Na sequência de posts "Como
refutar qualquer coisa" que se inicia neste post, é
feita uma tradução adaptada e comentada do excelente
texto de Daniel Drasin "Zen
... and the Art of Debunkery". Já discutimos anteriormente
em vários posts da série "Crenças Céticas"
o comportamento de céticos e auto-proclamados defensores
da razão que se colocam contra a ocorrência de fenômenos
considerados anômalos. Dentre esses, fatos psíquicos
e mediúnicos estão frequentemente sob ataque, razão
porque achamos instrutivo ler o que Drasin já afirmou sobre
o assunto. De forma geral, porém, os "contra-conselhos"
de Drasin também podem ser usados em vários outros
contextos.
Como sempre, o que está em destaque logo abaixo é
a tradução do texto apresentado. Meus comentários
estão referenciados mais abaixo.
A. Preparando o palco
- Antes de começar a refutar, prepare o equipamento.
O que é necessário: uma cadeira (a1);
- Arranje a cara certa. Cultive uma face condescendente que
dê a impressão de que suas opiniões pessoais
estão totalmente embasadas na postura mais correta de
todas. Adotar uma cara de desprezo, do tipo 'ar superior' é
opcional, mas altamente recomendado;
- Empregue termos vagos, subjetivos e enganadores como 'ridículo',
'trivial', 'idiotice' ou 'enganação' de forma
que tenham força de autoridade científica (a3);
- Mantenha sua argumentação a mais abstrata e
teórica possível. Isso dará a impressão
que as teorias aceitas são tão superiores que
nenhuma evidência as poderá invalidar e, portanto,
que não vale a pena examinar evidência alguma;
- Faça transparecer de todas as formas possíveis
que a ciência é impotente para se defender sozinha
contra a fraude e erros dos ignorantes e que, portanto, você
foi escalado voluntariamente para a tarefa (a5);
- Projete suas opiniões debaixo do manto da mais ostensiva
objetividade. Sempre descreva afirmações não
ortodoxas como 'suposições' que são 'apregoadas',
enquanto que as suas próprias ideias são 'fatos
bem estabelecidos'.
B. Redefina a ciência
- Não descreva a ciência como um processo aberto
de descobertas, mas como uma guerra santa contra hordas de ignorantes
e fanáticos medievais (b1). Como em
uma guerra 'os fins justificam os meios', você pode falsear,
modificar ou violar qualquer método da ciência,
ou mesmo omiti-lo totalmente, em nome da ciência;
- Torne equivalente alguns elementos estreitos e críticos
da ciência com a ciência toda, ao mesmo tempo em
que descarte sumariamente o valor da pesquisa, da exploração
e da descoberta;
- Ainda que a negatividade mais obtusa não possa ser
igualada à própria ciência, da mesma forma
que um freio de carro não é o próprio carro,
insista sempre que a ciência consiste simplesmente na
aplicação pura e simples da dúvida (b3).
Caso alguém se oponha a isso, acuse seu oponente de manter
uma visão confusa, subjetiva ou 'mística' da ciência;
- Embora seja ridículo querer igualar um automóvel
ao destino para onde ele se dirige, declare que a 'ciência
é equivalente ao corpo de suas conclusões científicas';
- Reforçe a crença popular de que certas áreas
de pesquisa são inerentemente não científicas.
Em outras palavras, deliberadamente confunda o processo de se
fazer ciência com o conteúdo da ciência (b5).
Se alguém ousa afirmar que a ciência deve ser neutra
no que diz respeito ao seu objeto de estudo e que somente o
processo investigativo pode ter falhas, descarte prontamente
isso usando o método empregado por gerações
de políticos: simplesmente diga que 'não existe
contradição aqui';
- Embora insistindo de um lado que o método científico
é universal em sua aplicação e que deve
ser aplicado ao qualquer coisa, por outro lado, insista também
que ele não se aplica a temas considerados 'não
populares' (não científicos). Sempre afirme, de
forma bem conservadora, que 'não há licença
de liberdade' e que 'certas questões são de interesse
apenas de teólogos';
- Declare que o progresso da ciência depende de explicar
o desconhecido em termo do conhecido. Em outras palavras, que
a ciência é igual ao reducionismo (b7).
Você pode aplicar livremente a abordagem reducionista
em qualquer situação simplesmente descartando
mais e mais evidências até que o que sobre possa
ser totalmente explicado em termos do conhecimento aceito;
- Torne desimportante o fato de que a livre pesquisa e o desacordo
legítimo são parte normal da ciência;
- Sempre insista que a ciência ocidental é completamente
objetiva e que ela nunca se influenciou por crenças ocultas,
assunções intestáveis, tendências
ideológicas, pressão política ou interesses
comerciais. Se um fenômeno não familiar ou desconhecido
acontecer de ser considerado verdadeiro ou útil por qualquer
sociedade ou grupo não ocidental, você pode descartar
isso imediatamente como uma 'bobagem anedótica', 'confusão
de ignorante', 'superstição medieval' ou simplesmente
'conto de fadas' (b9);
- Declare que o temperamento individual, tipo de personalidade
ou emoções humanas nunca exerceram nenhuma influência
na objetividade de cientistas 'reais'. Ignore o fato de que
emoções, preconceitos, idiossincrasias ou simplesmente
insegurança humana pode exercer influência poderosa
sobre empreendimentos científicos, frequentemente com
resultados risíveis e pouco científicos;
- Evite tecer paralelos históricos entre a emergência
da ciência e da democracia, ambas originalmente fundamentadas
sob conceitos revolucionários como o pensamento independente,
livre inquirição, trânsito livre de informações
e questionamento da autoridade estabelecida;
- Reforce a ficção popular de que nosso conhecimento
científico é completo e acabado. Faça isso
afirmando simplesmente "Se essa ou aquela descoberta fosse
legítima, então certamente já saberíamos
disso!" (b12);
- Afirme que nada pode estar acima da formulação
Newtoniana do século 17 das leis físicas. Se alguém
lembrar a você que o século 17 não tem mais
a última palavra em física, mude o assunto o mais
rápido possível;
- Caracterize qualquer pesquisa de fenômenos misteriosos
e genuínos como algo 'indiscriminado', ao mesmo tempo
em que sumariamente descarte a crença em ideias não
ortodoxas como uma 'discriminação inteligente';
- Se alguém se lembrar que em ciência 'um ponto
de vista precisa de tanta prova como o ponto de vista contrário',
invoque o truísmo irrelevante de que 'crenças
ortodoxas já foram provadas!";
- Asserte categoricamente que o não-convencional pode
ser descartado como, no máximo, uma má interpretação
do convencional (b16);
- Se pressionado a respeito de qualquer nova interpretação
do método científico, declare que a 'integridade
intelectual é um problema sutil!";
- Em qualquer oportunidade, exalte as virtudes do 'pensamento
crítico', ao mesmo tempo em que você deve se comportar
como se isso nada mais fosse do que negação pura
e simples. Evite explicar que o pensamento crítico pressupõe
desejo de examinar todos os lados de uma questão com
igual rigor.

Comentários e referências
(a1) Um 'crítico de cadeira'
ou de 'sofá' é alguém que maneja a retórica
para negar ou refutar fenômenos que ele considera inexistentes.
Ele jamais dá-se o trabalho de pesquisar ou conhecer os fatos.
A imensa maioria dos céticos pode ser assim considerado.
(a3) Muitas vezes a força
da argumentação cética não passa de
mera retórica pelo uso de palavras que denigrem a argumentação
contrária.
(a5) Ponto muito interessante. Muitos
céticos pretendem defender a ciência das investidas
da ignorância ou do recrudescimento do misticismo. Para eles,
a ciência é como uma princesa indefesa que deve ser
protegida a todo custo naturalmente por eles.
(b1) Ver comentário a5.
(b3) Ponto importante destacado
por Drasin que é frequentemente visto na retórica
do ceticismo. Muitos acreditam que o ceticismo como negação
pura e simples 'faz parte da mentalidade científica'.
(b5) Outro ponto muito importante.
Céticos, em geral, tem dificuldade em separar essas duas
coisas e simplesmente negam, por uma questão de fé
própria, a validade da pesquisa do que não aceitam
(como no caso da fenomenologia dos fatos psíquicos ou mediúnicos).
(b7) Ou também conhecido
como redução a uma 'explicação naturalista'.
Para o caso da mediunidade ostensiva, por exemplo, a explicação
naturalista mais acreditada é a hipótese ou assunção
de fraude. Em uma primeira tentativa, recorre-se a explicações
mais sofisticadas (do tipo, 'coincidência' ou exacerbamento
dos sentidos das testemunhas). Se isso não funciona, a tática
da explicação pela fraude implementa facilmente o
reducionismo. Drasin também chama atenção para
a tática cética de desqualificação das
evidências até o ponto em que o que sobre possa ser
facilmente reduzido ao que é conhecido.
(b9) A crença na reencarnação
em algumas sociedades orientais é um exemplo.
(b12) Isso constitui um dos fundamentos
do indutivismo ingênuo.
(b16) Isso é uma outra maneira
de se implementar o reducionismo ou 'explicar o desconhecido pelo
conhecido'.