Ian Stevenson, MD - Department of Psychiatric
Medicine University of Virginia Health System Charlottesville, VA, EUA
Stevenson, I. / Rev. Psiq. Clín.
34, supl 1; 150-155, 2007
Para começar com uma definição, a palavra paranormalidade
significa comunicação sem os processos sensórios
atualmente reconhecidos; também pode se referir a movimentos
físicos sem os processos físicos reconhecidos. Por vários
séculos, os fenômenos agora descritos como paranormais
ocorreram e foram descritos. A maioria dos historiadores do assunto
concorda, porém, que investigações sistemáticas
sobre tais ocorrências não começaram até
1882, quando a Sociedade para Pesquisa Psíquica (Society for
Psychical Research – SPR) foi fundada em Londres. Seus fundadores
declararam abertamente sua intenção de investigar fenômenos
incomuns.
Eu sou um retardatário nesse
campo, porque minha atividade nessa área não começou
até que eu já tivesse me estabelecido na psiquiatria convencional.
Tive treinamento nessa especialidade e em medicina psicossomática.
Minha pesquisa e treinamento me permitiram avançar em posições
acadêmicas; em 1957, fui designado professor e diretor do Departamento
de Psiquiatria na Universidade de Virgínia.
Como alcancei aquela posição
requer uma pequena digressão. Desde meu nascimento sofri com
repetidas crises de bronquite e passei muito tempo de cama. As doenças
me mantiveram em casa, mas por isso eu li muito e minha prestativa mãe
continuou se empenhando em restabelecer minha saúde. Eu tenho
uma memória extraordinariamente retentiva e, em fases de boa
saúde, passava à frente de meus pares na escola. Os professores
gostam de estudantes superiores, e me tornei o favorito de alguns na
Universidade de McGill. Depois de ter me recuperado de várias
crises de pneumonia, um dos professores me aconselhou a trocar o frio
do Canadá pelo calor do Arizona. No Arizona, de alguma maneira,
aprendi a melhorar minha saúde. Depois disso, retomei um caminho
de crescimento em meu treinamento e em minha colocação
acadêmica.
Ao longo de meu desenvolvimento adquiri
a reputação de dissidente (maverick). Este epíteto
parecia apropriado para alguém que questionou o pressuposto,
mantido de modo dogmático pela maioria dos psiquiatras da época,
que a personalidade humana é mais plástica na primeira
infância e na infância do que em anos posteriores (Stevenson,
1957). A publicação de meu questionamento a essa doutrina
aborreceu muitos de meus colegas em psiquiatria e até mesmo enfureceu
alguns. Para mim, a recepção de meu artigo sobre esse
assunto proporcionou-me um treinamento útil para responder à
rejeição de meus estudos sobre os fenômenos paranormais.
No período de minha contratação
na Universidade de Virgínia, voltei a um interesse anterior.
Em minha infância, tive contato com relatórios de fenômenos
paranormais ao ler, na extensa biblioteca de minha mãe, livros
sobre religiões orientais e teosofia, sendo esta última
um derivado do budismo e do hinduísmo. Meu treinamento em medicina
tinha me fornecido alguma compreensão sobre os métodos
científicos e comecei a me perguntar sobre as evidências
de fenômenos incomuns relatados nos livros que eu havia lido.
Não pareciam conclusivos, mas também não pareciam
desprezíveis. Assim eu li mais sobre pesquisas a respeito da
paranormalidade, especialmente nos trabalhos dos fundadores da SPR,
como Myers e Gurney, por quem desenvolvi uma permanente admiração.
Também fui me familiarizando com os líderes da American
Society for Psychical Research que era, digamos assim, uma espécie
de irmã mais jovem da SPR. Nesse grupo, C. J. Ducasse e Laura
Dale ganharam especialmente minha gratidão ao me mostrarem que
o ceticismo sobre alguma evidência de fenômenos paranormais
não excluiu a aceitação de outra evidência.
Eu precisei da orientação
deles. Minhas primeiras publicações no campo eram resenhas
de livros, e uma das primeiras delas quase expôs minha inexperiência
publicamente. Eu escrevi uma resenha de um livro intitulado “O
terceiro olho: a autobiografia de um lama tibetano”. Seu autor
afirmava ter sido um lama tibetano dotado de imensos poderes paranormais.
Eu o estava levando a sério até que, em tempo, descobri
que o autor desse livro era um inglês que nunca tinha ido ao Tibete,
muito menos voltado de lá. Eu modifiquei minha resenha (Stevenson,
1958).
A experiência de escrever sobre
um assunto provê meios excelentes de se aprender sobre ele. Desse
modo, aprendi muito escrevendo e depois publicando na Revista Harpers
um artigo de revisão sobre parapsicologia intitulado “Os
fatos incômodos sobre percepção extra-sensorial”
(Stevenson, 1959). Esse artigo ganhou a aprovação
do Dr. J. B. Rhine que era então o diretor de um laboratório
de pesquisa na Universidade de Duke (Rhine tinha renomeado o campo,
ou pelo menos parte significativa dele, de parapsicologia. Nesse campo,
ele e sua esposa, Dr. Louisa Rhine, eram os soberanos indisputados).
Em 1959, visitei os Rhines e seus colaboradores.
Depois do convencional café da manhã com conversas gerais
sobre parapsicologia, Louisa Rhine me levou a uma sala ao lado para
uma conversa particular. Lá ela me explicou sobre sua convicção
de que nada de significativo poderia ser feito a partir de relatos de
casos individuais. Na visão dela, eles eram todos inúteis
como evidência científica. Em meu artigo na Revista Harpers
eu havia mencionado relatos de casos individuais e escrevi que pelo
menos alguns deles mereciam a atenção de pesquisadores.
Louisa Rhine generosamente esperava me poupar de esforços inúteis.
Sua advertência veio tarde demais. Alguns dos relatos que eu havia
lido anteriormente de investigadores da paranormalidade em relação
ao que chamavam de “casos espontâneos” me impressionaram
profundamente. Apesar de suas restrições sobre eles, Louisa
Rhine estudou casos espontâneos, não obstante ela tenha
quase exclusivamente pesquisado o lado dos receptores (percipients)
de um caso. Porém, pesquisadores anteriores haviam investigado
ambos os lados, o dos remetentes (ou agentes) e o dos receptores das
experiências. Eles notaram características semelhantes
em muitos dos casos relatados. Entre eles, havia uma alta incidência
de morte súbita e freqüentemente violenta (ou outra crise
séria) no agente e uma ligação emocional familiar
ou de outro tipo entre os dois participantes de um caso.
Eu decidi investigar casos que chamaram
a minha atenção e comecei a publicar relatórios
sobre eles. Nesse momento – final dos anos 1950 – meu interesse
anterior sobre reencarnação reavivou-se e rapidamente
descobri que poucos casos sugestivos de reencarnação tinham
sido investigados. Uma das poucas exceções era um relatório
de quatro casos publicado por um investigador indiano em uma revista
francesa (Sunderlal, 1924) (soube depois
que o autor oferecera seu relatório primeiramente a uma revista
americana que o tinha rejeitado). Pensei que, talvez, mesmo casos não
investigados poderiam revelar alguma característica interessante.
Eu examinei os detalhes publicados de 44 relatos nos quais se diziam
lembrar de uma vida anterior. Eu havia chegado a eles por meio de jornais,
revistas e livros.
A maioria desses relatos fornecia poucos
detalhes, e quase nenhum ofereceu qualquer evidência comprovada
(ou mesmo comprovável). Eu reduzi os 44 casos excluindo aqueles
nos quais o sujeito, e presumida pessoa falecida, estava relacionado
ou era conhecido e aqueles nos quais o sujeito fez seis ou menos declarações
sobre a vida passada. Dos 28 casos restantes, a idade em que ocorreu
a primeira comunicação sobre a vida prévia era
conhecida em 25. Em 22 deles, as recordações reivindicadas
tinham sido proferidas pela primeira vez quando o sujeito era uma criança
de menos de 10 anos de idade. Isso parecia merecer uma maior atenção.
Correspondentemente, eu havia publicado na Revista da Sociedade Americana
para Pesquisa Psíquica (Journal of the American Society for Psychical
Research) um artigo de duas partes sobre esses casos e recomendei que
mais crianças como essas deveriam ser buscadas e que suas declarações
fossem investigadas (Stevenson, 1960a, 1960b).
Nunca me ocorreu, na época, que
eu seria a pessoa que iniciaria as investigações que eu
mesmo defendi. Eu estava muito ocupado: administrando um departamento,
cuidando de pacientes, e envolvido em outra pesquisa. Entretanto, meu
artigo havia chamado a atenção de duas pessoas cujo interesse
e apoio foram estimulados por ele. Essas pessoas influenciaram minha
vida profundamente.
A primeira delas, Eileen Garrett, era
uma médium espiritualista e uma empresária notavelmente
próspera. Ela tinha persuadido um doador rico a estabelecer a
Parapsychology Foundation da qual Eileen era a presidente. Eu a conheci
por volta de 1957 e, na ocasião, mencionei a ela meu interesse
pela reencarnação. No início de 1961, ela me telefonou
e disse que havia recebido um relato de uma criança na Índia
que declarava se lembrar de uma vida anterior. A criança parecia
ser como aquelas que eu havia mencionado em meu artigo. A Sra. Garrett
me perguntou se eu estaria interessado em ir para a Índia para
investigar as declarações da criança.
A Parapsychology Foundation pagaria minhas despesas. Eu aceitei a sugestão
dela, compreendendo que eu só poderia ir para a Índia
durante minhas férias, em agosto. Quando agosto chegou, eu fui
para a Índia e passei quatro semanas lá e em torno de
uma semana no Ceilão (hoje Sri Lanka). Antes de partir para a
Ásia, obtive algumas informações fragmentárias
a respeito de aproximadamente três ou quatro outros casos na Índia
e aproximadamente dois no Sri Lanka. Essas informações,
porém, não me prepararam para a surpresa de encontrar
uma abundância de casos em ambos os países. Até
que eu deixasse a Ásia, eu havia descoberto nada menos que 25
casos na Índia e sete no Sri Lanka. Em menos de cinco semanas
eu não pude investigar todos esses casos adequadamente e então
selecionei alguns para estudar cuidadosamente. Eu registrei os locais
e alguns detalhes sobre os outros casos.
Uma segunda surpresa para mim, durante
essa primeira viagem para a Índia, ocorreu quando descobri que
os casos consistiam muito mais que apenas uma criança que afirmava
se lembrar de uma vida passada. As crianças também mostravam
um comportamento que era incomum em suas famílias e que, nos
casos nos quais as declarações foram verificadas, coincidiam
com o comportamento das pessoas falecidas as quais as crianças
reivindicaram ter sido. Desse modo, minha primeira viagem para a Ásia
mostrou-me a necessidade de mais viagens.
Isso me leva ao segundo leitor importante
de meu artigo de 1960 no Journal of the American Society for Psychical
Research. Este era Chester F. Carlson, o inventor da xerografia. Ele
era um cientista e, antes de seu segundo matrimônio, acreditava,
como a maioria dos cientistas o fazia (e ainda faz), que a mente é
só um produto do cérebro e que suas propriedades são
inteiramente físicas. Sua segunda esposa, Dorris, tinha certa
capacidade de percepção extra-sensorial. Ela impressionou
o marido com sua habilidade e também o influenciou a apoiar a
pesquisa sobre fenômenos paranormais. Em 1961, ele me ofereceu
fundos para minha pesquisa, depois de eu já ter me comprometido
a viajar para a Índia em agosto. Eu lhe disse que, honestamente,
não poderia aceitar um fundo adicional naquele momento (antes
de ir para a Índia, entretanto, eu aceitei dele algumas centenas
de dólares para comprar um gravador).
Quando meu primeiro trabalho na Índia
mostrou a necessidade de viagens adicionais para lá, me ocorreu
que eu poderia fazer essas viagens reduzindo o tempo que dedicava, na
época, à prática clínica. Chester Carlson
tornou isso possível com doações anuais para a
Universidade de Virgínia. Em 1964, ele fez uma doação
particularmente grande que se tornou como um “depósito”
para uma cadeira doada da qual eu fui o primeiro titular. Esta foi,
inicialmente, uma das primeiras dessas cadeiras na Universidade da Virgínia.
Os fundos da cadeira doada me deram tempo para mais pesquisas, mas as
despesas de viagens para investigar os casos ainda precisavam de doações
anuais, o que Chester Carlson também providenciou.
Como um doador de fundos para pesquisa,
Chester Carlson era incomum, talvez único. Ele insistia em fazer
doações anonimamente, mas outros doadores também
fizeram isso. A maioria dos doadores, entretanto, permaneceu destacada
depois dos detalhes da pesquisa que eles apoiaram. Chester Carlson,
ao contrário, acompanhava os detalhes da pesquisa – ao
menos das que eu fazia – com grande interesse. Ele disse que gostaria
de observar algumas de minhas entrevistas e me acompanhou a uma de minhas
viagens de campo para o Alasca, onde eu estava estudando casos entre
as pessoas de Tlingit. Ele às vezes fazia perguntas, mas nunca
de modo impróprio ou ofensivo. Ele raramente fazia sugestões,
mas o que ele dizia sempre merecia atenção. Minha amizade
com ele encontra-se entre as mais agradáveis e também,
devo dizer, as mais importantes de minhas lembranças.
O relatório de meu primeiro estudo
na Ásia estava no prelo quando, inesperadamente, um homem que
tinha me ajudado com alguns casos foi acusado de trapaça. Embora
a alegação se aplicasse a experiências com as quais
eu não tinha relação, a suspeita se abateu sobre
o trabalho que o acusado tinha feito para mim, e o editor interrompeu
a impressão de meu relatório. Eu tinha tido outros intérpretes,
além do acusado de enganar, e, acreditando que o homem não
tinha trapaceado ao trabalhar comigo, propus voltar à Índia
e estudar os casos novamente. Entretanto, isso exigiria grande despesa
adicional e eu pedi um conselho a Chester Carlson. Ele me encorajou
a voltar à Índia. Eu fiz isso e, com intérpretes
novos, mostrei a autenticidade dos casos. A impressão de meu
relatório foi então retomada sendo publicado, como se
esperava, como “Vinte casos sugestivos de reencarnação”
(Stevenson 1966/1974a).
Durante os oito anos do apoio de Chester
Carlson à minha pesquisa (1961-1968), eu ainda não estava
exclusivamente comprometido com o estudo de fenômenos paranormais.
Minha bibliografia demonstra que meu interesse em psiquiatria e medicina
psicossomática não tinha diminuído. Eu tive e ainda
tenho um interesse profundo na questão de por que uma pessoa
desenvolve um tipo de doença em vez de outro. Artigos sobre esse
assunto podiam ser publicados em revistas convencionais, enquanto estudos
sobre fenômenos paranormais não podiam. Em 1960, eu publiquei
um livro sobre a técnica de entrevista (Stevenson,
1960/1971). Alguns anos depois eu publiquei outro livro, realmente
um livro de ensino, sobre exames psiquiátricos (Stevenson,
1969).
Nesse período, eu ampliei meus
estudos de fenômenos paranormais para além da pesquisa
de crianças que afirmavam se lembrar de vidas passadas. Por exemplo,
eu investiguei e publiquei documentos sobre aparições,
premonição, mediunidade e “fotografias psíquicas”.
Em 1970, eu publiquei meu primeiro livro sobre fenômenos paranormais,
o que eu chamei de “Impressões telepáticas”
(Stevenson, 1970) (isso deu a Dra. Louisa
Rhine, que resenhou o livro, uma oportunidade para depreciar o estudo
de casos espontâneos mais publicamente). Minha realização
mais importante desse período, porém, foi a publicação
mencionada de 1966 de meu livro “Vinte casos sugestivos de reencarnação”
(Stevenson, 1966/1974a). Ele apresentava
relatos dos casos com abundantes detalhes sobre os informantes de cada
caso e o que eles tinham dito sobre os sujeitos que afirmavam ter vivido
vidas passadas.
Em 1968, Chester Carlson faleceu. Eu
fui uma das muitas pessoas que lamentou sua morte como uma perda pessoal.
A amizade dele e de sua esposa, Dorris, havia enriquecido muito a minha
vida. Para mim, porém, a morte dele significou também
o fim dos subsídios anuais para minha pesquisa. Eu me lembro
de pensar que eu teria de voltar a outra metade de minha carreira, a
de pesquisa convencional em psiquiatria e medicina psicossomática.
Então, para a grande surpresa de muitas pessoas, e não
menos a minha, descobrimos que Chester Carlson havia doado para a Universidade
de Virgínia um milhão de dólares para minha pesquisa
sobre fenômenos paranormais. Não surpreendentemente, isso
provocou uma controvérsia entre os administradores universitários.
Descobri depois que alguns adversários de minha pesquisa tinham
dito que eu poderia levar os milhões de dólares comigo
desde que deixasse a Universidade (ninguém disse isso diretamente
a mim). O presidente da Universidade (Edgar Shannon), não muito
tempo antes, declarara em público uma freqüentemente citada
frase de Thomas Jefferson, escrita em 1820, durante o processo de fundação
da universidade: “Esta instituição”, Jefferson
escreveu, “estará baseada no desejo de liberdade ilimitável
da mente humana. Não temos nenhum medo de seguir a verdade onde
quer que ela possa nos conduzir, nem toleramos qualquer erro na medida
em que a razão será deixada livre para combatê-lo”
(Lipscomb e Bergh, 1903, p. 303). Nem sequer
os oponentes mais obstinados de minha pesquisa ousaram agir contra o
preceito de Jefferson. Meus partidários prevaleceram então
e a Universidade aceitou o legado de Chester Carlson. Para isso eu devo
muito ao presidente Edgar Shannon e também a Thomas Hunter, então
chanceler de negócios médicos. Até mesmo antes
do falecimento de Chester Carlson eu já havia decidido que queria
dedicar tempo integral para a pesquisa dos fenômenos paranormais,
particularmente esses que sugerem vida após a morte. Em 1967,
tinha me demitido do cargo de presidente do Departamento de Psiquiatria
depois de negociar o estabelecimento de uma Divisão pequena dentro
do Departamento. Eu não desejava a palavra “parapsicologia”
no título da nova Divisão, porque pensei que isso insinuaria,
e até mesmo facilitaria, uma separação entre a
psiquiatria e a medicina. Porém, isso era exatamente o que meu
sucessor como presidente parecia desejar, uma distância isolante
entre nossa pesquisa e a respeitabilidade (depois, com uma administração
mais amigável, eu obtive prontamente autorização
para mudar o nome da Divisão ao que eu tinha desejado anteriormente:
Divisão de Estudos de Personalidade).
Durante os anos 1960 e durante a maior
parte dos anos 1970, eu havia trabalhado sozinho na Universidade de
Virgínia. Quando estive na Ásia, encontrei alguns intérpretes
excelentes que me ajudaram, mas todos eles tinham ocupações
regulares às quais voltavam assim que eu partia. Nós precisávamos
de mais continuidade. As doações de Chester Carlson e
alguns fundos de outros doadores tornaram possível a contratação
de um assistente de pesquisa, bem como o financiamento de outros pesquisadores.
O primeiro dos outros investigadores era Gaither Pratt. Ele tinha sido
por muitos anos um íntimo colaborador de J. B. Rhine, mas quando
este se aposentou da Universidade de Duke e estabeleceu uma fundação
privada (para qual ele levou os fundos então mantidos pelo laboratório
dele), Pratt não teve qualquer lugar na fundação.
Nesse momento (1964), Chester Carlson ofereceu-se a ajudar Pratt se
nós pudéssemos achar um lugar para ele na Universidade
de Virgínia. Eu dei boas-vindas a esta proposta, mas tive de
usar toda minha habilidade diplomática para persuadir o diretor
da Escola Médica a concordar comigo. Com alguma relutância
ele aceitou, ressaltando que “Isto é algo que nós
não podemos manter em segredo”.
Durante cinco anos depois da morte de
Chester Carlson, Dorris Carlson ofereceu para a Divisão doa¬ções
anuais. Isso nos permitiu continuar apoiando Gaither Pratt e dois outros
parapsicólogos capazes, Rex Stanford e John Palmer. As publicações
desses três pesquisadores, na época e depois, escreveram
um capítulo importante na história da parapsicologia.
Quando, em 1973, Dorris Carlson retirou seu apoio, fui obrigado a encorajar
meus colegas a procurar outras posições.
Depois, nossa sorte mudou, e de algum
modo pude dispor de meus colegas novamente. Bruce Greyson, Satwant Pasricha,
Emily Kelly e Antonia Mills vieram a mim e, de alguma maneira, deixaram
de ser meus assistentes para se tornarem pesquisadores independentes.
Mais recentemente, Jim Tucker se juntou ao nosso grupo e já se
mostrou um profícuo investigador e um autor altamente competente.
Aqui devo mencionar Erlendur Haraldsson da Universidade de Islândia
e Jürgen Keil da Universidade de Tasmânia. Eles mantiveram
suas posições acadêmicas locais, mas receberam apoio
financeiro de nossa Divisão, que os permitiu trabalhar independentemente
e colaborar comigo em alguns projetos em comum. Walker Cowen, fundador
e diretor da Imprensa da Universidade da Virgínia (University
of Virginia Press) (para usar seu nome atual), tornou-se meu editor
de 1970 até sua morte em 1987. Ele me permitiu publicar um significativo
número de relatos de casos, os quais, sem a sua ajuda, ainda
estariam datilografados em minhas estantes. Ele reconheceu que meus
livros “são para o futuro”. Infelizmente, ele morreu
antes do futuro que ele esperava ter chegado, e seu sucessor tinha uma
opinião diferente do que o futuro deveria ser. Tive de encontrar
um novo editor; mas a sorte me favoreceu novamente e me conduziu primeiramente
a Praeger Scientific Publishers e, então, a Robbie Franklin da
McFarland & Company.
Alguns de meus livros posteriores foram
resenhados em revistas científicas em geral, mas a maioria não.
Ao longo do tempo, eu aprendi muito sobre o poder dos editores de resenhas
de livros, bem como dos editores também. Por exemplo, em 2000
eu enviei uma resenha de um artigo sobre crianças que afirmavam
se lembrar de vidas passadas a David Horrobin, o editor de “Medical
Hypotheses”. Ele tinha fundado essa revista para promover a publicação
de idéias heterodoxas e a pesquisa de tópicos não
convencionais. Ele tinha pareceristas e enviou meu artigo a vários
deles. Então ele me escreveu dizendo que não encontrou
ninguém que tivesse levado meu trabalho a sério, mas que
iria publicá-lo de qualquer maneira, o que ele fez (Stevenson,
2000).
Eu acredito ser mais conhecido por meus
estudos sobre crianças que afirmam se lembrar de vidas passadas.
Não posso contestar isso, mas espero que outros pesquisadores
continuem algumas das outras aproximações às evidências
de vida depois de morte que explorei. Aqui eu estou pensando em casos
de xenoglossia responsiva (idioma não aprendido) sobre os quais
eu publiquei dois livros (Stevenson, 1974b, 1984)
e o teste da combinação de fechadura (combination lock
test) (Stevenson, 1968). Felizmente, meus
sucessores não se limitaram às minhas idéias. Os
estudos, em andamento, de Emily Kelly sobre mediunidade demonstram sua
independência.
Em 1980, eu conheci ainda outro homem
que influenciou decisivamente minha vida. Um colega na Universidade
de Virgínia me apresentou a Peter Sturrock, que explicou sua
idéia do que se tornou a “Sociedade para exploração
científica” (Society for Scientific Exploration). Ele me
convidou a me unir ao comitê de fundação, e eu o
fiz entusiasticamente. As reuniões da Sociedade e sua revista
(Journal of Scientific Exploration) proporcionavam um foro no qual a
pesquisa sobre fenômenos paranormais podia ser apresentada a outros
cientistas sem obstrução ou ridicularização.
A Sociedade também aceitava apresentações de pesquisa
sobre muitos outros fenômenos negligenciados pela maioria dos
cientistas. Os fundadores da Sociedade acreditavam, e eu ainda penso
que eles e os sucessores deles acreditam, que a simples existência
da Sociedade desafiava outras sociedades científicas a liberalizar
suas políticas para idéias e investigações
não convencionais. Isso, contudo, não aconteceu.
Ainda temos que persistir. Eu penso
que devemos fazer isso sem lamúrias. Estou cansado de ler lamentações
sobre como Galileu, Wegener, Jenner e muitos outros cientistas tiveram
suas novas idéias rejeitadas a princípio por seus contemporâneos.
Não podemos esperar que todos os céticos de novas idéias
se rendam como um todo, desmoronando simultaneamente como as muralhas
de Jericó. Cada um de nós tem de lutar pelas nossas próprias
novas idéias. Nós somos abençoados por poder ao
menos expor essas idéias a alguns outros cientistas por intermédio
das oportunidades oferecidas pela “Society for Scientific Exploration”.
A Society for Scientific Exploration
me ofereceu as primeiras oportunidades para relatar adequadamente duas
de minhas investigações mais significativas. Eu me refiro
primeiramente às marcas de nascença e defeitos de nascimento
que freqüentemente acontecem em crianças que se lembram
de vidas passadas; e, em segundo lugar, ao que eu acredito serem resíduos
importantes de comportamento incomum derivados de vidas passadas. Os
informantes chamaram minha atenção para estas duas características
dos casos, já em minha primeira viagem para a Ásia em
1961, e hoje sinto uma fonte de pesar não ter publicado detalhes
completos das marcas de nascença e defeitos de nascimento antes
de 1997 (Stevenson, 1997a, 1997b).
Alguns leitores de minhas publicações
podem considerar minha monografia “Reencarnação
e Biologia” como meu Meisterwerk. Com respeito meramente ao tamanho
(dois volumes, 2.268 páginas) ninguém discordaria. Porém,
eu espero que o trabalho seja mais que uma compilação.
Ele inclui relatos de casos e detalhes adicionais sobre casos que eu
previamente não havia publicado. O capítulo sobre gêmeos
(um ou ambos que afirmam se lembrar de uma vida passada) pode ser um
dos mais importantes de todas as minhas publicações.
Chamei a atenção repetidamente
à importância dos resíduos de comportamento de vidas
passadas como um terceiro componente para o desenvolvimento de personalidade
humana, sendo os outros dois os genes e o ambiente depois de concepção
(Stevenson, 1977, 2000). Em um artigo recentemente publicado (com Jürgen
Keil), eu recorri a essa característica importante que é
bem exemplificada nos casos das crianças de Myanmar que se lembram
de vidas anteriores como soldados japoneses mortos durante a Segunda
Guerra Mundial (Stevenson e Keil, 2005).
Com freqüência, nós
não conseguimos identificar aspectos importantes de eventos tal
como quando eles aconteceram. Meu segundo matrimônio fornece um
significativo exemplo disso. Em 1985, me casei com Margaret Pertzoff
que era então professora de história na Randolph-Macon
Woman’s College. Ela era, e permanece sendo, uma cética
declarada de fenômenos paranormais. Ela não escondeu sua
posição sobre o assunto, mas nunca permitiu que isso interferisse
na felicidade que me trouxe com nosso matrimônio. Os silêncios
benevolentes dela às vezes proporcionam um valioso exame sobre
o que, caso contrário, poderia ter se tornado entusiasmo não
comprovado de minha parte.
Nos anos de 1997 e 1998, me envolvi
em um pro¬jeto que parecia imprudente, mas que também tinha
a possibilidade de tornar minha pesquisa mais conhecida ao público
em geral. Eu aceitei que um escritor me acompanhasse em viagens de campo
à Ásia. Ele “olhava sobre meus ombros” enquanto
eu fazia minhas entrevistas para os casos. Ele pagaria suas próprias
despesas e depois estaria livre para escrever sobre suas experiências
sem censura de minha parte. Funcionou bem. O escritor era Tom Shroder,
que é agora editor sênior do Washington Post. Tom era um
viajante sociável e suportou bem a aspereza freqüente de
viagens ao Líbano e à Índia. O livro que ele escreveu
foi intitulado “Almas antigas: a evidência científica
de vidas passadas” (Shroder, 1999).
Parece justo para mim e, mais importante, justo para as crianças
que dizem se lembrar de vidas anteriores. O livro realmente tornou mais
conhecidos os casos dessas crianças.
Minhas viagens físicas terminaram
agora, pelo menos por esta vida. No entanto, não considero o
tempo que dediquei à psiquiatria e à medicina psicossomática
como tempo perdido. Pelo contrário, penso que ele me possibilitou
uma preparação útil para tudo o que realizei depois
no estudo de fenômenos paranormais.
Todos nós morremos
de algum tipo de sofrimento.
O que determina a natureza desse sofrimento? Eu acredito que a busca
da resposta pode nos levar a pensar que a natureza de nossas doenças
pode derivar, pelo menos em parte, de vidas passadas. Os casos de crianças
que afirmam se lembrar de vidas passadas e que têm relatado marcas
de nascença e defeitos congênitos sugerem isso; algumas
dessas crianças relatam doenças clínicas. Minha
própria condição física, defeitos em meus
brônquios (desde a tenra infância), sobre a qual eu escrevi
separadamente (Stevenson, 1952a, 1952b), forneceu-me um interesse pessoal
sobre essa pergunta importante. Não deixem ninguém pensar
que eu sei a resposta. Eu ainda a estou buscando.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer primeiramente ao professor
Henry Bauer por ter sugerido que eu escrevesse este artigo. Também
devo agradecer a Emily W. Kelly, Jim Tucker e Patricia Estes pelos úteis
comentários sobre os rascunhos deste artigo.
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Fonte:
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/
Leiam de Ian Stevenson:
Metade
de uma carreira com a paranormalidade
Metade
de uma carreira com a paranormalidade - autobiografia
Características
dos Casos do Tipo Reencarnação entre os Igbos da Nigéria
O
caso "perfeito" de Reencarnação
Crianças
americanas que reivindicam lembrar de vidas passadas
Entrevista
para a Revista Internacional de Espiritismo – Março/1972
Stevenson, Ian;
Haraldsson, Erlendur
The
Similarity of Features of Reincarnation Type Cases over Many Years:
A Third Study
Stevenson, Ian; Story, Francis
Um
Caso do Tipo Reencarnação no Ceilão: O Caso de
Disna Samaras