A melhor maneira de me seguirem é
não me seguirem: é me reinventarem.
Paulo Freire
Isso poderia também ser aplicado
a Kardec?
Paulo Freire, um dos melhores intersubjetivistas que o Brasil já
teve, entendia de lógica dialética. Ele sabia que
compreender é interpretar, e não copiar. E mais, ele
dava ao trabalho do conhecimento uma dimensão ético-política:
essa forma de compreensão adiciona autonomia aos sujeitos,
libertando-os da opressão embutida na idéia de que
aprender não é pensar. Para ele, o pensar é
pensar por conta própria, é reconstruir, é
reinventar - isto é, não é "fazer de novo",
e sim o "fazer o novo".
Vejamos Kardec.
Homem de outro tempo, foi um genial racionalista de índole
positivista. Não trabalhava com a lógica dialética,
mas com a lógica formal. Onde Paulo Freire fala de "libertação",
ele chama "evolução". Onde Freire fala de
"invenção", Kardec refere-se como "descoberta".
Pois, para Kardec, o conhecimento se desenvolveria não pela
negação da descoberta feita, mas pelo acréscimo
de novas descobertas.
Não acho, contudo, que Freire
negue Kardec, ou vice-versa. Ao contrário. Acho que, de um
ponto de vista da teoria do conhecimento, ambos se complementam.
Primeiro, porque Freire não
nega o processo cumulativo do desenvolvimento do conhecimento. Ele,
firmado já no século vinte, apenas não se detém
nesse âmbito, e admite o processo substitutivo desse desenvolvimento.
Isto é, não apenas se "descobre", mas também
se "reinventa".
E, segundo, porque Kardec
não nega ao espiritismo a possibilidade do avanço
cognitivo - jamais ele pretendeu que seus livros fossem
canonizados ou dogmatizados -, mas, ao contrário, deixou
clara uma regra que considero, particularmente, a regra
áurea da epistemologia kardeciana: o Espiritismo
deve acompanhar o progresso da ciência, a qual, se comprovar
algo em contrário ao espiritismo, este é que deve
ser modificado.
Assim, sendo, julgo acertado responder
com um "sim" à sua pergunta, amigo querido. E em
dois sentidos, podemos "reinventar Kardec": nos processos
interpretativos, coisa que, sem o querer, todos os espíritas
já o fazem, ao buscar compreendê-lo e aplicá-lo;
e no avanço do conhecimento espírita, pelos critérios
da racionalidade filosófica e científica em qualquer
sentido, cumprindo assim a regra de ouro da epistemologia de Kardec,
contida especialmente no primeiro capítulo de "A Gênese".
Aliás, como busquei
deixar claro em meu texto "A
filosofia espírita da fé raciocinada,
considero que praticar essa "reinvenção"
é cumprir Kardec, é ser kardecista no método,
o que, pessoalmente, considero muito mais importante do que o ser
nos conteúdos. Assim como, para mim, ser cristão
não é crer em certos dogmas, mas praticar a ética
do Cristo.
Luiz Signates – Goiânia/GO (Lista IPEPE,
em 09/10/2000)