Ademir
L. Xavier Jr.
> Sobre a existência dos Espíritos: diferença
entre percepção e observação (I)

Cena do livro "Emperor of Thorns"
(Arte da obra por Broken Empire Omnibus ed. Jason Chan)
Podemos dizer
com toda a certeza que o problema da aceitação da existência
dos Espíritos - enquanto forças externas a nós
- pode ser colocado em uma forma semelhante ao problema da aceitação
da existências de coisas não observáveis pela Ciência.
Já discutimos esse problema aqui neste blog, quando apresentamos
um artigo de P. Churchland [1] onde esse
autor descreve o chamado "movimento Browniano" como uma das
evidências para a existência de átomos. Por muito
tempo, a questão sobre a existências de átomos foi
debatida, mas somente foi definitivamente aceita com avanços
mais recentes da física moderna.
A questão da existência
dos Espíritos parece ser um capítulo parecido numa obra
sobre a "aceitação dos invisíveis", ou
seja, sobre a existência de entidades que não sensibilizam
diretamente os sentidos humanos comuns. Assim, há coisas no mundo
que, não obstante existirem, não são percebidas
por nós diretamente. Mas, como podemos estar certos de que elas
de fato existem? Quais são as condições de sua
aceitação?
A história recente da Ciência é uma progressão
de evidências que acabaram por nos separar definitivamente da
ideia de que somente aquilo que podemos perceber diretamente existe
[2]. A existência dos Espíritos
adiciona um novo capítulo porque não parece haver por
enquanto qualquer meio (instrumento, [2b])
capaz de transmitir a nós a sensação da existência
deles.
Obviamente, o problema não existe para os que sentiram ou sentem
a presença os Espíritos. Os sentidos humanos, desde que
expandidos (como no caso da mediunidade) podem percebê-los. Em
nossa discussão inicial, nos referimos aos sentidos humanos
ordinários para depois abordar a questão dos sentidos
expandidos. Trataremos disso em um último post de uma série
de três.
O assunto é interessante e envolve uma mudança mais ou
menos radical na noção do senso comum de acreditar nas
coisas. De fato, essa mudança se verificou ao longo de diversas
ciências (como a física e a química), que foram
"obrigadas a crer" em coisas que não podem ser observadas
diretamente, mas que existem.
Diferença entre percepção
e observação
É necessário, antes de
tudo, distinguir entre 'percepção' e 'observação'
dos fenômenos da Natureza.
Uma percepção
nada mais é que um estado mental (ou seja, um estado privado
ao indivíduo que percebe) que não implica diretamente
em qualquer conhecimento próprio sobre aquilo que
é percebido [2c].
Exemplo: vejo um lápis em um copo com água, ele
parece quebrado. Mas sei que o lápis não está quebrado
de fato. A visão do lápis quebrado é uma imagem
que se forma na minha mente, mas que não corresponde ao conhecimento
que tenho sobre o lápis.
As ciências antigas (antes do renascimento) eram muitas vezes
baseadas em percepções dos sentidos. Mas, mesmo os antigos
já sabiam que os sentidos são facilmente enganados. Para
que uma percepção gere conhecimento, ela deve estar acompanhada
de outras informações sobre a coisa percebida. Esse conhecimento
pregresso é muitas vezes obtido de diferentes maneiras e representa
um tipo de concepção própria pré-existente
do mundo (que pode ser herdado, aprendido etc). De certa forma, nossa
percepção é revestida dessa informação
adicional para que aquilo que sentimos seja aceito como verdadeiro de
fato.
As ciências modernas são baseadas nas chamadas 'experiências
sensíveis' que são, verdadeiramente, observações
[3]. De forma geral, podemos dizer que
observações incluem as percepções dos sentidos,
mas não se restringem a elas [2c]
porque as observações são guiadas por algo mais.
Entretanto, podemos argumentar que as ciências modernas em nada
modificaram a necessidade das percepções quando instrumentos
foram desenvolvidos para permitir que os invisíveis (no sentido
amplo) se tornasse 'visíveis', ou seja, acessíveis aos
sentidos humanos. De fato, instrumentos são úteis em Ciência
porque eles permitem [2c]:
- Melhorar a acurácia da percepção;
- Padronizar as observações
feitas através deles.
Considere a imagem da Figura 1. Ela
é o registro de vírus da Hepatite A conseguida por meio
de um microscópio eletrônico. Se não tenho como
ver um vírus com meus olhos, com o microscópio posso inclusive
medir o seu tamanho em uma escala e compará-lo ao de outros objetos
igualmente invisíveis a sua volta.

Fig. 1 Imagem de um microscópio mostrando
vírus da Hepatite A.
Como posso estar certo de que essa imagem realmente corresponde a um
vírus da Hepatite A?
Mais ainda, ela é uma prova de vírus existem?
Entretanto, penso de forma ingênua quando acredito que minha percepção
foi apenas expandida quando observo essa imagem do vírus
pelo microscópio. Somente devo acreditar que a imagem corresponde
mesmo ao vírus se souber como o microscópio funciona,
ou seja, sou obrigado a crer em uma sequência grande de suposições,
aproximações e informações que justificam
categoricamente que aquela imagem é mesmo da tal entidade (o
vírus) invisível.
Ora, todas essas coisas adicionais não são obtidas exclusivamente
por meio de observações e, muito menos, percepções.
Elas resultam de estudos em inúmeras outras ciências que,
muitas vezes, nada tem a ver com o objeto que percebo através
do instrumento. Esse conjunto de raciocínios, aproximações
e informações é conhecido como teoria
e constitui elemento fundamental de uma observação científica:
Uma observação
é um procedimento complexo no qual tanto a percepção
como um prejulgamento de natureza teórica concorrem
para produzir uma afirmação a respeito da coisa observada,
o que inclui sua própria existência, caso ela não
seja percebida pelos sentidos [2c].
Uma maneira de tentar salvar nossa crença
exclusiva nas percepções (o popular "ver para crer")
é justamente só aceitar como existindo aquilo que é
validado por nossas percepções e rejeitar qualquer coisa
que venha por meio de uma teoria. Mas, ao se fazer isso:
- Somente aquilo que é percebido é real;
- Qualquer observação, para ser válida,
deve ser reduzida a uma percepção.
Portanto, aceitar esse ponto de vista leva a rejeição
de quase tudo que a ciência moderna descobriu. Não é
possível aceitar uma observação por instrumentos
porque elas não envolvem apenas percepções. Logo,
não há como escapar à conclusão:
Ao se aceitar a existência de entidades
não observáveis (os invisíveis) estamos também
obrigatoriamente aceitando a teoria que postula sua existência
e as teorias por meio das quais os instrumentos de sua observação
são validados.
De forma simbólica:

A existência de uma entidade
I (invisível) implica na aceitação da teoria
T para a qual I existe. O oposto também vale: ao se aceitar
uma teoria T para a qual I existe, também aceitamos a existência
de I.
Assim, a imagem do vírus da Hepatite
A (Fig. 1) não constitui a única
prova da existência desse vírus. De fato, se ela não
estivesse disponível, a medicina ainda acreditaria na existência
dos vírus como entidades necessárias para explicar uma
quantidade grande de patologias. Em ciência muitas vezes não
é necessário que provas sensíveis existam
(de forma a sensibilizar os sentidos humanos, ainda que por meio de
aparelhos) para que as causas dos fenômenos sejam aceitas.
Esse tipo de postura é chamada realista, mas trata-se
de um tipo específico de realismo que agora nada tem a ver com
o realismo ingênuo das meras percepções. Assim,
por exemplo, tenho toda razão em rejeitar que aquela imagem seja
mesmo a da entidade invisível (o vírus da Hepatite A na
Figura 1) se a teoria que explica como ela é gerada estiver errada.
Isso pode acontecer se o instrumento de medida estiver com defeito,
por exemplo [5]. A maior parte das pessoas
aceita a imagem, entretanto, por uma crença ingênua que
dispensa entender os aspectos teóricos envolvidos.
Por causa de certo preconceito adquirido, nossa tendência é
desejar que o "senso de realidade" das coisas invisíveis
seja o mais parecido possível com aquilo que percebemos através
das percepções. Essas estão originalmente associadas
à maneira primitiva como nós aprendemos sobre o mundo
a nossa volta. Trazemos uma representação desse mundo
na mente que foi inteiramente adquirida por meio das percepções.
Essa representação é reforçada por estímulos
externos que frequentemente nos alcançam (pelos mesmos sentidos),
de forma que tomamos como real apenas aquilo que nos chegam exatamente
por eles.
A dependência de nossa crença
pelas teorias
A conclusão que tiramos sobre
a dependência crucial que a crença em coisas invisíveis
tem da teoria que as postula aumenta consideravelmente a importância
das teorias como mecanismos de apreensão da realidade a nossa
volta.
De fato, uma teoria tem como características
[2c]:
- Uma explicação logicamente suficiente
sobre fatos ou objetos observados,
- O máximo que se pode exigir de uma teoria
é que ela seja compatível com os dados existentes,
- Não necessariamente, uma teoria é
uma explicação "cogente" [4]
do objeto que explica.
Em outras palavras, quando aceitamos
uma teoria como base para a crença na existência de coisas
invisíveis (os não observáveis) estamos de fato
dando um "salto no escuro" porque não temos meios adicionais
(exceto pelos próprios dados disponíveis que são
limitados) de "comprovar" que aquela teoria é, de fato,
verdadeira.

Fig. 2 Síntese dos conceitos descritos aqui:
a observação como resultado das percepções
guiadas com argumentos de natureza teórica que leva ao conhecimento.
Entretanto, nem tudo o que uma determinada
teoria admite como existindo para explicar um ou mais fenômenos
na Natureza necessariamente tem sua existência na realidade. Assim
a entidade I postulada pode ser apenas um "instrumento teórico"
necessário para a explicação e nada mais. A questão
do realismo é presentemente um debate com aspectos profundos
porque levanta dúvidas por parte dos que são céticos
dessa postura realista. Entretanto, permanece com grande força
o argumento: se as entidades teóricas postuladas não existem
de alguma forma, como é possível que teorias científicas
tenham tamanho sucesso preditivo?
No próximo post: realismo e ceticismo.
Referências e Comentários
[1] Como
a parapsicologia poderia se tornar uma ciência. (P. Churchland).
[2] Uma ponto de vista sobre as coisas conhecido como
"realismo do senso comum": somente o que pode ser observado
é "real".
[2b] Há diversas evidências sobre a ação
dos Espíritos em equipamentos eletrônicos. O fenômeno
das "Vozes Eletrônica" é um desses casos que
merecem melhor investigação. Entretanto, salvo contrário,
não se pode deixar de qualificá-los como um tipo de mediunidade
de efeitos físicos que ainda prescinde da presença humana
para sua manifestação.
[2c] Agazzi, E., & Pauri, M. (Eds.). (2000). The
reality of the unobservable: Observability, unobservability and their
impact on the issue of scientific realism (Vol. 215). Introduction
by E. Agazzi e M. Pauri. Springer Science & Business Media.
[3] Eis uma importante face da revolução
do renascimento: a invenção da ciência moderna que
viria a fundamentar a crença na observação (como
definido acima) e na teoria.
[4] Diz-se de um argumento expresso de forma clara
e que é capaz de persuadir as pessoas. Suas premissas são
verdadeiras, mas a conclusão é apenas provavelmente verdadeira.
[5] Nesse caso, a imagem produzida terá sido
alterada de forma mais ou menos substancial por outros fatores que não
fazem parte da "explicação normal" da teoria
do microscópio. É óbvio que uma teoria verdadeiramente
abrangente do microscópio conseguirá prever inclusive
o efeito de fatores que gerem os defeitos.
Fonte: https://eradoespirito.blogspot.com/2019/05/sobre-existencia-dos-espiritos.html
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