Há quem diga que o período das experimentações
em torno do fenômeno espírita é algo ultrapassado.
Afirmam que o século XIX foi farto em trabalhos desta espécie,
gerando uma grande quantidade de artigos, e que qualquer interessado
no assunto pode se debruçar e avaliar as metodologias e
conclusões dos grandes cientistas da época. Por
esta razão, dizem que hoje encontramo-nos em um novo estágio,
uma nova etapa de estudo e aplicação da doutrina
espírita: a evangelização dos homens. E é
exatamente esta visão, esta interpretação
que é executada rotineiramente, por um número expressivo
de casas espíritas. Consequentemente, encontramos copiosa
variedade de embaraçosas práticas dentro das casas
e associações espiritistas. Por outro lado, encontramo-nos
sim em uma época especial, realmente achamo-nos em um ponto
onde, por necessidade e oportunidade, os espíritos nos
dizem: espíritas, lutem, investiguem, indaguem, rebusquem
e retornem ao verdadeiro espiritismo!
Quando, por exemplo, determinada casa ou associação
espírita possui um médium, dito principal, e este
é colocado como guru infalível; quando práticas
são executadas dentro destes locais e ninguém sabe
o motivo; quando a codificação é considerada
como um conjunto de livros sagrados e questioná-las é
uma atitude classificada negativamente, como uma postura antidoutrinária;
quando prece, passe, água e iluminação são
tratados como rituais; quando teorias e práticas externas
à Doutrina são trazidas e enxertadas às bases
doutrinárias sem uma análise profunda e, além
disso, quando há um temor velado pela comunicação
dos espíritos, o que é que estamos realizando senão
ações criminosas para com a doutrina dos espíritos?
Infelizmente, essas práticas são uma consequência
direta da interpretação supracitada, na qual, o
espírita que segue esta perspectiva acaba por caminhar
religiosamente, sem questionar nada e ninguém, certo roteiro
para que consiga “ser evangelizado” e sair da atual
encarnação com mais amor no coração,
mais purificado. Claramente, isto é resultado da falta
de estudo e de uma verdadeira compreensão do que seja realmente
doutrina espírita.
Não obstante a doutrina espírita ter sido codificada
há pouquíssimo tempo e, por consequência o
estudo profundo em torno do espírito e de sua relação
com a matéria também ser algo recente, afirmamos
com segurança que a ideia de uma doutrina espírita
sem experimentação, sem análise crítica
da fenomenologia, no sentido kantiano, e até mesmo uma
avaliação crítica dos textos evangélicos
é estagnar perante os nossos atavismos religiosos. E se
essa marcha não for paralisada pelos próprios espíritas,
em pouco tempo transformaremos a nossa amada doutrina em algo
totalmente dessemelhante àquela doutrina trazida pelos
espíritos à época de Kardec.
A evangelização do homem, como arrebatamento para
o espírito imortal, suscitando o progresso, o curso “avante,
sempre adiante (...)” (1) do
ser, é objetivo fundamental do espiritismo desde que este
foi concebido pelo mestre de Lyon, através da tutela do
Espírito de Verdade. No entanto, essa evangelização
ocorre a partir do momento que reflexionamos sobre o próprio
Espiritismo, que “é uma ciência que tem como
objeto a demonstração experimental da existência
da alma e de sua imortalidade, por meio de comunicações
com aqueles que impropriamente foram chamados de mortos”
(2).
Não há, desta forma um espiritismo filosófico,
um científico e um religioso. Não! Há, sim,
Espiritismo, que através da pesquisa em torno dos fenômenos
espíritas e da reflexão em torno dos resultados
obtidos através da experimentação, o homem,
concluindo que sua individualidade permanece após a desintegração
da sua roupagem carnal; que seus amores permanecem vivos e que
estes podem entrar em contato e, ademais, que se reencontrarão,
aí sim, o religare (3)
é construído solidamente e, sobretudo, baseado na
razão.
Isto dito, lutemos para esse retorno dentro de nossas Casas Espíritas;
lutemos por uma verdadeira Divulgação Espírita,
com informações seguras e de qualidade; lutemos
pela melhoria de nossas livrarias e bibliotecas espíritas,
buscando os clássicos esquecidos, subtraídos por
obras rasas, repetidas e com valor suspeito; lutemos, enfim, por
uma aproximação destes que buscam contatar-nos e
transmitir ensinamentos, força e coragem para nossas lutas
diárias.
O Espiritismo é nosso.
Lutemos por ele.
Estudar, experimentar e divulgar. Essas são as palavras
de ordem para os espíritas do século XXI.