Morrer feliz
Do livro “O Que Fazemos
Neste Mundo? ”, de Richard Simonetti
Tema recorrente em nosso mundo é a felicidade, a maior
aspiração humana.
Todos queremos, acima de tudo,
ser felizes.
Seria interessante refletir sobre
o assunto, a partir de um versinho de Mario Quintana:
Quantas vezes a gente, em busca
da ventura,
Procede tal e qual o avozinho
infeliz,
Em vão, por toda parte,
os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz.
Vale lembrar dona Malvina.
– Estou muito infeliz –
reclamava desalentada, dirigindo-se a Juvêncio, mentor espiritual
do Centro Espírita que frequentava.
E explicava:
– Enfrento intoleráveis
atribulações com a família e as enfermidades.
A Terra é um vale de lágrimas! Gostaria que Deus
me levasse!
Juvêncio, um guia sem papas
na língua, questionou:
– Quem lhe disse que pessoas
infelizes recebem passaporte para o Céu?
– Ora, quem disse! –
retrucou, contrariada, dona Malvina. – Foi Jesus. O nosso
mestre ensinou, no Sermão da Montanha, que bem-aventurados
são os sofredores.
– Você não
completou: Bem-aventurados os que sofrem, porque serão
consolados! Tapinha nas costas, minha filha! Felizes, apenas os
humildes. Deles é o reino dos Céus, como está
na primeira bem-aventurança.
– Eu sou humilde!
– Negativo. Pessoas humildes
não fazem propaganda disso, nem reclamam da vida.
– Devo sofrer calada?
– De preferência.
Nunca ouviu dizer que o coração é nosso e
o rosto é dos outros?
– Como sorrir para alguém
se a desolação está em mim?
– É simples. Primeiro
aprenda a rir de si mesma. Olhe-se no espelho e veja como é
lamentável sua expressão atormentada, como se carregasse
os males do mundo sobre os ombros…
– E daí?
– Diga para si mesma: Por
que esse figurino de velório? Coisa ridícula! Ninguém
morreu! Quem deve morrer é o meu pessimismo, minha visão
negativa da existência!
– O que ganharei com isso?
– Deixará de preocupar-se
demais com as coisas da Terra e terá tempo e disposição
para ser feliz. Além do mais, morrer infeliz é sintoma
de rebeldia. Demostra não estar satisfeita com o que Deus
lhe deu.
– Isso é ruim?
– É péssimo.
Gente infeliz está despreparada para a vida espiritual.
Fará estágio depurador no umbral para refletir um
pouco e compreender que a infelicidade é opção
equivocada, quando não nos ajustamos aos desígnios
divinos.
– Então, o mais acertado…
–… É morrer
feliz, minha filha, mesmo enfrentando as dores da Terra, com a
consciência de que bem-aventurados são os que têm
fome e sede de justiça, porque serão saciados, como
ensina a quarta bem-aventurança.
– Ah! Isso é impossível!
– Por quê?
– Tenho sido injustiçada
a vida toda. Sofro prejuízos com as pessoas, a começar
por meus familiares…
– Você não
entendeu a observação de Jesus. Essa sede de justiça
não diz respeito aos nossos direitos. O Mestre reporta-se
aos nossos compromissos.
– Compromissos?
– Sim. Bem-aventurados os
empenhados em resgatar seus débitos com otimismo e coragem,
sem desalento, sem queixumes, cumprindo a vontade de Deus. Ou
você acha que está na Terra em jornada de férias?
– Ser feliz mesmo sofrendo?
– Exatamente, até
porque sofrimento e infelicidade não são sinônimos.
O sofrimento pode ser uma imposição da vida, mas
a felicidade é uma construção pessoal, de
esforço intransferível.
– É algo que me compete
realizar…
– Exatamente. E peça
a Deus, com todas as forças de sua alma, que não
a deixe desencarnar antes de conquistar a capacidade de ser feliz.
Juvêncio até imaginou
ser necessária a longevidade de Matusalém para pessoas
como Malvina alcançarem semelhante objetivo, ante sua milenar
vinculação ao pessimismo.
Não obstante, não
seria caridoso, e afinal – considerou com seus botões
– temos a eternidade pela frente. Todos acabam aprendendo
que a felicidade não está subordinada à satisfação
de nossos desejos diante da vida. Nasce do empenho de compreender
o que a vida espera de nós.
***
O guia tem razão em suas
ponderações, amigo leitor.
Lembro uma expressão feliz
do apóstolo Paulo, na Primeira Epístola aos Tessalonicenses
(5-16):
Regozijai-vos sempre!
Se sabemos que Deus é o
Pai de infinito amor e misericórdia, revelado por Jesus,
que nos reserva grandioso futuro…
Se compreendemos que as dificuldade
e atribulações do mundo são lixas ásperas
a desbastarem nossas imperfeições mais grosseiras…
Se temos a bênção
do conhecimento espírita, que nos revela os porquês
da existência humana – de onde viemos, por que estamos
na Terra, para onde vamos…
Se tanto já aprendemos,
como não manter o sorriso nos lábios, habilitando-nos
a partir felizes quando chegar nossa hora, a fim de que a felicidade
chegue conosco no continente espiritual?
E afinal, caro leitor, se os males
maiores representam o pagamento de nossos débitos de vidas
anteriores, por que ficar infeliz?
Quem salda suas contas deve sentir
alívio e alegria, não constrangimento e tristeza,
porquanto estará se depurando, o que o habilitará
ao benefício maior, como ensinava Jesus (Mateus 5:8):
Bem-aventurados os que têm
limpo o coração, porque verão a Deus.
***