A primeira tentativa de estabelecer
uma igreja protestante no Brasil foi em 1555, que pretendia dar refúgio
aos protestantes calvinistas franceses, perseguidos pela inquisição
européia. A segunda tentativa foi em 1630, quando os Holandeses
tomaram Recife, Olinda e parte do Nordeste, registrando uma presença
do protestantismo. Após a expulsão dos holandeses, em
1654, o Brasil fechou as suas portas aos protestantes por mais de 150
anos. Com a chegada da família real e um “jeitinho português”
abriu-se uma brecha no monopólio católico, permitindo
a presença de outra religião que não fosse a católica:
os protestantes estrangeiros não podiam pregar nem abrir uma
igreja com formato de templo, mais podia se reunir e cultuar, também
podia comercializar a bíblia e até distribui-la. Foi através
dessa brecha que um negro, alfaiate, letrado, chamado Agostinho
Jose Pereira, conheceu a bíblia e descobriu outra forma
de cristianismo. Agostinho teve contato com protestantes estrangeiros
que passaram pelo Recife. Por revelação divina, em sonho,
torna-se protestante.
Em 1841, Agostinho Jose Pereira
surge pregando pelas ruas de Recife. Nasce a primeira igreja protestante
brasileira, a Igreja do Divino Mestre, com seus mais de 300 seguidores,
negros e negras, todos livres e libertos. Agostinho os ensina a ler
e escrever, em uma época que os proprietários de terras
eram analfabetos. No Brasil de 1841, fora das colônias estrangeiras,
não havia protestantismo algum. O Negro Agostinho
foi o primeiro pregador brasileiro e fundou a Igreja do Divino Mestre,
primeira igreja protestante do Brasil. Só depois em 1858 o reverendo
Roberto Kalley fundou a Igreja Fluminense, episodio considerado pela
historia oficial data de fundação da primeira igreja protestante
do Brasil, depois vieram outras Igrejas como a presbiteriana (1859),
a batista (1871), a anglicana (1889).
A Igreja do Divino Mestre, era mística e teologicamente
negra. A Igreja fundada por Agostinho fala de libertação
bíblica, esperança de uma vida livre da escravidão,
o povo negro como a primeira criação humana de Deus, e
um Cristo não branco. As idéias de Agostinho eram avançadas
e perigosa para a época onde a igreja católica era a religião
oficial do Estado, e não admitia nenhuma outra crença
a não ser a igreja de Roma. Agostinho ao ler a Bíblia
e pregar uma outra forma de cristianismo, que era proibido, criticava
o catolicismo com suas estátuas e santos intermediários,
ele tornou-se alvo de perseguição da Igreja Católica,
mais não foi só a igreja que se sentiu ameaçada
com as pregações de Agostinho, as autoridades e a Imprensa
de Recife se alvoroçaram com as idéias do Pastor Negro
que falava da libertação dos escravos, citava a revolução
do Haiti e insurreição escrava nos modos dos negros mulçumanos
na Bahia, acontecimentos que deixava os escravistas brasileiros em arrepios.
Ele era mais que subversivo, era negro em plena escravidão negra,
era protestante em um Estado católico, e pregava a libertação
dos negros em uma sociedade que sufocava qualquer movimento que ousasse
tal feito. O negro Agostinho era um perigo para o Brasil da época.
A historia de Agostinho deixa muita perguntas sem resposta, pouco sabemos
da sua vida, de onde veio, pra onde foi. O que sabemos é que
ele era um negro letrado, e que fundou a primeira igreja protestante
brasileira, essa igreja era negra. Sabemos também que na sua
trajetória política conheceu Sabino o líder da
revolta baiana conhecida como a sabinada, também participou da
confederação do Equador. Um fato marcante na vida de Agostinho
foi a sua prisão em 1846, graças a esse acontecimento
foi registrado um pouco da sua vida documentado na imprensa de Recife
e em inquérito policial, que hoje são fontes de pesquisas
resgatando o legado desse grande homem. A imprensa discutia até
onde ele era um rebelde, um fanático religioso, foi acusado de
vigarista e enganador da boa fé de negros e pobres. Agostinho
tinha 47 anos de idade quando foi preso. O chefe de policia da província
suspeitava que a “seita” liderada por Agostinho tinha o
objetivo de preparar uma insurreição de escravos. A policia
cercou a casa onde a Igreja do Divino Mestre se reunia, prenderam Agostinho
e seus fiéis. Com a prisão de Agostinho a sua igreja se
expandiu pela cidade, e a perseguição policial se estende
aos seus membros. No bairro de Boa Vista, a policia entra na casa de
um de seus lideres, o interroga e confisca a sua bíblia. A policia
invade a casa de Agostinho e apreende textos intitulados como o ABC,
textos esses que criaram um grande alvoroço por conter citações
da revolução dos escravos do Haiti. A perseguições
prosseguiram aos membros da Igreja do Divino Mestre
que registrara 16 pessoas detidas. O seu advogado de defesa foi Borges
da Fonseca, um liberal de Pernambuco.
Não sabemos o que aconteceu com o pastor negro Agostinho
Jose Pereira depois da sua prisão. Um jornal da época
noticiara que Agostinho fora solto pelo hábeas corpos do advogado
Borges da Fonseca e que quando passava nas ruas acompanhado pelos seus
discípulos a multidão gritava e assoviava. Ao passar por
Pernambuco em 1852 o naturalista inglês Charles B. Mansfield referiu-se
ao Divino Mestre como um “Lutero Negro”,
que não sabia onde ele estava, mas tinha ouvido que tinha sido
condenado a 3 anos de prisão ou fora deportado, não sabia
o certo. O Lutero Negro, assim como se referiu o inglês
Mansfield, deixou um legado para a igreja e sociedade brasileira. Para
o Movimento Negro Evangélico deixou uma bela
herança histórica: “a primeira Igreja Protestante
do Brasil foi negra”.
Por Hernani Francisco da Silva – Do Afrokut
Citações e Referências:
Léonard, Émile-G. O protestantismo brasileiro:
estudo de eclesiologia e história social. 2ª ed. Rio de
Janeiro: JUERP e ASTE, 1981.
Marcus JM de Carvalho – Rumores e rebeliões:
estratégias de resistência escrava no Recife, 1817-1848
– 49 – Tempo – Revista do Departamento de Historia
da UFF – Nº 6 Vol. 3 – Dez. 1998.
Marcus JM de Carvalho “FÁCIL É
SEREM SUJEITOS, DE QUEM JÁ FORAM
SENHORES”: O ABC DO DIVINO MESTRE Afro-Ásia, número
031 Universidade Federal da Bahia, Brasil pp. 327-334, 2004.
Fonte: http://afrokut.com.br/o-lutero-negro/
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