Estamos estudando, em nossa reunião mediúnica,
o capítulo de "O evangelho segundo o espiritismo"
que trata dos profetas (capítulo 21
– Haverá falsos cristos e falsos profetas).
O que é profeta?
O senso comum associou os profetas
às profecias e entende, hoje, que seriam pessoas com o dom
de desvendar o futuro. Na sociedade hebraica, os profetas seriam,
de algum modo, um elo entre os homens e Deus, sendo, portanto, capazes
de dar sinais da divindade, o que envolve curar doenças,
saber de coisas que as pessoas comuns não sabem, e, como
diz Kardec, eles seriam “todo enviado de Deus com a missão
de instruir os homens e de lhes revelar as coisas ocultas e os mistérios
da vida espiritual.” Jesus foi identificado como profeta pela
mulher samaritana, no evangelho de João (4:19).
Os profetas estão presentes
no cristianismo primitivo. A Bíblia de Jerusalém os
identifica como homens que falam em nome de Deus sob a inspiração
do espírito santo (pág. 2070) Isso seria um carisma
especial, assim como haveria outros carismas, como o dos apóstolos,
Perto destes últimos, os profetas teriam um “conhecimento
imperfeito e provisório, em relação com a fé.”
O cristianismo primitivo aproxima
o profeta do que o espiritismo, hoje, denomina médiuns. Não
acreditamos que os médiuns percebam diretamente a Deus, nem
ao chamado espírito santo, a não ser que esta denominação
tenha o significado de espíritos superiores, identificados
com o cristianismo, como muitos dos que se comunicaram à
época de Allan Kardec.
Esta reverência respeitosa
que desperta a figura do profeta (médium), seja no contexto
judaico, seja no cristão primeiro ou no espírita,
pode proporcionar uma aceitação quase acrítica
do que ele diz, após ser reconhecido como tal. Isto faz com
que pessoas sem caráter desejem ser vistos como profetas
para obter todo tipo de vantagem dos ingênuos. Daí
a preocupação em não se deixar enganar. Kardec
dava aos médiuns um papel de intermediários, e não
lhes incendiava o ego, cuidado muito importante para o espiritismo
do século XXI.
Os profetas entre os cristãos dos
primeiros séculos
Os cristãos primeiros tinham
a preocupação de não ser enganados por quem
se dizia profeta, desde as inúmeras advertências do
próprio Jesus (Mateus 7:15-20, por exemplo). Encontramos
alguns cuidados na Didaqué, um livro escrito entre 70-120
d.C., de autor desconhecido, mas possivelmente um judeu convertido,
da escola de Tiago Menor que imigrou para a Síria. Ele se
preocupa com os cristãos que ensinam o cristianismo (didáscalos
?) e com os profetas que viajam de comunidade em comunidade.
Ele propõe que haja hospitalidade entre os cristãos,
mas com discernimento.
“Se o hóspede estiver
de passagem, deem-lhe ajuda no que puderem: entretanto, ele não
permanecerá com vocês, a não ser por dois
dias, ou três, se for necessário. Se quiser estabelecer-se
com vocês e tiver uma profissão, então trabalhe
para se sustentar. Se ele, porém, não tiver profissão,
procedam conforme a prudência, para que um cristão
não viva ociosamente entre vocês. Se ele não
quiser aceitar isso, é um comerciante de Cristo. Tenham
cuidado com essa gente.” (Didaqué
12:1-5)
Nesta época aceitava-se que
o profeta fosse sustentado pela comunidade, se verdadeiro. Contudo,
o autor da Didaqué tem o cuidado de estabelecer o que se
daria ao profeta. Ele compara o profeta ao professor, e como o professor
é digno do seu alimento, o profeta também seria. Neste
ponto da história, parece já haver uma mistura entre
a função de profeta e a de didáscalo. Como
ninguém enriquece com o cristianismo primitivo, o profeta
também não. A ele são destinados “os
primeiros frutos de todos os produtos da vinha e da eira, dos bois
e das ovelhas”. Este é um hábito semelhante
ao judaico, de destinar estes bens aos sacerdotes. Gosto particularmente
do versículo quatro:
“Se, porém, vocês
não têm nenhum profeta, deem aos pobres.”
O Espiritismo e os profetas
Passados os séculos, Kardec retoma o debate
dos profetas em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”,
porque sabe que tanto médiuns, quanto espíritos, podem
equivocar e se equivocarem. Por isso, preocupa-se em instruir o
movimento espírita que observe o caráter dos médiuns,
assim como os cristãos primeiros se preocupavam com o caráter
dos que se apresentavam como profetas.
“O fato de operar o que certas pessoas consideram
prodígios não constitui, pois, sinal de uma missão
divina, visto que pode resultar de conhecimento cuja aquisição
está ao alcance de qualquer um, ou de faculdades orgânicas
especiais, que o mais indigno não se acha inibido de possuir,
tanto quanto o mais digno. O verdadeiro profeta se reconhece por
mais sérios caracteres e exclusivamente morais.”
(O Evangelho segundo o espiritismo, cap.
XX!, item 5)
Sábias palavras, muito atuais em uma época
na qual muitos ainda se deslumbram com o que parece sair da boca
ou das mãos dos médiuns.