Estariam todos os fatos entregues à
total ausência de previsibilidade?
1. Introdução
O Espiritismo não tem uma visão oficial sobre todos os
assuntos porque muitos deles surgiram posteriormente, mas isso não
nos impede de traçar paralelos entre a nossa doutrina e qualquer
outro conhecimento.
As observações feitas aqui a esse respeito foram baseadas
sobretudo na obra de Gleik (1989). A Teoria do Caos
observa a ordem oculta que existe na natureza por detrás de fenômenos
aparentemente caóticos, esta ordem pode ser observada tanto em
estruturas humanas como na natureza.
Edward Lorenz foi um dos precursores desta ciência,
a idéia na época era de que influências muito pequenas
podem ser postas de lado, porém qual não foi a surpresa
de Lorenz quando, no seu computador, teve que reiniciar uma seqüência
de simulação climática e ao alimentar os dados,
em vez de seis casas decimais usou apenas três casas; percebeu
ele que o gráfico começava sem nenhuma diferença
do anterior, mas em determinado ponto ele se distanciava drasticamente
revelando que as condições iniciais determinam sensivelmente
os resultados.
Em 1972 Lorenz lançou um artigo de grande repercussão
intitulado “Previsibilidade: o bater de asas de uma borboleta
no Brasil desencadeia um tornado no Texas?”, o que Lorenz queria
dizer é que insignificantes fatores podem amplificar-se temporalmente
de forma a mudar radicalmente um estado. O efeito borboleta recebeu
o nome técnico de dependência sensível das condições
iniciais.
O fato é que a Teoria do Caos destrói
a possibilidade de previsibilidade absoluta dos fenômenos (o sonho
laplaciano), uma vez que é impossível não trabalhar
com arredondamentos quando se estudam sistemas caóticos como
o clima; destrói também a mecanicidade do universo (a
visão cartesiana) fazendo com que o cosmo não seja mais
visto como um relógio e sim comparado a um organismo vivo que
mais parece ter livre arbítrio.
Os padrões de regularidade encontrados no clima
ou nas variações da bolsa de valores, quando expressos
graficamente, são similares às estruturas fractais encontradas
na natureza; é como se todas as coisas estivessem sob uma ordem
oculta que as dirige e organiza, mesmo quando parece haver apenas o
Caos.
O Caos também influi em todos os campos da ciência
que trabalham com modelos de previsões, até para jogar
na loteria se usa o Caos, depois da relatividade e da mecânica
quântica é o campo mais revolucionário da ciência
moderna e, pasmem, influi também na educação e
na filosofia.
Edgar Morin é um dos que se inspira no Caos
para nos falar de complexidade. A complexidade surge porque o Caos revela
um universo muito mais rico e imprevisível do que as teorias
de Newton, Descartes e Laplace. Mesmo que as coisas sigam uma ordem
e uma tendência, e no todo todas as coisas obedeçam a esta
ordem, nos níveis inferiores não existe determinismo.
Podemos então observar que os sistemas caóticos
surgem com determinadas características: a auto-organização;
espontaneidade e antideterminismo; são localmente imprevisíveis
e globalmente estáveis; são alineares; sofrem dependência
sensível das condições iniciais; são interdisciplinares
(o Caos rompe com as fronteiras que separavam as disciplinas cientificas)
e são complexos.
Pode-se dizer que, para o Espiritismo, Deus é a causa
da ordem que emerge do caos, suas leis são as mesmas
que fazem com que todos os fenômenos tenham uma tendência
auto-organizadora. Conforme nos diz Kardec (L..E.¹
q.8).
A ciência do Caos revela que na verdade não há caos
na natureza, assim como no Espiritismo sabe-se que as leis de Deus existem
em todo o universo e que todas as coisas, mesmo as que parecem caóticas,
seguem uma ordem oculta, esta ordem é inerente à própria
natureza das coisas e não imposta externamente. De outro modo,
podemos comparar esta ordem à Lei Divina ou Natural onde “a
harmonia que reina no universo material, como no universo moral, se
funda em leis estabelecidas por Deus desde toda a eternidade”
(L.E. q.615). Por outro lado, mesmo que
a ordem seja implícita, isto não impede o livre arbítrio
relativo à nossa condição inferior (Ge.
² Cap. VI, 10).
Se, por exemplo, o homem interfere em um sistema caótico, ele
pode até conseguir desestabilizar momentaneamente a ordem que
surge do caos, mas, em seguida, cessada a interferência humana,
a natureza se restabelece porque a ordem faz parte da natureza das coisas.
Não podemos aí fazer uma comparação como
a visão do livre arbítrio no Espiritismo? Sim! O Homem
tem livre arbítrio e por isso ele pode momentaneamente alterar
a ordem da natureza, mas esta ordem se restabelecerá porque ela
é inerente à própria natureza.
Nosso livre arbítrio é relativo à flexibilidade
das leis naturais que nos permitem intervir na ordem dos fatos sem com
isso alterar a natureza das próprias leis existentes em todas
as coisas.
O Caos também torna mais aceitável a idéia
de que os Espíritos interferem nos fenômenos da natureza,
se, como Lorenz disse, pequenas interferências são capazes
de provocar profundas modificações em um fenômeno;
então para alterar fenômenos naturais de grande escala
não é necessário uma interferência monumental.
Existem chaves na natureza, os espíritos detentores destes conhecimentos
podem facilmente controlar os fenômenos naturais (L.E.
q.536).
Aqui na Terra estamos sujeitos a pequenos incidentes que são
próprios do estado material em que vivemos, sem que cada pequeno
acontecimento tenha um significado cármico. Os fatos corriqueiros
da vida, como um tropeção, acontecem de maneira casual
ou caótica, porém trata-se de uma desordem submissa a
uma ordem maior que dá a estes fatos o limite da trivialidade.
Não há um controle para cada passo da vida, porém
há uma ordem geral que limita o aparente caos existente nas coisas
e esta ordem pode ser percebida quando observamos os fatos com uma visão
além da ótica pontual e individual e transcendemos para
uma percepção global (L.E.q.859).
Quando o Caos afirma que não há determinismo localmente,
mas há leis globais, isso está consoante com a teoria
das predições propostas pelo Espiritismo. Não se
podem prever acontecimentos com detalhes específicos como data
e hora. Determinados fatos estão propensos a acontecer, porém
a forma particular e o momento em que se realizam estão sujeitos
ao livre arbítrio do homem (Ge. Cap. XVI,
13). Os Espíritos, na condição de erraticidade,
podem mais facilmente prever os acontecimentos, interferir em nossas
vidas, porém deve-se desconfiar daqueles que dão informações
muito precisas (Ge. Cap. XVI, 16).
Uma outra contribuição do Caos é diluir a visão
linear e simplista que temos das relações de causa e efeito.
David Hume (1711-1776) dizia que por causa de nossas experiências
vividas criamos expectativas assim, podemos facilmente nos enganar na
relação de causa e efeito e enxergar uma relação
de causa e efeito onde ela não existe.
A complexidade é uma característica que demonstra que
as coisas não funcionam mecanicamente e são tantos os
fatores que agem em um fenômeno que é impossível
fazer diagnósticos e previsões quanto ao carma e destino
de cada um. Entender a complexidade é uma prevenção
contra explicações simplistas, como o justificar que alguém
nasceu aleijado porque usou mal as pernas em outra vida, ou que nasceu
sem um braço porque usou este membro para chicotear escravos
na encarnação passada. Apesar observarem-se casos de uma
relação direta de causa e efeito, isto não se aplica
a todas as circunstâncias.
Referências
CAPRA, F. O Tão da física. São
Paulo:Cultrix. 1986.
GLEIK, J. Caos: a construção de uma nova ciência,
São Paulo: Campus. 1989.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. Brasília:
FEB. 1944.
KARDEC, A. A Gênese. Trad. Guillon Ribeiro. Brasília: FEB.
1944.
MARITAIN, J. Introdução Geral à Filosofia. Rio
de Janeiro: Agir. 1966.
MORIN, E. Ciência com Consciência. São Paulo: Bertrand
Brasil. 2000, 350p.
PASSIS-PASTERNARK, G. Do Caos à Inteligência Artificial:
quando os cientistas se interrogam. São Paulo: Universidade Estadual
Paulista, 1993.
1 - O Livro dos Espíritos
2 - A Gênese
O autor é licenciado em Ciências
Agrárias, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente e professor
de Educação Ambiental pelo Senac-PB; milita no movimento
espírita do Estado da Paraíba.
Nota: Texto extraído da Revista Internacional de Espiritismo
– Ano LXXX – Nr. 09 – Outubro de 2005, págs.
470 e 471.
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O Homem tem livre arbítrio e por isso ele pode
momentaneamente alterar a ordem da natureza, mas esta ordem se restabelecerá
porque ela é inerente à própria natureza.
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Leiam de Breno Henrique de Sousa:
->
Ciência do Espírito: o problema da reprodutibilidade e
controle dos fenômenos espirituais
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Espiritismo e Liberdade de Consciência
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A Teoria do Caos e Espiritismo
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Teoria do caos e Espiritismo