
Os fenômenos espíritas pertencem a classe dos fenômenos
não acessíveis aos sentidos comuns, aperiódicos
mas não raros. Estão fora do alcançe dos
sentidos ordinários (ainda que possam ser acessados por
um aperfeiçoamento desses sentidos - a mediunidade) mas
sua aciclicidade não se deve a uma causa necessariamente
complexa mas sim inteligente.
A fig. 1 mostra um quadro resumo
dos tipos existentes de fenômenos segundo essa classificação
Fig. 1 Esboço de uma classificação
geral dos fenômenos naturais segundo a acessibilidade aos
sentidos ordinários, freqüência de ocorrência
e causa
2 - Acessando o "imponderável"
O fato de um determinado fenômeno
tornar-se acessível por meio de uma transformação
natural (por exemplo, numa reação química
entre dois reagentes incolores produzindo um outro com uma cor
muito viva) ou de um dispositivo intermediário - um medium
- cerca o executor da operação ou o próprio
dispositivo de uma aura de mistério. Isso porque, muitas
vezes, a teoria por detrás do fenômenos é
desconhecida. Sabemos que grande parte do conhecimento científico
está na forma teórica - o que significa que fenômenos
devem estar harmonicamente ligados às teorias que os pretendem
explicar. Assim sendo, abrir os sentidos humanos a esses fenômenos
(aqueles de difícil aceitação por interagirem
fracamente com nossos sentidos) também abre perpectivas
teóricas antes inimagináveis pois, muitas vezes,
esses fenômenos inacessíveis são regidos por
leis particulares distintas dos fenômenos ordinários.
A história das ciências está repleta de muitos
exemplos nesse sentido. De modo geral, todos os fenômenos
ou ocorrências não ordinárias (para além
dos limites sensoriais), para se tornarem conhecidos, envolvem
algum tipo de meio ou sistema intermediário que é
responsável por acessar diretamente os sentidos humanos.
E não poderia ser de outra forma uma vez que nosso vínculo
com o mundo externo está ligado exclusivamente a posse
desses sentidos (fig. 2). As teorias científicas devem
não só explicar os fenômenos naturais mas
também prover subsídios para que possamos compreender
como tais fenômenos podem influenciar nossos sentidos (quais
os meios para isso, ainda que indiretos). De acordo com a Fig.
2, podemos ver que não temos acesso diretamente aos fenômenos,
mas sim aos sinais por eles gerados. Nesse processo de transmissão
de sinais, há obviamente interferências externas
e atenuações que modificam o quadro aparente dos
fenômenos para o observador.

Assim sendo, para "acessar
o imponderável" precisamos de um dispositivo ou meio
que faça a conversão entre os sinais característicos
da ocorrência "não-sensorial" e os nossos
próprios sentidos. Precisamos, antes disso, de uma ciência
que nos permita entender como isso é possível. Analisemos
brevemente aqui o mecanismo de alguns desses dispositivos - com
origem material - para depois inferir regras gerais para a busca
e pesquisa dos fenômenos espíritas em particular
sobre a possibilidade de se dispensar o mecanismo humano - os
médiuns com instrumentos par excelence da pesquisa espírita.
Para tanto vamos examinar resumidamente a descoberta de algumas
radiações e o mecanismo de funcionamente de dispositivos
que servem à pesquisa da matéria que não
impressiona os sentidos ordinários mostrados na Fig. 2.
3 - Radiações invisíveis (causas materiais)
Raio X
A 8 de Novembro de 1895, o professor
alemão Wilhelm Conrad Röntgen (1845-1923), enquanto
trabalhava em seu laboratório em Wurzburg, prestou atenção
a irradiações luminosas que partiam de uma tela
emulsionada com platinocianeto de bário, todas as vezes
que ligava um dos seus "tubos de Crookes", um dispositivo
de raios catódicos inventado por William Crookes (1832-1919).
A tela estava localizada longe do tubo e sempre reluzia ainda
que qualquer outro objeto fosse colocado na linha que a ligava
ao tubo. Röntgen foi capaz de mostrar a propriedade de penetração
desses raios, fornecendo ao mundo a primeira "radiografia"
e um método eficaz de pesquisa médica e física.
A descoberta de Röntgen foi
totalmente acidental pois os raios emitidos pelo tubo de Crookes
são completamente invisíveis. Hoje sabemos que se
devem à colisões de minúsculas partículas
(elétrons) na parede do tubo que os gera. Na época
de Röntgen a realidade dessas partículas (igualmente
invisíveis) era absolutamente desconhecida. Atentando para
o desenho da Fig. 3, vemos que a “realidade” (no sentido
de sua impressão a um sentido ordinário –
a visão) foi inferida indiretamente por meio da placa emulsionada
com o sal de bário que tem a propriedade de emitir luz
toda vez que atingida pelos raios X. Acidentalmente também,
Röntgen descobriu que esses raios não eram barrados
por obstruções materiais. Trocando a placa por uma
chapa fotográfica e o objeto por um membro do corpo humano,
a radiografia médica estava inventada.
Fig. 3 Esquema da descoberta
de Röntgen (Raios X)
Ondas de Rádio
A base teórica para compreensão
e previsão da existência de ondas de rádio
foi feita por James Clerk Maxwell em 1873 em seu artigo "A
dynamical theory of the electromagnetic field" publicado
na Royal Society. De acordo com [1], David Hughes em 1878 mostrou
que sua balança de indução provocava ruídos
em um telefone construído em casa por ele. Na época,
sua descoberta foi desqualificada como sendo efeito de indução
de correntes. Entre 1886 e 1888, Heinrich R Hertz validou a teoria
de Maxwell por experimentação, demonstrando que
a radiação gerada por ele tinha característica
de ondas. No Brasil, o padre Landell de Moura conduziu experimentos
por volta de 1893 sobre um dispositivo de rádio primitivo.
Na essência do experimento
de Hertz estava a produção de um tipo de radiação
invisível que não se poderia explicar usando o paradigma
de indução de correntes (¹). Hoje sabemos que
a indução de correntes pode ser usada na explicação
da excitação elétrica provocada nas antenas
de rádio mas acoplada à idéia da propagação
das ondas eletromagnéticas. Na época a realidade
dessas ondas não era conhecida, e muito menos que se tratava
de um tipo de radiação da mesma natureza da luz.

Fig. 4 Esquema
da demostração de Hertz sobre ondas eletromagnéticas
(OEM).
A Fig. 4 traz um desenho muito simplificado do experimento de
Hertz. Usando uma bobina de indução (semelhante
a usada por Röentgen), faíscas são geradas
em dois terminais acoplados a um sistema capacitivo (que armazena
eletricidade até ocorrer uma faísca). A faísca
gera ondas eletromagnéticas que se propagam pelo espaço
(ondas de rádio). Essas ondas são detectadas a distância
por um outro dispositivo chamado resonador. O resonador produz
faíscas cuja intensidade depende de sua distância
da bobina. Com esse arranjo, Hertz foi capaz de mostrar a “natureza
ondulatória” da radiação eletromagnética,
demostrando, inclusive a existência de polarização
nas ondas de rádio (²).
Além da possibilidade de
“ver o invisível” presente em todo espectro
eletromagnético (Fig. 5), para além do violeta e
abaixo do vermelho, sistemas de comunicação eficientes
foram desenvolvidos com considerável sofisticação
na região das ondas de rádio. O esquema inferior
da Fig. 5 (explicando a comunicação via rádio)
pode ter todos os constituintes equivalentes da Fig. 2 plenamente
evidenciados. Analisemos os experimentos de Röntgen e Hertz
de acordo com a perpectiva de interação sensorial
explícita na Fig. 2. Tanto o raio X como as ondas de rádio
- que hoje sabemos ter a mesma natureza, a despeito da diferença
de uma propriedade fundamental, o comprimento de onda - não
geram fenômenos registráveis pelos sentidos descritos
na Fig. 2. Houve uma longa cadeia de raciocínios e ponderações
(com consideráveis trabalhos teóricos) até
que se concluísse serem os dois experimentos explicáveis
por uma mesma causa. Não se pode dizer que os raios X ou
as ondas de rádio tornaram-se conhecidas para nós
por meio desses experimentos, sem levar em consideração
os trabalhos teóricos da época. Podemos dizer que
eles evidenciam hoje, diante de uma teoria consideravelmente aceita
e bem desenvolvida - e de forma totalmente indireta aos nossos
sentidos humanos - a existência de uma causa comum que nos
é insensível. Esses arranjos experimentais (e outros
mais sofisticados) são meios que nos possibilitam hoje
interagir com radiações invisíveis, através
de sistemas que geram sinais detectáveis por nossos sentidos
ordinários.

Fig. 5 Espectro eletromagnético
e uma explicação de como funciona o sistema de comunicação
via rádio.
Referências
[1] http://en.wikipedia.org/wiki/Radio
¹ Diz respeito ao aparecimento
de correntes em condutores devido a ação de outras
correntes próximas ou magnetos em movimento.
² Fenômeno típico
da radiação luminosa que se sabia, na época,
ter origem na natureza ondulatória da luz.
4 - Fenômenos limiares (causas materiais)
Os dispositivos descritos na seção
anterior envolvem algum tipo de radiação invisível.
Aqui vamos discutir dispositivos ou sistemas que permitem “observar”
ou inferir a presença de outro tipo de corpo invisível
utilizando propriedades de estado da matéria.
Câmara de Núvens
O desenvolvimento da câmera
de nuvens, também conhecida como câmera de Wilson,
representou um passo importante na física do século
XX. Uma variante da câmera de Wilson é a câmera
de bolhas que emprega líquido ao invés de vapor.
O objetivo desse dispositivo é observar traços de
partículas carregadas eletricamente. Naturalmente, partículas
elementares são invisíveis. Por isso, esses dispositivos
foram desenvolvidos, pois permitem observar indiretamente o traçado
dessas partículas. Considerando ainda que existem partículas
desconhecidas, muitas delas cuja existência foi prevista
teoricamente muito antes da evidência experimental, a câmera
de bolhas foi um dispositivo eficiente na comprovação
experimental de novas descobertas. Charles T. R. Wilson e Arthur
H. Compton receberam o prêmio Nobel de Física por
suas descobertas utilizando a câmara de núvens em
1927.
O princípio de funcionamento
da câmera de nuvens é bem simples [2][3]. Um gás
ou vapor é colocado a uma pressão superior a pressão
de ponto de saturação (a partir de onde começa
uma transição de fase de vapor para líquido).
Esse tipo de fenômeno é conhecido como “meta-estabilidade”.
Basta uma pequena perturbação para que haja condensação
do vapor na forma líquida que, então, pode ser observada.
Essa perturbação pode ser causada pela presença
de íons (partículas carregadas). Uma avalanche de
condensação ocorre ao longo da trajetória
da partícula gerando gotas que ficam em suspensão
e que podem ser fotografadas.
O arranjo experimental da câmera
de núvens é mostrado na Fig.6a. A câmara armazena
o vapor à pressão correta. Um campo magnético
pode cobrir a região de observação do fenômeno.
Com isso, é possível saber a carga e medir a energia
com que a partícula ou íon atravessa o espaço.
Ao atingir a câmara, o vapor se condensa na trajetória
da partícula ou íon, o que pode ser fotografado
ou mesmo visualizado. A Fig. 6b traz uma imagem negativa de um
traçado obitido em uma câmara de núvens onde
se podem distinguir as trajetórias de diversas partículas
facilmente (inclusive osfamosos mesóns pi).
A

Fig. 6 Arranjo básico
de uma câmera de núvens (a).
B

Exemplo de traço de partículas
obitido onde se evidencia a existência de píons e
outras partículas elementares.
A câmera de núvens
só funciona porque as partículas carregadas interagem
com o vapor saturado. Partículas neutras não geram
traçado algum (como se pode ver na Fig. 6b nos traçados
em branco da partículas lambda e K que são neutras).
Câmera Schlieren
Hoje sabemos que o som é
uma forma de vibração mecânica que se propaga
no ar. Essa vibração tem freqüência particular
(³) e impressiona diretamente nossos ouvidos constituindo
o rico universo sonoro. Sabemos também que a sensação
de calor advém das vibrações mecânicas
das moléculas de ar ao nosso redor (que tem uma energia
de movimento superior ao de um ambiente mais frio). O calor também
se “propaga” como radiação: as vibrações
moleculares podem ser “excitadas” por um tipo de luz
invisível - a radiação infravermelha distante
- que nada mais é do que um tipo de radiação
eletromagética semelhante à luz ordinária
mas invisível. É assim que recebemos o calor diretamente
do sol, pois o espaço entre a Terra e nossa estrela mais
próxima não tem densidade de matéria para
possibilitar o transporte de calor por meio mecânico (colisão
entre moléculas).
Tanto o som como o calor são
acessíveis aos sentidos humanos por meio de sentidos distintos
da visão. Entretanto existe um meio de tornar tanto o som
como o calor visíveis. Essa é a tarefa de um dispositivo
conhecido como câmera Schlieren [4] (do alemão “estrias”),
que gostaríamos de comentar como próximo exemplo.
O princípio de funcionamento e esquema de uma câmara
Schlieren é mostrado na Fig. 7. Uma fonte de luz pontual
é colocada no foco (ponto de convergência de raios
do infinito) de uma lente convexa L1. Há uma certa distância
de L1 uma outra lente convexa L2 (que pode ser idêntica
a L1) é colocada de tal forma que seu foco coincida com
a posição de um anteparo em forma de lâmina.

Fig. 7 Esquema óptico de
funcionamento de uma câmera Schlieren
Um objeto é colocado entre
as lentes L1 e L2. Esse objeto está colocado há
uma certa distância de L2 de tal forma que sua imagem (se
não existisse o anteparo em canto) é formada sobre
o anteparo ou câmera fotográfica. Porque o anteparo
em canto é colocado exatamente sobre o foco da lente L2,
qualquer variação na posição do canto
causa o obscurescimento da tela e nenhuma imagem é observada.
O mesmo efeito acontece se houver uma variação nas
propriedades ópticas do meio onde o objeto é colocado.
Uma pequena variação nessa propriedade (conhecida
como “índice de refração”, que
mede o grau com que a luz é desviada pela matéria
- sendo uma propriedade da matéria e da cor da luz) é
amplificada pelo arranjo óptico e localização
do anteparo. Assim, se na região de teste (onde se coloca
o objeto) fizermos som se propagar a uma freqüência
e intensidade definida (usando um gerador de som) podemos observar
no anteparo as variações de pressão causadas
pelas ondas sonoras que também podem ser descritas como
ondas de pressão. O som torna-se visível! A câmera
Schlieren é utilizada em laboratórios mundiais na
pesquisa de sistemas de aquecimento, combustão de gases,
sistemas aerodinâmicos e outros [5]. Fotos desse tipo permitem
visualizar fenômenos que acontecem em meios transparentes
(o que inclui líquidos).
Além disso, qualquer
variação térmica no fluído da região
de teste torna-se visível no anteparo da câmera.
A Fig. 8 trás duas fotos Schieren particularmente interessantes.
Na Fig. 8(a) uma pessoa tosse. O fluido expelido (a uma temperadura
maior que ambiente) produz eflúvios térmicos fácilmente
visíveis. Pode-se notar também que o calor que emana
da cabeça da pessoa provoca ondas de convecção
que sobem por serem menos densas. Na Fig. 8(b) uma foto Schlieren
de uma mão “recém-aberta” mostra eflúvios
térmicos emanando da palma extendida.
(a)

Fig. 8 Imagens Schlieren mostrando eflúvios
térmicos de uma pessoa tossindo (a)
(b)

e de uma mão “recém
aberta” (b). Crédito: Dr. Gary Settles/ Science photo
libray.
Os dois exemplos mostrados mostram
como explorando propriedades de mudança de estado de sistemas
pode-se amplificar perturbações muito pequenas e
tornar acessível aos sentidos comuns objetos ou coisas
relacionados as causas das perturbações pequenas.
No caso da câmera de bolhas, a metaestabilidade do líquido
permite rastrear íons carregados tornando “visíveis”
partículas ínfimas. No caso Schlieren, a região
de foco onde se coloca o anteparo em canto é para onde
convergem todos os raios da fonte luminosa que foram colimados
pela lente L1. Portanto, qualquer variação da área
provocada pela colocação de um anteparo provoca
grandes oscilações no nível de luz no anteparo
final. Variações pequenas no índice de refração
do meio transparente são assim amplificadas permitindo
a visualização tanto de fenômenos sonoros
como térmicos.
Referências
3. Na verdade
qualquer som, a menos que seja “puro”, tem uma distribuição
de freqüências típicas.
Câmera Kirlian
Propositalmente incluímos
no final desse texto uma breve análise de um fenômeno
ou técnica fotográfica que se tornou bastante popular
nas décadas de 70 e 80, sendo utilizada para realização
de diagnósticos médicos, a despeito de soar suspeita
à comunidade acadêmica. Trata-se do método
de fotografia elétrica (eletrografia) descoberto por Semyon
Kirlian, um técnico de eletrônica russo, por volta
de 1939.
Antes de analisar as explicações
e os propósitos da foto Kirlian, vamos descrever com algum
detalhe a técnica fotográfica Kirlian.

Fig. 9 Esquema com os elementos
básicos de uma câmera Kirlian clássica
Na técnica clássica
de fotografia Kirlian, um objeto “biológico”
ou amostra com razoável condutividade elétrica (obviamente
pode-se colocar um objeto não vivo, por exemplo, uma moeda)
é colocado sobre o filme que toca a superfície de
uma placa metálica. Essa placa é conectada a um
gerador de alta tensão alternada (que pode ser um bobina
de Tesla, transformador de alta tensão, isto é,
a voltagem elétrica final é uma função
oscilante no tempo com uma certa distribuição de
frequências). Freqüências típicas giram
em torno de 70KHz. Os potenciais envolvidos são bastante
elevados, mas a corrente total que circula no circuito da Fig.
9 é regulada de forma a ser pequena (para evitar choque
elétrico ou descaracterização da amostra).
A amostra biológica é conectada a um fio terra para
reduzir seu potencial. O objeto biológico (que pode ser
o dedo de uma pessoa) toca a superfície onde o material
sensível à luz é depositado. Ao se ligar
o gerador de alta tensão por alguns segundos (o tempo de
exposição depende da sensibilidade do filme), uma
imagem da descarga elétrica é revelada (Fig. 10).
a)

b)

Fig. 10 Exemplo de fotos Kirlian
(a) um negativo preto e branco do efeito corona em torno de uma
moeda,
(b) Foto Kirlian em filme fotográfico
do dedo de uma pessoa revelando tonalidade de cores bem diferentes
do efeito corona
É possível observar a vista desarmada o surgimento
de uma coroa de raios, por isso o nome “descarga corona”,
em torno do objeto. Essa coroa tem a cor azulada, típica
de fenômeno elétrico de alta tensão. Deve-se
a ionização de gases presentes em torno do objeto,
isto é, o campo de rádio frequência (RF) “excita”
o ar em torno do objeto. Muitos dos constituintes do ar tem moléculas
que se tornam ionizadas, isto é, perdem elétrons
tornando-se carregadas positivamente. Os elétrons oscilam
“livremente”, isto é de acordo com o campo
elétrico, eventualmente encontrando íons positivos
e se ligando a eles. Esse processo gera luz visível, ou
seja, a descarga corona é um mecanismo pouco eficiente
de conversão de energia eletromagnética em luz.
Se pudessemos computar o total de energia por segundo (em Watts)
envolvido no fenômeno (fornecido pelo gerador de alta tensão)
diríamos que uma parte é transformada em luz, outra
em calor (colisão de elétrons com a rede cristalina
do metal a potencial oscilante, que gera calor) e a imensa quantidade
está presente no próprio campo de RF, ou seja, nunca
deixa de ser energia elétrica mesmo e é carregada
pelos elétrons. A cor azul que se vê a vista desarmada
- como a que se vê na Fig. 10 (b) - é característica
do tipo de gás que envolve o objeto, o ar, na imensa maioria
nitrogênio e oxigênio ionizados e compostos, a mesma
cor que se pode ver nas chamas de fogão ou nos relâmpagos
das tempestades.
Ocorre que outros tipos de cores
e tonalidades (não visíveis) aparecem no filme fotográfico,
Fig. 10(b). A que se deve isso? Uma quantidade grande de especulações
e teses foram levantadas, na falta de uma teoria que unifique
todos os arranjos experimentais possíveis e forneça
uma explicação para o aparecimento das cores. Em
todo ramo do conhecimento científico onde aparecem fissuras
teóricas, é provavel também a exploração
de fenômenos pouco conhecidos de forma considerada “pouco
científica”. Por “científico”
aqui no referimos tão somente à existência
de uma teoria bem desenvolvida. No caso da foto Kirlian, a deficiência
teórica está localizada na dificuldade de se unir
duas grandes áreas da ciência: a física e
a química. Existem lacunas consideráveis no explicação
de reatividade química de gases submetidos à potenciais
oscilantes elevados [6], como eles interagem com um depósito
de sais fotosensíveis e como esses sais eventualmente interagem
com esse mesmo campo elétrico oscilante. Além disso
físicos e químicos utilizam linguagens e abordagens
bem diferentes para tratar um mesmo fenômeno. Para químicos,
reações químicas complexas ocorrem no ar
excitado pelo campo elétrico (que aumenta a reatividade
química dos constituintes do ar) enquanto que, para físicos,
a descarga corona é um tipo de plasma frio (4). Isso aliado
ao pouco interesse acadêmico das fotos Kirlian, contribui
para tornar a situação ainda mais desoladora.
Nesse ambiente de aridez teórica
surgem então explicações dos mais variados
tipos, algumas que pretendem “esgotar” completamente
o tópico, outras meramente ligadas a aspectos comerciais
que exploram outras hipóteses. Uma rápida busca
na internet levanta explicações como citadas abaixo:
1. Uma câmera que coloca
sua aura ou campo de energia no filme instantaneamente. Descubra
sua freqüência vibracional pessoal através da
fotografia Kirlian. [7]
2. A fotografia Kirlian é
uma ferramenta valiosa que produz fotos, videos ou imagens computadorizadas
do fluxo de energia. [8]
3. “...o que é ionizado
pelas descargas elétricas são os gases e/ou vapores
exalados pelas papilas digitais. Como esses gases e/ou vapores
são produzidos pelo metabolismo celular, está claro
que indicarão como se encontra o estado de saúde
orgânica e psíquica da pessoa, inclusive, até
mesmo, sua sexualidade, devido à exalação
dos feromônios.”[9]
4. …Um método de
investigação de objetos biológicos, baseado
na interpretação da imagem em descarga corona obtida
durante exposição a um campo de alta freqüência,
de alta voltagem, que é gravado seja em filme fotográfico
ou por equipamentos de gravação de vídeo
modernos. Seu principal uso é fornecer um meio rápido,
barato e relativamente não invasivo de diagnóstico
de estados fisiológicos e psicológicos.
Pode-se dividir os tipos de explicações
para as fotos Kirlian em dois tipos: a) explicações
não físicas b) explicações físico-patológicas.
O primeiro tipo pretende dizer que as cores ou mesmo a própria
imagem de raios corona está ligado “a aura”
do indivíduo, sendo uma imagem desta. Obviamente esse tipo
de “explicação” tem nítidos objetivos
comerciais - em (1) e (2) o objetivo é vender “máquinas
Kirlian” - sendo uma maneira de se explorar indiscriminadamente
a idéia que se capturar com máquinas objetos de
natureza “não material”. Naturalmente, isso
não causa prejuízos a existência do fenômeno
de avistamento de halos ou figuras luminosas em torno de pessoas
ou Espíritos, que é bastante comum na literatura
espírita ou mesmo religiosa antiga. Trata-se esse último
de um tipo de fenômeno relacionado ao estado de vidência
mediúnica e de natureza muito distinta do que estamos analisando
aqui.
Particularmente em (2) fala-se
em um “fluxo de energia”. É de certa forma
correto dizer que uma foto Kirlian representa um impressão
fotográfica “do campo de energia”, apenas devendo-se
acrescentar “energia elétrica”. O potencial
elétrico alternado em torno do objeto nas proximidades
da placa metálica energizada tem seus valores mais elevados
justamente na região vizinhas ao objeto, um potencial suficiente
para que haja ruptura das moléculas (excitação)
e conversão em luz. O efeito corona é assim um mapa
das regiões de maior intensidade desse campo, que não
se limita a essas regiões entretanto, semelhantemente ao
que ocorre com a câmara de nuvens e Schlieren descritas
anteriormente. Em (2) a palavra “energia” é
utilizada sem referência alguma ao tipo, explorando uma
possível falta de conhecimento do leitor do real significado
dessa palavra. Além disso a expressão “freqüência
vibracional pessoal” carece de qualquer significado. Definitivamente,
fotos Kirlian não são um mecanismo de se acessar
o invisível dessa maneira.
Explicações “físico-patológicas”
tiveram início com o próprio Kirlian e se desenvolveram
na extinta União Soviética através da criação
da idéia de “bioplasma”. Em “Photography
by means of high-frequency currents” [11], Semyon Kirlian
e Valentina Kh. Kirlian descrevem:
“Um organismo vivo (por
exemplo, a folha de uma planta) que foi colocada em um campo
elétrico de um oscilador distorce o campo de acordo com
sua natureza dielétrica. Não importa quantas espécies
de plantas são fotografadas sob as mesmas condições,
cada espécie dará uma imagem de caráter
único.”
A seguir ainda comenta:
“Podemos concluir que
a condição biológica dos objetos vivos,
quando fotografados com a corrente de alta freqüência,
é representada em magnitudes elétricas que que
esse sistema eletro-óptico é capaz de gravar essa
topografia.
Estabelecendo-se a conexão
entre a mudança no estado elétrico e a a anatomia
e fisologia do objeto vivo, o método da fotografia de
altas freqüências pode ter aplicações
científicas variadas. Por exemplo, em agricultura, ela
pode ser usada para determinar o grau de maturidade de uma planta,
a produtividade de uma plantação, processos patológicos
etc."
A origem da aplicação
de Kirlian (que se tornou a razão de suas pesquisas) foi
a relação que existe entre as constantes dielétricas
(5) e impedância superficial a altas freqüências
dos materiais (no caso seres animados) e seu estado interno. Naturalmente,
é concebível que o efeito corona seja modificado
se essas propriedades se alterem. Assim, ao se fotografar uma
folha de um vegetal recém cortado, folha que contem razoável
quantidade de água, pode-se observar uma redução
do efeito corona ao longo do tempo, a medida que a água
ou outras substâncias abandonam a folha em estado de decomposição.
Da mesma forma, o efeito Kirlian observado ao redor do dedo de
uma cadáver, deve evoluir no tempo na direção
de um padrão comum a medida que o estado de decomposição
se acelera, uma vez que, com o fim do metabolismo, muitas substâncias
deixam de ser produzidas, outras passam a existir, o tecido se
modifica, causando uma conseqüente variação
nas constantes dielétricas. Essa variação
na luminosidade do padrão de um corpo vivo em decomposição,
não pode de forma alguma ser interpretada como o “abandono
do Espírito” desse corpo, como muitos interpretaram.
A essência da interpretação físico-patológica
é correta, uma vez que existe uma ligação
clara prevista em teoria entre as propriedades elétricas
dos materiais e o efeito Kirlian.
Entretanto, pouco se sabe se essa
relação permite utilizar o efeito Kirlian como um
método de diagnóstico médico. Assim na frase
(3) da referência [9] o “está claro que”
- grifo nosso - ainda deve ser melhor explorada. Não está
claro que o efeito corona é sensível suficiente
para que um sistema seguro de diagnóstico seja possível.
Para estudos recentes nesse sentido ver [12][13].
O efeito Kirlian pode assim representar
um dispositivo capaz de evidenciar visualmente o estado biológico
de seres vivos de acordo com a idéia original de Kirlian.
Essa relação é totalmente material: da mesma
forma que a câmara Schlieren pode revelar os eflúvios
térmicos da mão de uma pessoa viva, o efeito Kirlian
também pode (mas de outra forma), o que seria uma indicação
indireta da atividade biológica nesse ser. Entretanto,
poucos estamos autorizados a afirmar que uma ferramente precisa
de diagnóstico existe nas interpretações
das imagens Kirlian, ou que seja possível correlacionar
o estado psicológico de indivíduos com esses padrões.
Fig. 11
O quadro resumo da Fig. 11 é
uma sumário da atual situação quanto ao desenvolvimento
científico da pesquisa com o efeito Kirlian. Claro está
que se trata de pesquisa multidisciplinar, envolvendo a física,
química, biologia e medicina. Quase nada sabemos da relação
entre as constantes elétricas dos materiais vivos e os
constituintes químicos, pois cada um desses objetos teóricos
é descrito por disciplina diferente. Assim a conclusão
final obtida pela cadeia de afirmações em branco
na Fig. 11 não pode ser categoricamente afirmada.
5 - Comentários
finais
Os arranjos experimentais aqui
descritos são muito simples e existe uma teoria muito bem
desenvolvida para explicá-los (com excessão à
câmera Kirlian). Isso faz parte do jogo da ciência,
onde teoria deve antecipar e prever corretamente fenômenos
naturais. O conhecimento da teoria e dos fenômenos que ocorrem
ciclicamente ou não permitem realizar arranjos que amplifiquem
ou tornem visíveis fenômenos não percebidos
sensorialmente por meios normais. Essa mesma teoria que explica
os arranjos (como aqui descritos) também valida resultados
de medidas obtidos por ele. Assim sendo, a teoria óptica
valida as images como na Fig. 8(a) e 8(b) não permitindo
que sejam interpretadas como meras ilusões de óptica.
Também é importante
considerar que, a despeito das teorias que hoje se adequam harmonicamente
aos arranjos, a geração de sinais sensíveis
aos olhos ou aos sentidos humanos só é possível
indiretamente. Assim, existem elementos transdutores - em todos
os exemplos discutidos até aqui - que fazem a conversão
dos sinais não sensoriais em equivalentes sensoriais. Assim,
enfatizamos como corolário:
Em todo e qualquer sistema natural
onde tais elementos transdutores existam garantidos por uma teoria
bem desenvolvida, a observação, por meio dos sentidos
ordinários, de fenômenos ou ocorrências relacionados
a sinais não sensíveis é possível.
Ressaltamos que isso só
é possível se uma teoria completa da comunicação
dos sinais for plenamente desenvolvida. Faz parte da busca técnica
pós teoria o desenvolvimento desses dispositivos, o que
consiste uma ciência a parte. Assim a existência de
computadores e telefones celulares só apareceu muito depois
da teoria dos circuitos elétricos, que só apareceram
depois que as leis básicas de fluxo de correntes em condutores
foi desenvolvida.
No caso do efeito Kirlian, podemos
certamente afirmar que se trata de um fenômeno que permite
observar visualmente variações nas constantes dielétricas,
impedância superficial e outras propriedades de corpos vivos.
Entretanto, resta ainda uma longa pesquisa interdisciplinar para
validar afirmações de que se trata de um método
eficaz de diagnóstico ou de conhecimento do estado psicológico
de indivíduos (um meio de se acessar o “invisível”)
Nosso objetivo aqui foi demonstrar
que a existência de transdutores ou dispositivos que permitem
acessar radiações e influências que não
existem para os sentidos ordinários só é
possível (isto é, se torna parte integrande da técnica
e da engenharia) quando uma teoria bem desenvolvida existe. Esse
é o caso dos inúmeros equipamentos de pesquisa científica
que utilizam correntes elétricas, luz, substância
químicas, arranjos termodinâmicos e outros para possibilitar
inferir quantidades de constituintes da Natureza. A medida dessas
quantidades está sujeita a erros uma vez que outros fatores
também influenciam e é necessário garantir
o controle dentro de limites especificados de todos eles.
Na ausência de uma base
teórica sólida, a proposição de equipamentos
para determinados fins como elementos transdutores é seriamente
comprometida pois sempre existirão opiniões e explicações
contraditórias que podem invalidar o propósito para
o qual os equipamentos foram constuídos.
Esse texto tem como objetivo também
motivar o leitor a ponderar sobre interpretações
diversas do famoso “Fenômeno das vozes eletrônicas”
(EVP) ou “Transcomunicação instrumental”
(TCI), como ficaram conhecidas as técnicas eletrônicas
de gravação de vozes e imagens vindo dos desencarnados
[14][15]. Trata-se, certamente, de métodos de se acessar
o “invisível”. Deixamos ao leitor uma análise
mais detalhada do assunto e a tarefa de aplicar alguns conceitos
discutidos nesse texto ao caso da TCI e EVP. Para motivar ainda
mais perguntamos: é possível descartar a necessidade
de um médium na produção do fenômento
TCI ou EVP? Trataremos desse fenômeno em particular em um
texto mais abrangente a ser publicado em breve.