Eu era jovem quando começaram as publicações
de livros de Chico Xavier contendo cartas de parentes desencarnados.
Somos Seis, Jovens no Além, Motoqueiros no além, Crianças
no Além e muito outros vinham à luz pela GEEM, pela
CEU, IDE e outras editoras espíritas.
À época, imaginávamos que se tratava de um
novo serviço da mediunidade sendo iniciado pelo Chico. Confesso
que não dava a devida atenção aos livros. Achava
que eles eram importantes para os familiares, e que para o movimento
em geral eram apenas mais uma evidência da sobrevivência
da alma. Como à época achava-me satisfeito com os
trabalhos já lidos dos pesquisadores do século XIX
e início do século XX, seguia a corrente vigente que
afirmava não serem necessárias mais provas, mas a
vivência do Espiritismo.
Apesar da atitude imatura, vez por outra adquiria um destes livros
e retirava algumas horas do dia para a leitura das cartas e comentários
dos compiladores. Recordo-me vagamente do conteúdo do livro
organizado pelo médico Roberto Muskat, mas me recordo vividamente
da impressão que ele me causou.
Eu já havia lido o livro "Luzes Acesas", de Bella
Chagall, esposa do pintor Marc Chagall, no qual ela narra suas memórias
de infância em uma família judia russa que cultivava
os ritos e tradições de sua religião. Nele,
Bella revive a infância, escreve como se fosse novamente criança,
e descreve com palavras simples e intimistas o Purim, os Tabernáculos,
o Hanukkah, o Yom Kippur, a Pessah (Páscoa), o Tishah Beav,
o Sabá, a leitura e o significado dos livros proféticos
e históricos do povo hebreu. Não é à
toa que Clarice Linspector o traduziu. O livro mostra o mito vivo
e o significado do judaísmo sendo desvelado por um olhar
infantil.
O livro de Muskat é uma compilação comentada
das cartas que ele recebeu do seu filho Roberto, pela mão
incansável do médium de Pedro Leopoldo. Não
foram apenas os nomes e referências extensas que Roberto faz
à família, aos amigos e a assuntos que apenas os familiares
poderiam validar que me impressionou mais. Emocionou-me a narrativa
mediúnica de um jovem judeu que, aos moldes de Bella, desvelava
sua visão do judaísmo vivido pela sua família.
Desnecessário dizer que das mãos do Chico saíram
informações que não chegaram ao seu cérebro
pela via dos sentidos e da percepção.
Na semana passada minha esposa preparava aulas de evangelização
e me pediu um livro de mensagens de familiares. Dos muitos que tenho,
recordei-me e indiquei imediatamente o livro de Muskat. Ela também
se emocionou quando o leu pela primeira vez.
E emocionamo-nos juntos, ontem, ao conhecer a família Muskat
através da câmara inquieta do Globo Repórter.
Sensibilizamo-nos mais uma vez com o luto recordado pela mãe
de Roberto, com a resistência honesta do Dr. David ao trabalho
do médium, que só com o tempo e as mais de cinquenta
mensagens foi sendo vencida, até o momento em que ele se
sente obrigado a admitir a identidade do filho nas páginas
brancas escritas à lápis.
Tocou-nos o vigor do judaísmo nesta família, que permaneceu
fiel às suas tradições, mas abertos à
ideia da sobrevivência da alma, tão questionada pelos
fariseus contemporâneos de Jesus. Percebi que o Chico lhes
legou a mensagem da Caridade, na qual passaram a se empenhar, mais
que a da filiação a um grupo espírita.
Ainda tenho na mente a foto de Roberto, jovem, trajando um terno,
cabelos lisos e olhos brilhantes, transmitindo alegria, que os pais
escolheram para as capas do livro agora recordado em rede nacional.
Desnecessário dizer que recomendo a leitura, é minha
humilde homenagem à memória daquele homem simples
e dedicado à mediunidade e à caridade que na próxima
semana comemoraria cem anos de nascimento.