
Uma das contribuições que Herculano
Pires deu ao pensamento espírita foi o diálogo com
os autores acadêmicos de sua época. Estou estudando
o livro “Revisão do Cristianismo”. Estilo jornalístico,
ele escreve um texto contínuo e apenas indica ao leitor os
autores que comenta no corpo do texto, mas à medida em que
se vai lendo, percebe-se com quem ele “conversa”.

Logo no início do texto há uma citação
de Charles Guignebert. Quem é ele? Por que foi retirado do
texto dele a epígrafe do livro?
Guignebert é um autor francês que nasceu dez anos
após a publicação de “O livro dos espíritos”,
mas que efetivamente começou sua contribuição
à universidade então chamada de Sorbonne, em 1919,
quando assumiu a cadeira de história do cristianismo. Em
sua “aula inaugural” ele diz que vai fazer da história
do cristianismo, “uma história como as outras”.
Por uma história como as outras, se entende que os professores
de história do cristianismo deviam pertencer à igreja
ou às confissões de fé cristãs da época,
e de alguma forma mesclavam a história com a apologia ao
cristianismo.
Nessa mescla se encontra o caráter mitológico imiscuído
nos estudos históricos. Possivelmente os dogmas se articulavam
com a razão. Guignebert se propõe a fazer um trabalho
de caráter laico.
Antes de Guignebert, temos Ernest Renan, que escandalizou sua época
denominando Jesus como “homem incomparável”.
A frase aparentemente comum para nós, espíritas, que
o concebemos como espírito superior, causou espécie
entre seus contemporâneos que enxergavam Jesus como Deus.
Renan e Guignebert estão no texto de Herculano, que vai em
busca da distinção entre Jesus de Nazaré, o
homem, e Jesus Cristo, o mito construído ao longo da história.
Iniciativa talvez inédita nos meios espíritas, apesar
do texto já existente de Allan Kardec, referindo-se ( e criticando
também) Ernest Renan na Revista Espírita.
Em que ano foi publicada a primeira edição de Revisão
do Cristianismo? Como o livro foi acolhido pelo meio espírita
da época? Isso fica a encargo dos historiadores e dos leitores
de Herculano Pires, e, quem sabe, se torna objeto de outra publicação.