Original de 6/10/13 – Versão
1.7 de 11/10/13
Em 2/10/13 o amigo Guilherme Fernandes enviou-me um
e-mail com o seguinte trecho:
"Achei em um fórum na Internet uma lista
de questões bem críticas a respeito das religiões.
As perguntas obviamente são feitas por uma pessoa que também
entendeu os acontecimentos da Bíblia como literais mas são
muito interessantes para se ver que confusão realmente se forma
se forem assim interpretadas."
Passo em seguida a enumerar as questões e a respondê-las.
Elas estão transcritas aqui exatamente como foram recebidas,
a menos de um ponto de interrogação que foi adicionado
no fim de algumas que não o tinham. Muito do que vou escrever
aqui já consta da resenha que fiz do livro de Richard Dawkins
The God Delusion, editado no Brasil com o título indevido de
Deus, um Delírio. Nela, eu concordo com várias críticas
de Dawkins às religiões, mas discordo de outras.
No meio do texto que se segue não serão
introduzidos vínculos (links) para páginas da Internet
com meus artigos citados. Com isso, pretendo evitar que o leitor distraia-se
interrompendo a leitura deste texto. Os endereços de páginas
estarão na última seção, Referências.
Recomendo que, depois de ler todo o texto, um dos vínculos seja
escolhido para a leitura do texto correspondente – mas o seu texto
também deve ser lido primeiramente até o fim! Dessa maneira,
como já foi provado cientificamente (ver meu artigo "O que
a Internet está fazendo com nossas mentes"), o leitor prestará
muito mais atenção e terá muito maior compreensão
e memorização do texto lido.
_________
1. Se Deus é todo poderoso
(onipotente) por que ele precisa de um dia de descanso?
Eu nunca uso a entidade Deus, pois perdeu-se
totalmente a noção do que ela pode ser. Ela virou mera
abstração. Mas vamos supor que existam seres divinos,
isto é, que não se encarnam em um corpo físico,
e que em sua evolução estão mais adiantados do
que os seres humanos (não vou entrar aqui em detalhes do que
esse "mais adiantados" pode significar). Vários deles
são citados na Bíblia (como anjos, arcanjos, potestades,
principados etc.) e em várias correntes espirituais, como no
hinduísmo (os devas, por exemplo).
Em primeiro lugar, nenhum desses seres
divinos pode ser onipotente, pois se assim o fosse não poderíamos
ter livre arbítrio. Obviamente, estou partindo da hipótese
de que temos livre arbítrio, o que deve necessariamente ser negado
por um materialista ou fisicalista, isto é, a pessoa que não
admite a existência de "substâncias" e seres não
físicos no universo. Em outras palavras, adota a posição
de que só existem matéria e energias físicas no
universo e no ser humano. Ora, a matéria é sujeita inexoravelmente
às "leis" e condições físicas,
portanto da matéria não pode advir a liberdade. De outro
ponto de vista, uma "partícula" atômica (usei
aspas pois ninguém sabe o que é uma tal partícula)
obviamente não tem liberdade. Portanto, um grupo dessas partículas
formando um átomo também não tem liberdade. E assim
vamos ajuntando átomos formando moléculas, estas formando
células, estas formando tecidos, estes formando órgãos,
todos sem livre arbítrio, até chegar ao ser humano físico
completo que, portanto, não pode ter livre arbítrio. Mas
essa não é a vivência que qualquer um pode ter,
por exemplo de claramente poder determinar seu próximo pensamento,
e de concentrar-se nele por alguns instantes. Assim como o tempo, o
livre arbítrio não pode ser definido, deve ser vivenciado
– o tempo da Física não é o nosso tempo;
nela não existe o momento presente, e o tempo pode ser revertido.
Supondo a hipótese de termos livre arbítrio, evidentemente
ele não pode vir de nossa constituição puramente
material, isto é, existe algo de não físico, espiritual,
em cada ser humano.
Em segundo lugar, vejamos essa questão
do dia de descanso de uma entidade espiritual que seria Deus. É
preciso chamar a atenção para o fato de que, na verdade,
no original hebraico a palavra está no plural, Elohim. Esses
seres são citados no início da Gênese, e só
mais tarde, nesse livro, aparece uma outra entidade, I’hová,
Jeová – já se vê que traduzir tudo isso por
Deus é problemático; o Pe. D’Almeida usa, respectivamente,
Deus e Senhor, mantendo pelo menos a distinção entre essas
entidades.
Pois bem, os 7 dias da criação são claramente símbolos,
imagens, para grandiosos eventos espirituais. Só uma interpretação
literal muitíssimo ingênua considera esses dias como os
nossos, de 24 horas. Uma prova disso está no fato de que somente
no 4º dia é criado o Sol. Segundo a tradução
de d’Almeida, "E disse Deus [no original "os
Elohim"]: Haja luminares nos céus, para haver separação
entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais e para tempos determinados
e para dias e anos." Rudolf Steiner, em minha opinião
o maior clarividente dos últimos séculos, em um ciclo
de palestras de 16 a 26/8/1910 em München, GA (de "Gesammtausgabe",
catálogo da obra completa) 122, dá explicações
muito convincentes sobre o significado desses símbolos do início
da Gênese – infelizmente, esse ciclo não está
traduzido, e exige um conhecimento prévio de elementos básicos
da cosmovisão introduzida por Steiner, a Antroposofia.
Do mesmo modo que os "dias"
da "criação" são imagens, o "dia
de descanso" também é uma imagem. Não tendo
corpos físicos, as entidades espirituais que criaram o universo
obviamente não se "cansavam".
Por que a Bíblia é cheia
de imagens? Acontece que na época em que foi transmitida, as
pessoas não tinham a possibilidade de pensar conceitualmente.
Essa possibilidade só aparece na Grécia antiga, ao redor
do séc. VII a.C. Mas o pensamento conceitual depende da evolução
dos povos e das pessoas; por exemplo, o Cristo fala ao povo quase sempre
em parábolas, em imagens – pois se falasse em conceitos,
ninguém entenderia. Isso é claro no caso da Parábola
do Semeador, p.ex. em Mateus 13. Depois de contá-la para o povo,
os seus discípulos protestam: "13:10. E, acercando-se
dele os discípulos, disseram-lhe: Por que lhes falas por parábolas?
13.11. Ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado
conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não
é dado." E passa a explicar conceitualmente o significado
das imagens da parábola. Isto é, ele já tinha feito
um tal desenvolvimento nos seus discípulos, que eles podiam pensar
conceitualmente – como qualquer jovem de hoje consegue.
Note-se que muito depois dessa época
certos povos ainda pensavam em imagens, como aconteceu nos contos de
fadas genuínos, como os dos irmãos Grimm. Aliás,
é muito interessante compreender o significado oculto dos contos
de fadas, pois muitas vezes revelam o desenvolvimento do ser humano.
Assim, é fundamental não
tomar as imagens da Bíblia como relatos de realidades físicas.
2. Fala "Não matarás!"
mas assassina primogênitos do Egito, como pode?
Não é só essa morte.
O Velho Testamento está repleto de mortes e até mesmo
de política de terra arrasada (que, portanto, não foi
inventada pelo Hitler), como é o caso da destruição
total de Jericó (Josué 6).
Nesses casos deve-se também considerar que os relatos são
imagens para realidades, em geral espirituais. Parece-me que seria extremamente
cretino se fosse uma realidade física o seguinte, sobre a destruição
de Jericó: "E tudo quanto na cidade havia, destruíram
totalmente ao fio da espada, desde o homem até a mulher, desde
o menino até o velho, e até ao boi e ao gado miúdo,
e ao jumento" (6:21). "Porém
a cidade e tudo quando quanto havia nela queimaram-no a fogo; tão
somente a prata, e o ouro, e os vasos de metal e de ferro, deram para
o tesouro da casa do Senhor" (6:24).
Não aproveitar nem mesmo o gado, é realmente uma idiotice.
O que talvez esteja se querendo contar é que antigos cultos espirituais
deveriam desaparecer, para dar lugar à nova espiritualidade trazida
pelo povo hebreu, em que a divindade deveria ser procurada interiormente,
e não no exterior, incluindo em imagens fabricadas como eram
os ídolos. Isto é, as mortes relatadas nesse episódio
não são mortes físicas.
Já que a pergunta referiu-se
à saída dos hebreus do Egito, é interessante notar
que não há nenhuma referência histórica no
Egito sobre essa saída, sobre as pragas, sobre essa morte de
primogênitos, e também sobre a morte do exército
do faraó no Mar Vermelho. Esses fatos tão marcantes, se
tivessem sido realidades, não teriam ficado sem citações
nos escritos egípcios – mais uma evidência para considerar
essa história como uma alegoria, uma imagem.
Deve-se também considerar que
naquela época a morte era sentida de maneira totalmente diferente
do que hoje. Havia uma certeza, uma vivência de que o ser humano
continha algo de espiritual, e não desaparecia totalmente ao
morrer. Para a mentalidade corrente hoje, materialista, a morte tornou-se
a pior tragédia que pode ocorrer a uma pessoa, pois com ela tudo
desaparece. Não é só a Bíblia que contém
muitas mortes: esprema-se um volume da Ilíada ou da Odisséia
de Homero, para ver quanto sangue sai de lá. Na Baghavad Gita,
Crichna manda Arjuna matar todos seus parentes. São todas imagens
para o triunfo de certas cosmovisões e práticas espirituais,
ou para um desenvolvimento interior do ser humano, "matando"
seus impulsos animais.
A questão cita um dos 10 mandamentos
(que, tenho a impressão, são nove, leia-se cuidadosamente
o 10º e ver-se-á que é a continuação
do 9º, p. ex. em Êxodo 20). É muito importante notar-se
que no primeiro, "Não terás outros deuses diante
de mim" (20:3), não é
dito que não há outros deuses, e sim que Jeová
era a divindade que estava associada ao povo hebreu, e que devia guiá-lo
para preparar a vinda do Messias. Em muitos trechos do Velho Testamento
há menção de outras divindades – mas aquele
povo devia obediência somente a uma, Jeová. Isto é,
no início havia um monoteísmo daquele povo. O famoso historiador
Paul Johnson, em seu livro A história dos judeus (Rio
de Janeiro: Imago Editora, 2001) situa, no judaísmo, o
conceito de uma divindade única universal apenas a partir do
profeta Isaías.
3. Se o incesto é banido, e Adão
e Eva tiveram apenas dois filhos homens, da onde vem toda a humanidade?
Novamente, deve-se tomar a história
de Adão e Eva como imagens. Note-se que a citação
bíblica da criação do ser humano precede a história
do Paraíso, onde ocorrem Adão e Eva: "E criou Deus
o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho
e fêmea os criou" (Gen. 1:27).
Aqui há duas coisas interessantes. Como Deus, sendo uma divindade,
não tem corpo físico, obviamente essa "imagem de
Deus" refere-se à criação do espírito
humano, isto é, daquilo que cada ser humano tem de divino dentro
de si. Em segundo lugar, Adão aparece mais tarde: "E formou
o Senhor Deus [no original, Jeová-Elohim] o homem do pó
da terra, e soprou em seus narizes o fôlego da vida, e o homem
foi feito alma vivente" (Gen 2:7).
Portanto, a expressão "macho e fêmea os criou",
em 1:27, não se refere a Adão (em hebraico, Adam; adamá
é terra!) e indica simplesmente que no início não
havia separação dos sexos, o ser humano era hermafrodita.
Obviamente, sua constituição física era muito diferente
da nossa. Já com Adão, temos quase a nossa constituição
física (certamente o cérebro, esse órgão
tão plástico, era diferente).
Adão e Eva devem ser considerados
como representantes da humanidade quando esta ainda estava em contato
com a divindade, isto é, não tinha se materializado a
ponto de perder esse contato. Note-se que, apesar de a Bíblia
citar que Adão e Eva tiveram apenas 3 filhos homens (o relato
do nascimento de Set está em Gen. 4:25), Caim casa-se com uma
mulher (4:17). Tudo isso só faz
sentido se os relatos não forem de realidades físicas,
ou melhor, se transcenderem as simples realidades físicas. Muito
da Bíblia pode ter tido alguma realidade, mas o intuito é
de descrever algum processo espiritual de desenvolvimento da humanidade
e de indivíduos. Por exemplo, está escrito "E saiu
Caim de diante da face do Senhor e habitou na terra de Node" (4:16),
indicando o fato espiritual de a humanidade ter se afastado da divindade.
4. Por que mesmo criando o universo inteiro
do nada ele precisa de uma costela para criar a mulher?
Novamente, trata-se de uma imagem, e
não da descrição de uma realidade que ocorreu fisicamente.
Aproveito para observar o seguinte.
Santo Agostinho parece ter introduzido a noção de "pecado
original", que teria sido cometido por Adão e Eva no Paraíso.
Isso está totalmente errado, pois naquela época a humanidade
ainda não era autoconsciente, e portanto não podia pecar
– como os animais, que não pecam. Isso fica claro na grandiosa
imagem "Então foram abertos os olhos de ambos; e conheceram
que estavam nus, e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais
(Gen. 3:7). Isto é, antes de comerem
do "fruto proibido", como está escrito, "Mas da
árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás,
por que no dia em que dela comeres, certamente morrerás"
(2:17), Adão e Eva não tinham
autoconsciência. Note que uma criança pequena também
não a tem – em geral, ela fala "Eu" apenas ao
redor dos 3 anos de idade; antes refere-se a si própria pelo
seu nome: "Tetê qué", como diz minha netinha
Maithê, de um ano e 8 meses. Uma criança pequena, não
tendo autoconsciência, não se envergonha de estar nua.
No alemão, usa-se "Erbsünde", "pecado herdado".
Isso está um pouco melhor, pois depois que Adão e Eva,
isto é, a humanidade, foi "expulsa do Paraíso"
(Ge. 3:23), quer dizer, deixou o mundo
espiritual e caiu na matéria, essa condição material
é herdada de pais para filhos.
5. Por que culpa Satã pelo mal se o
mundo está no controle de Deus?
Aqui tocamos em um mistério muito
profundo. Como essa entidade Deus, que é considerada como sendo
boa, cria o mal? Acontece que sem o mal não haveria o bem. Se
não houvesse o mal, que nos primórdios da humanidade nos
fez desejar os prazeres terrenos, jamais teríamos abandonado
o mundo espiritual. Como dizia meu sogro Rudolf Lanz, "Estaríamos
todos ainda no Paraíso, de bata cor de rosa tocando lira, que
chatice!" Se não houvesse o mal e o bem, não poderíamos
fazer escolhas, não teríamos autoconsciência e nem
liberdade. Portanto, as entidades que produzem o mal foram criadas pela
divindade, que permitiu a sua atuação sobre o ser humano,
como é magnificamente relatado pela imagem da serpente no Paraíso
(Gen. 3).
Santo Agostinho não reconhecia
a existência do mal, como entidade que tenta desviar o ser humano
de seu progresso espiritual. Para ele, o mal era simplesmente a ausência
de Deus. Sobre o mal como ação de entidades espirituais,
e seus vários aspectos, veja-se meu artigo "O bem e o mal
do ponto de vista da Antroposofia". Hoje em dia, é essencial
para o desenvolvimento da humanidade reconhecer os vários aspectos
do mal, a fim de se o evitar e a fim de se o sublimar, transformando-o
em bem. O artigo citado dá indicações de como reconhecer
certos aspectos do mal.
Satanás é apenas um dos
aspectos do mal; é o Mefistófeles do Fausto de Goethe.
Ele aparece a Fausto na cena do escritório desse último,
que lhe pergunta quem ele é, recebendo a resposta "Ich bin
diejenige Kraft/die stets das Böse will,/und stets das Gute schafft",
"Eu sou aquela força/que sempre quer o mal,/mas sempre cria
o bem" (minha tradução literal). Isto é, o
mal existe mas, dependendo da atitude do ser humano frente a ele, pode
ser transformado em um bem. Um dos lemas dos maniqueus, uma corrente
cristã dos séculos III a VI, altamente esotérica
– e por isso foi aniquilada pela Igreja, especialmente por Santo
Agostinho, que tinha pertencido a ela mas não conseguiu galgar
todos os graus iniciáticos da mesma –, era "ame bem
o mal", o que revela um profundo conhecimento do mistério
do mal.
Satanás está ligado a
tudo o que nos prende à Terra e nos faz esquecer, ignorar, que
somos não só terrenos, mas temos algo de espiritual em
nós – que, por exemplo, nos dá a liberdade. Toda
a tecnologia é fruto dele. No entanto ela pode, justamente se
bem usada, servir para o ser humano libertar-se das forças da
natureza, seja interiores como exteriores a ele, o que exponho em meu
artigo "A missão da tecnologia".
É devido à tecnologia
da Internet que estas linhas podem ser lidas por muitas pessoas; eu
teria que falar para cada uma se não fossem as máquinas.
No entanto, a tecnologia não está servindo para libertar
o ser humano, muito pelo contrário, aprisiona-o, pois está
sendo mal usada. Note-se, por exemplo, como mais de metade da humanidade
é bestificada todos os dias pelos aparelhos de TV. Ou como pessoas
não conseguem desligar-se da Internet. Parece-me que, com os
smartphones e tablets Satanás deu seu maior
golpe, pois com eles a Internet pode ser usada a qualquer momento e
em qualquer lugar, viciando as pessoas, tirando-lhes a calma, diminuindo
sua capacidade de concentração, prejudicando seus relacionamento
social etc.
6. Demanda das pessoas que perdoem e sejam
boas mas manda os pecadores para o inferno eterno?
Essa questão de "Inferno"
é uma invenção da Igreja Católica; não
se encontra no Velho e no Novo Testamento como um "local"
no mundo espiritual para o qual o espírito vai depois da morte
e ficará por lá eternamente.
Uma maneira correta de encarar a vida
humana é que ela é uma chance de desenvolvimento individual.
Certas pessoas usam bem essa chance, outras fracassam, caindo no mal
e assim regredindo em seu desenvolvimento.
A vida humana só tem um sentido
se for admitido, como hipótese de trabalho, que existe uma reencarnação.
Alguma noção de reencarnação existiu desde
os primórdios da humanidade; essa noção teve que
desaparecer, pois se ela tivesse continuado a existir jamais a humanidade
teria caído suficientemente na matéria, a fim de desenvolver
a autoconsciência e a liberdade. Por isso a Igreja Católica
fez um grande bem eliminando a ideia de reencarnação.
Para ela, existe em cada ser humano uma alma imortal, mas que não
retorna para o mundo físico depois da morte. Eu nunca consegui
compreender por que uma pessoa que admite a existência de algo
espiritual, imperecível, no ser humano, não consegue admitir
que essa essência espiritual possa retornar, reencarnando-se.
É preciso dar crédito
a Alan Kardec pelo fato de ter introduzido novamente no ocidente, em
meados do séc. XIX, uma noção da reencarnação.
Infelizmente a sua teoria espírita não trouxe uma clara
conceituação da constituição humana suprassensível,
de modo que não ficou claro o que se reencarna no ser humano.
Deveu-se a Rudolf Steiner, que empregou um outro método de investigação
do mundo espiritual completamente diferente, sem mediunismo, com uma
conceituação moderna e muito mais abrangente, do que é
e como se dá o processo de reencarnação, feita
no primeiro quarto do séc. XX. De qualquer modo, tanto na concepção
de Kardec quanto na de Steiner não existe, depois da morte, uma
permanência "eterna" de algo do ser humano num "céu"
ou num "inferno".
Agora estamos na fase de desenvolvimento
da humanidade em que devemos voltar a reconhecer a existência
de um mundo espiritual. O nascimento de um ser humano significa a sua
morte para o mundo espiritual; sua morte física significa um
nascimento para esse mundo. Mas só aqui, durante a vida na Terra,
em vigília, é que podemos fazer o mal; ninguém
faz o mal dormindo, quando nosso espírito abandona quase que
totalmente nosso corpo e por isso perdemos quase que totalmente a consciência.
Esta depende da interação do espírito com o corpo
físico.
É fácil dar um exemplo
de mal que se pode fazer a outrem: o desenvolvimento da liberdade é
uma das missões do ser humano. Portanto, uma ação
que vá contra a liberdade de uma pessoa sadia é um mal,
podendo ser denominado de pecado.
A pessoa que faz um mal levará
consigo esse ato, que terá consequências, tanto para sua
vida atual, quanto para sua próxima encarnação.
Essas consequências não são uma expiação,
como é considerado por algumas correntes espiritualistas que
admitem a reencarnação. Elas serão oportunidades
de reparar o mal que foi feito. Por exemplo, suponhamos que em uma vida
uma pessoa faça um grande mal a outra. Na próxima encarnação,
talvez elas se encontrem em um relacionamento intenso, em que a primeira
poderá fazer uma grande ajuda à segunda. É assim
que se pode compreender o destino, o carma. Rudolf Steiner foi o grande
iniciado que trouxe uma nova compreensão sobre o carma. Em particular,
não há absolutamente nenhum sentido em se considerar que
um espírito humano possa encarnar-se em um animal, como uma noção
degenerada de reencarnação faz crer. Já pelo que
foi exposto pode-se chegar a essa conclusão: um animal não
tem autoconsciência e nem livre arbítrio; não tem
nem mesmo a individualidade que cada ser humano tem. Portanto, é
impossível um espírito humano encarnar-se em um animal,
pois não teria a chance de se desenvolver.
Tenho a impressão de que a Igreja
Católica, bem como outras correntes cristãs e religiões
terão que, algum dia, reconhecer a existência da reencarnação,
pois sem ela a vida humana não faz sentido. Curiosamente, no
Novo Testamento aparece em alguns trechos a noção de reencarnação,
como por exemplo quando João Batista é perguntado se é
Elias, isto é, se é a reencarnação desse
profeta (João 1:21) e quando o Cristo
confirma isso (Mateus 11:13-14 e 17:10-13).
7. Conhece tudo do destino e futuro mas diz
para as pessoas rezarem de toda maneira?
Na questão 1 eu disse que nenhum
ser divino pode ser onipotente, pois nesse caso não poderíamos
ser livres. Pois nenhum deles pode ser onisciente, já que não
têm nossos órgãos de sentidos e, portanto, não
podem observar o mundo físico como nós o observamos. Eles
também não podem sentir nossa dor, nosso sofrimento. Para
que a divindade tivesse essa vivência, foi uma das razões
por que um deles, de altíssima hierarquia, teve que incorporar-se,
no batismo do Jordão, na corporalidade de Jesus de Nazaré.
Note-se que os evangelhos de Marcos e João começam nesse
batismo, pois antes não havia a atuação do Cristo.
Note-se também que os capítulos 1 e 2 de Mateus e de Lucas,
que tratam dos eventos antes do batismo, são totalmente diferentes,
como resumi em meu artigo "Discrepâncias entre os Evangelhos
de Lucas e Mateus".
Essa total discrepância não
é fortuita; ela foi explicada por Rudolf Steiner em seus ciclos
de palestras sobre os evangelhos, especialmente no ciclo sobre o evangelho
de Lucas, GA 114 (São Paulo: Ed. Antroposófica,
2ª ed. 1996). Neles, ele mostra como o Cristo, o Eu Cósmico,
é um ser absolutamente fundamental no desenvolvimento da humanidade,
e não tem praticamente nada a ver com o Cristo de quase todas
as igrejas que se consideram cristãs. Vejam-se, por exemplo,
as barbaridades anticristãs que foram cometidas em nome dele
e os preconceitos e dogmas que são pregados por várias
igrejas.
Já que estamos tratando aqui
de religião, é interessante notar que o Cristo não
quis inaugurar nenhuma nova religião; quis introduzir uma renovação
no judaísmo, tornando-o universalista e esotérico. Segundo
Steiner, o importante da contribuição do Cristo não
é sua doutrina, seus ensinamentos, mas sim os fatos de sua vida
e de sua morte, e os exemplos que deu.
Se o ser humano tem liberdade, nenhum
ser divino pode saber o que uma pessoa fará no futuro. Como eu
expus na questão anterior, o destino, o carma, é uma tendência
que todos nós carregamos. O destino nos coloca em uma determinada
situação em nossa vida. O que faremos nessa situação
depende de nosso livre arbítrio, desde que ajamos com consciência,
escolhendo nosso caminho.
É preciso compreender o que deveria
ser uma reza, uma oração. É um apelo para uma ajuda
do mundo espiritual. No entanto, esse apelo não pode ser feito
por motivos egoístas, isto é, em benefício próprio,
da própria família, comunidade ou nação.
Uma reza desse tipo leva a um desenvolvimento do egoísmo, que
é sempre destrutivo. Por exemplo, um agricultor reza para que
chova em seu sítio. Ora, se chover em seu sítio, não
choverá em outro lugar, prejudicando uma outra pessoa. Note-se
que a questão formulada pode implicar em uma reza em benefício
próprio. No entanto, é possível fazer uma oração
para que se consiga algo que possa redundar em benefício alheio,
como por exemplo conseguir-se uma cura de si mesmo para poder atuar
ajudando outras pessoas.
Já que tratamos da oração,
vamos abordar algo análogo, que é a meditação.
A meditação ativa é a maneira correta hoje em dia
para se desenvolver órgãos de percepção
do mundo espiritual, latentes em todos os seres humanos. Ao contrário
da reza, que apela para uma ajuda do mundo espiritual, a meditação
faz a pessoa elevar-se a esse mundo, e não deve ser feita para
obter uma ajuda.
É importante distinguir um exercício
de concentração mental de um exercício de meditação.
O primeiro ocorre quando se concentra o pensamento em um único
tema, por exemplo um sapato. Pode-se pensar nas várias formas
de sapato, suas utilidades, como são fabricados, mas tudo em
volta desse tema; se durante o exercício pensar-se, por exemplo,
em uma pessoa querida que usava um certo sapato, e passar-se a pensar
nela, perdeu-se a concentração mental. Um exercício
de meditação ocorre quando o pensamento é concentrado
em um tema puramente espiritual, como por exemplo os primeiros versículos
do evangelho de João. Exercitar a concentração
mental é excelente, pois ela desenvolve a serenidade e o autocontrole.
A meditação não deve em absoluto visar objetivos
egoístas, pois o resultado pode ser desastroso, como a exacerbação
do orgulho e do egoísmo. Sobre meditação, recomendo
fortemente os livros de Arthur Zajonc Meditação como indagação
contemplativa (São Paulo: Ed. Antroposófica,
2010), e o de Heinz Zimmermann e Robin Schmidt, Meditação
- Uma introdução à prática meditativa antroposófica
(São Paulo: Ed. Antroposófica, 2012).
8. Se tudo é parte de um plano porque
manda os estupradores/assassinos para o inferno por seguir o plano?
Já foi dito que essa questão
de inferno é uma invenção e não uma realidade.
Também foi dito que o ser humano tem livre arbítrio, portanto
pode desviar-se de seu destino, de seu plano, isto é, o tal plano
não é determinista e inexorável.
Se uma pessoa comete um crime, está
fazendo um mal não só a outra pessoa, mas a si própria.
Aliás, se o tal Deus é bom e fosse onipotente, por que
deixaria uma pessoa cometer um crime?
Houve uma época, nos primórdios
da humanidade, em que esta estava em total convivência com a divindade.
Aos poucos, a humanidade afastou-se da divindade, caindo na matéria,
o que é magnificamente representado pela imagem do Paraíso
bíblico e da expulsão dele. Esse afastamento foi gradual;
houve uma época em que seres divinos ainda estavam em contato
com alguns seres humanos, que se submetiam a intensa preparação
para isso nos chamados Centros de Mistério da antiguidade, como
os de Éfeso, Eleusis etc. Havia esses centros, esses templos,
em muitos países; por exemplo, os monolitos de Stonehenge são
restos deles. Por meio deles os seres humanos entravam em contato com
seres divinos e recebiam indicações de como agir. Até
os casamentos eram planejados. Aos poucos, esse contato feneceu, e isso
tinha que ocorrer para que o ser humano desenvolvesse sua autoconsciência
e liberdade. Restou uma lembrança, uma tradição
da existência do espírito no ser humano e no universo.
Isso durou até o séc. XVIII, onde ocorre algo inimaginável
anteriormente: a ideia de que o ser humano é uma máquina,
muito bem representada pelo livro de O. De La Méttrie, L’Homme-Machine,
de 1748. As próprias religiões afastaram-se do espírito;
o Deus delas virou, como foi dito na resposta à questão
1, mera abstração, o que levou Nietzsche a dizer que "Deus
está morto", frase que ele usou pela primeira vez em seu
livro Die fröhliche Wissenschaft ("A ciência alegre"),
de 1882.
Agora estamos na era de podermos voltar
ao espírito, vivenciá-lo conscientemente, mas é
absolutamente essencial que não percamos o que conquistamos,
isto é, a autoconsciência e a liberdade.
9. Por que apesar de infinitamente inteligente
se sente satisfeito com rituais idiotas?
Há pessoas em todos os estágios
de desenvolvimento. Para alguns, os rituais das igrejas podem ser satisfatórios,
para outros não. Há pessoas que se satisfazem em se sentir
bem e reconfortadas. Outras querem compreender por que as coisas são
como são, por que os rituais têm a sua forma e não
outra, e saber quais os resultados se eles forem seguidos. A humanidade
atingiu um ponto em seu desenvolvimento no qual meras atitudes sentimentais
não deveriam mais satisfazer um espírito evoluído.
Os sentimentos devem ser acompanhados de compreensão intelectual.
Por outro lado, o intelecto deveria sempre ser frutificado com os sentimentos
e com os impulsos de vontade. Quando o ser humano age somente a partir
de seu frio intelecto, ele se torna desumano, age como uma máquina.
Note-se, por exemplo, que o nazismo não tinha compaixão,
e era impulsionado por uma teoria racista e uma teoria darwinista (de
necessariamente haver uma nação mais forte do que todas
as outras, que deveria dominá-las) completamente falsas (por
exemplo, os judeus não constituem uma raça). Note-se ainda
que todas as leis sociais sempre contêm algo de sentimento; uma
lei social totalmente racional seria, por exemplo, constatando-se que
há excesso de população no mundo, permitir que
as pessoas se matassem umas às outras até a população
diminuir o suficiente.
O importante é reconhecer que
os rituais perderam totalmente o significado. Em particular, o ritual
da missa católica remonta parcialmente a períodos anteriores
ao cristianismo, e tinha um profundo significado espiritual. É
muito provável que os próprios oficiantes desses rituais
não compreendam o seu significado; os rituais viraram mera tradição.
Isso obviamente não satisfaz uma pessoa que quer, além
de sentir, também compreender.
10. Como se pode criar luz no primeiro dia
e a fonte de luz (Sol) só no 4 dia?
Esse ponto já foi abordado na resposta à
questão 1 acima. Esses dias da criação são
imagens para grandiosos acontecimentos espirituais, e não são
dias de 24 horas.
11. Por que fica bravo com humanos que fazem
algo errado quando eles não tinham o conceito de certo/errado?
Essa questão provavelmente refere-se,
como outras, à entidade Deus e à época bíblica.
De fato, Jeová era um ser divino extremamente exigente e severo
em seus castigos. Ai de quem o contrariasse e não seguisse seus
mandamentos!
Mandamentos foram necessários
naquela época, pois a humanidade tinha que aprender o que era
certo e errado. Mas é necessário lembrar, como foi dito
acima, que a Bíblia está repleta de imagens, de símbolos,
que representam uma realidade espiritual subjacente. Essas imagens são
descritas com elementos humanos, como a raiva e a vingança. Mas
no mundo espiritual não é assim. Em particular, era necessário
que o povo hebreu preparasse, pela hereditariedade, um corpo físico
especial. Por isso a miscigenação com outros povos era
proibida, daí o racismo daquela etnia – o que não
faz nem um pingo de sentido hoje em dia. Como crianças pequenas
aprendem que não devem fazer algo levando um castigo se o fizerem,
o povo hebreu também era castigado se não cumprisse os
mandamentos. Naquela época, não era possível compreender
o que era certo ou errado, portanto era necessário obedecer cegamente.
O código de Hamurabi, na Babilônia, também impunha
mandamentos.
Note-se algo maravilhoso na época
bíblica. Com os mandamentos (os 10 e mais outros 600 e tantos)
ficou formalmente, abstratamente, caracterizado o que era ser bom ou
mau. Bom era a pessoa que seguia os mandamentos, mau quem não
os seguia. Isso significou um tremendo avanço no intelecto: estava
escrito o que era ser bom ou mau.
Hoje em dia, como já foi dito,
a divindade afastou-se para que possamos ser livres. Mandamentos não
fazem mais sentido. Existem leis sociais, mas o correto seria segui-las
por se compreender sua validade, e não por medo de se levar um
castigo ou multa – como seria o caso de se passar um farol vermelho
no trânsito. Novamente, devemos agir a partir da compreensão,
e não por tradição ou imposição.
Hoje podemos compreender o que é certo e o que é errado.
Infelizmente, essa compreensão
está baseada essencialmente no mundo material. Para que o ser
humano progrida, é necessário desenvolver a compreensão
espiritual, pois o ser humano não é só matéria,
como já foi exposto acima. Em particular, é preciso mudar
a maneira de pensar, pois o mundo espiritual é totalmente diferente
do mundo físico.
Quanto à parte da questão
referente à humanidade, em seus primórdios, não
ter tido o conceito de mal e bem, ela está respondida na questão
4.
12. Por que não pode ser culpado pelo
mal mas recebe os créditos por todo o bem?
A pergunta deve provavelmente referir-se
ao fato de Deus ser considerado bom; nesse caso, como criou ou permite
o mal? A resposta a isso está na questão 5.
De qualquer modo, é uma chance
para estender a questão da missão da humanidade, pois
agir de acordo com o mal ou o bem deveria significar ir contra ou a
favor dessa missão, respectivamente.
Parece-me que a missão da humanidade
é o desenvolvimento de 4 capacidades: 1. Consciência; 2.
Autoconsciência; 3. Liberdade (livre arbítrio); 4. Amor
altruísta.
Note-se que nessa ordem há um
crescendo: é impossível ter autoconsciência sem
consciência, liberdade sem autoconsciência e agir por um
amor altruísta sem liberdade.
Os animais têm consciência,
mas não têm os outros 3 pontos. No entanto, a consciência
dos animais é instintiva, como sentir dor. A nossa vai muito
além, pois pode basear-se em conhecimento. Quando percebemos
algo, como uma rosa, reconhecemos que se trata de uma rosa, com todas
as suas características, pois com nosso pensamento atingimos
a essência espiritual da rosa. Portanto, a consciência que
temos da rosa é muito superior à que um animal tem vendo-a.
Ele talvez não chegue muito perto dela, pois já teve a
experiência de que os seus espinhos machucam. Nós podemos
adotar a mesma atitude por conhecermos que a roseira tem espinhos, e
sabermos que os espinhos machucam, sem termos tido a vivência
disso.
A autoconsciência é a consciência
de si próprio. Temos essa percepção por meio de
sentimentos. Rudolf Steiner, em seu livro A Filosofia da Liberdade,
GA 4 (São Paulo: Ed. Antroposófica,
2000 – a edição com a tradução de
Alcides Grandisoli é muito mais fiel ao original), que
não tem nada de esotérico – e que ele considerava
a sua contribuição mais importante, e aquilo que perduraria
no decorrer do tempo –, chama a atenção para o fato
de que são nossos sentimentos que nos fazem sentir como indivíduos;
se fôssemos apenas seres cognitivos, o mundo e nós próprios
nos seriam indiferentes. No entanto, os sentimentos são sempre
seguidos de pensamentos. Por exemplo, se sentimos uma dor no cotovelo,
imediatamente pensamos em cotovelo, na causa da dor, e o que podemos
fazer para minorá-la.
Com a autoconsciência, podemos refletir sobre
o que estamos fazendo, por exemplo, "Será que estou usando
o computador por um tempo longo demais? Será que não seria
mais sadio fazer um intervalo, dar um pequeno passeio? O que essa máquina
está fazendo comigo?"
Animais têm consciência,
mas não têm autoconsciência. Jamais um cachorro sentou
e pensou: "Agora vou lembrar daquela linda cadelinha que vi ontem"
– já pelo fato de animais não pensarem e não
formularem conceitos, no caso "lembrar", "linda",
"cadelinha", "ver" e "ontem". Assim, quanto
mais autoconscientemente age uma pessoa, menos animal ela se comporta,
mais humana ela é.
O livre arbítrio é a possibilidade
de fazer escolhas conscientes. Ele se dá inicialmente no pensamento,
para depois traduzir-se eventualmente em uma ação física,
como mover um membro e falar.
Finalmente, executar uma ação
a partir do amor altruísta significa, como caracterizou Rudolf
Steiner no citado livro A Filosofia da Liberdade em termos
de ação moral, agir por amor à própria ação,
sem nenhum benefício próprio. Se uma ação
é feita instintivamente, ou por sentimentos, mesmo que ajude
alguém, não é a execução de um amor
altruísta. Portanto, o amor altruísta pressupõe
a autoconsciência e a liberdade.
Note-se como as forças adversas ao progresso
da humanidade tentam evitar ou deturpar esses 4 pontos. A TV retira
boa parte da consciência e da autoconsciência do telespectador,
que é normalmente forçado a entrar em um estado de sonolência,
semi-hipnótico. Tente-se prestar atenção a cada
imagem e frase transmitidas, e ver-se-á que em cerca de um minuto
sente-se um esgotamento mental, que leva a um relaxamento mental, pois
as imagens mudam ou sucedem-se com grande rapidez. Devíamos desenvolver
o amor altruísta, no entanto com a transmissão de violência
na TV e nos jogos eletrônicos há um abafamento, uma banalização
da compaixão, de se sofrer por que o outro está sofrendo.
Em particular, a origem dos jogos eletrônicos violentos foi o
desenvolvimento de simuladores de lutas para dessensibilizar soldados
do exército americano (ver Dave
Grossman e Gloria DeGaetano, Stop teaching our kids to kill (New York:
Crown Publishing, 1999). Devíamos
estar desenvolvendo um universalismo – note-se esse impulso, por
exemplo, na Comunidade Europeia, onde não existem fronteiras
internas, os estudantes universitários podem cursar semestres
em universidades em outros países etc. Para evitar esse universalismo,
as forças adversas introduziram a globalização
econômica. Nesta, as empresas internacionalizaram-se para obter
mais lucros, e não para promover o desenvolvimento de uma universalização
da cultura e da maneira como o ser humano se encara.
Note-se que o amor altruísta é sempre
construtivo, ao passo que o seu contrário, o egoísmo,
é sempre destrutivo (pode demorar, mas a sua destruição
acaba aparecendo). No entanto, estamos presenciando uma exacerbação
do egoísmo, por exemplo na competitividade. Uma competição
é sempre antissocial, pois quem ganha fica feliz às custas
de quem perde, que fica pelo menos frustrado.
13. Por que para de fazer milagres justamente
quando o homem consegue gravar e documentar eventos?
Milagres são acontecimentos que
não têm explicação física. Nesse sentido,
milagres não param de acontecer. A vida, o sono, o sonho, inexplicáveis
do ponto de vista da ciência materialista, são verdadeiros
milagres. O fato de o leitor estar pensando enquanto lê estas
linhas é um milagre. O fato de ele gostar ou não, isto
é, ter simpatia ou antipatia pelo que está lendo, é
um milagre. A forma orgânica dos seres vivos, e as simetrias que
aparecem, por exemplo em nossas mãos e em nossas orelhas, são
milagres. Não adianta dizer que essas formas estão no
DNA, isso não explica absolutamente nada. Como é que as
bordas separadas de uma folha de uma Costela de Adão (monstera
deliciosa) crescem preservando a curva característica formada
por essas bordas, se cada pedaço da folha é, obviamente,
independente de outro pedaço? É um verdadeiro milagre!
Tudo se passa como se essa planta seguisse um modelo predeterminado,
só que esse modelo não é físico, é
um conceito no mundo platônico das ideias.
Independente disso, a questão
refere-se certamente à entidade Deus, seja lá o que ela
for, ter deixado de fazer milagres. Para compreender isso, é
necessário compreender que o ser humano materializou-se no decorrer
de sua evolução. Isto é, antigamente ele era muito
mais maleável, de modo que o espírito podia atuar muito
mais sobre a matéria, produzindo "milagres". Em segundo
lugar, é necessário repetir mais uma vez que a divindade
afastou-se do ser humano – daí todo o caos individual e
social que estamos presenciando. Deixamos de ter um papai nos guiando,
e ainda não aprendemos a nos guiar. Em terceiro lugar, em termos
de doenças (como as curadas pelo Cristo), é importante
reconhecer que muitas doenças têm origens psíquicas.
Atuando sobre o que não é material no ser humano, é
possível produzir curas que parecem milagres, mas que são
compreensíveis se se levar em conta que o ser humano tem membros
não físicos que atuam sobre seu corpo físico.
14. Leva três dias para criar a Terra
e 80 bilhões de galáxias em 1 dia só, como pode?
Na resposta à questão
1, já foi dito que esses dias da criação são
imagens, não são dias físicos de 24 horas.
Uma outra imagem muito popular é
de Noé com sua arca. Ora, pode-se imaginar o rebu que haveria
com pares de todos os animais dentro desse barco?
15. Por que manda cortar a pelinha do pênis
se o homem é criado à imagem de Deus?
Parece-me que pode haver duas razões
para o mandamento de se cortar o prepúcio: uma, higiênica,
e outra para dar um choque na criança, acelerando o processo
encarnatório. Mas tudo isso não faz mais sentido hoje
em dia. Nossa civilização altamente materialista já
acelera demasiadamente o processo de encarnação de cada
indivíduo. Note-se, por exemplo, como as crianças são
forçadas a se comportarem como adultos. Ou o crime que se fez
obrigando as crianças a começarem a aprender a ler a partir
dos 5 anos de idade. A leitura e a escrita são processos que
exigem uma alta capacidade de abstração, que uma criança
até mais ou menos os 7 anos não devia ter, o que era respeitado
antigamente, quando havia ainda uma intuição, hoje perdida,
do que é o desenvolvimento sadio de uma criança.
Por outro lado, na resposta à
questão 3 já foi mencionado que essa "imagem e semelhança
de Deus" não é física, senão teríamos
que considerar que Deus teria barbas ou seios... Seres divinos criaram
o espírito humano; ele é semelhante ao espírito
daqueles seres.
16. Cria múltiplas religiões
mas manda pro inferno os que escolheram a religião errada?
Já foi descrito na questão
6 que o inferno é uma invenção, e não uma
realidade espiritual. Já a questão da religião
errada é interessante.
Um dos grandes problemas com todas as
religiões é que o adepto de uma delas deve necessariamente
achar que a sua é a melhor de todas ou a mais cômoda. Se
assim não fosse, no mundo civilizado ele trocaria de religião
por outra melhor. Pode também haver um medo de trocar de religião:
"Se você trocar por outra, irá para o inferno!"
ou "Todas as outras religiões são obra do diabo!".
O grande problema está no dogmatismo
e do fato de as religiões não darem muito espaço
para a liberdade, para um pensamento livre.
O correto hoje em dia é não
se adotar dogmas, pois eles não são explicáveis
e são rígidos, e sim adotarem-se hipóteses de trabalho,
sempre sujeitas a comprovação e a revisão. Por
exemplo – e me permito aqui citar meu caso pessoal –, eu
admito certas hipóteses fundamentais. A primeiríssima
delas é que existe algo de não físico em cada ser
humano e no universo. Se alguém me provar que estou errado, mudarei
com prazer. Mas as evidências que tenho para isso são muito
fortes – para começar, a própria existência
do universo físico: como apareceu a matéria e a energia
primordiais? Observando-me a mim próprio também vejo inúmeras
evidências, como por exemplo a liberdade que vivencio de poder
determinar meu próximo pensamento. Para mais argumentos e detalhes,
veja-se meu artigo "Por que sou espiritualista".
Por outro lado, as consequências
negativas de se adotar uma cosmovisão materialista são
enormes; veja-se a esse respeito meu artigo "Consequências
do materialismo".
Conclusões
É fundamental separar-se a espiritualidade
das religiões instituídas. A esse respeito, veja-se meu
artigo "Ciência, religião e espiritualidade".
Essas religiões têm um grande problema: ou pararam, relativamente,
no tempo, não acompanhando a evolução humana, principalmente
a ânsia de se agir em liberdade, a partir de uma compreensão,
e não por um mandamento ou dogma; ou então são
fabricações recentes, sem nenhum conteúdo verdadeiramente
espiritual.
As questões formuladas mostram
muito bem como dogmas e tradições ainda seguidos não
fazem mais sentido. Algumas religiões, como a Católica
Romana, tentam acompanhar o desenvolvimento intelectual, científico.
No entanto, não acompanharam a evolução espiritual
do ser humano, como por exemplo no magnífico movimento que estamos
presenciando hoje em dia, dos direitos humanos. Por exemplo, não
fazem muitos anos que se começou a rebaixar calçadas para
cadeirantes poderem se locomover nas ruas. Antes disso, eles eram ignorados,
não se pensava que eram pessoas com dignidade e deviam poder
se locomover como os não cadeirantes. O Brasil privilegia os
idosos talvez como nenhum outro país. Isto é, dá
uma atenção especial a eles, por serem mais fracos, facilitando
a sua vida em sociedade.
O movimento dos direitos humanos baseia-se,
no fundo, em uma percepção intuitiva de que todo ser humano
tem uma essência que não depende de seu aspecto físico
(incluindo o sexo), de sua nacionalidade, etnia, religião e idade.
Essa essência, apesar de individual, é da mesma natureza
em todas as pessoas. Já que não depende do aspecto físico
e da hereditariedade, falta reconhecer-se que essa essência não
é física, é espiritual.
No entanto, veja-se o choque de várias
religiões instituídas para com certos aspectos dos direitos
humanos, por exemplo na questão da sexualidade. Essa é
uma amostra de que essas religiões não acompanharam o
desenvolvimento espiritual do ser humano.
Finalmente, as questões acima
mostram como pessoas que são conscientes e querem compreender,
revoltam-se contra preceitos religiosos que não fazem mais sentido
hoje em dia. Nesse sentido, não seria de admirar que a pessoa
ou as pessoas que as formularam inclinem-se para o materialismo. Acham
as religiões tão absurdas que acabam afastando-se do espiritualismo,
adquirindo mesmo um infeliz preconceito contra ele. Assim, veja-se o
trágico paradoxo: as religiões, que deveriam mostrar ao
ser humano que existe um espírito em cada pessoa, pois sem ele
a vida humana não tem sentido e não se pode ter uma orientação
verdadeiramente humana para a vida, acabam induzindo o materialismo!
Endereços de meus artigos,
pela ordem de aparecimento no texto