O que são algemas? Segundo o dicionário da língua
portuguesa Houaiss é “instrumento de ferro, constituído
basicamente por duas argolas interligadas, para prender alguém
pelos pulsos ou pelos tornozelos”. Ainda, segundo o mesmo dicionário,
a palavra no sentido figurado é igualmente conhecida como, “obstáculo
ou prisão moral; coerção, opressão”.
Durante nossa jornada na Terra portamos inúmeras algemas. A primeira
delas é a gravidade. Somos prisioneiros da força gravitacional
do planeta, que nos mantém presos à sua superfície.
O nosso pesado corpo físico se encontra sujeito à Lei
Universal da gravitação. Não podemos levitar e,
por conseqüência, nos deslocarmos no espaço aéreo
com liberdade de ação. Não prescindimos dos inúmeros
mecanismos para movimentar – veículos automotores, aviões,
helicópteros, motocicletas, bicicletas, tração
animal e outros que nos possibilitam transitar no restrito espaço
geográfico existente em nosso planeta. Ainda, somos detentores
de restritos instrumentos de acesso ao espaço sideral. O Universo,
com suas galáxias e sistemas solares, se encontra imensamente
distante da nossa realidade em conseqüência de nossas “algemas”
físicas.
Na condição de seres espirituais, somos
igualmente prisioneiros do nosso corpo. Como Espírito nos encontramos
ligados às “algemas” (perispírito) do corpo
físico e, em virtude dessa realidade, extraordinariamente limitado
em suas ações. E, à medida em que o tempo escoa,
nosso organismo envelhece e perde sua mobilidade e o Espírito
se torna mais prisioneiro dele. Em Espírito, velejamos em mares
nunca dantes navegados, deslocando-nos para locais que jamais poderemos
visitar com o nosso corpo físico. Mediante o pensamento enveredamos
através do espaço sideral, pousamos na superfície
dos planetas, em locais geográficos do nosso próprio planeta
e em outros pontos distantes da nossa realidade física –
regiões que jamais poderemos conhecer, enquanto estivermos “algemados”
ao nosso corpo físico.
Somos ainda prisioneiros das normas e leis da sociedade,
que limitam nossas ações no plano jurídico, modelando
o nosso comportamento à realidade de cada estrutura social e
política do Estado. Não obstante as Cartas Magnas dos
Estados Democráticos assegurem-nos atualmente liberdade de ação,
há limites impostos pelos interesses de cada regime ideológico.
Qualquer pessoa é livre para constituir família regular.
Assim, em conformidade com o disposto no artigo 1.566, incisos I a V
do Código Civil, as pessoas que se casam ficam sujeitas aos deveres
inerentes ao casamento, consistentes na fidelidade, mútua assistência,
coabitação, formação da prole, respeito
e consideração. No mesmo sentido, de acordo com o artigo
5º, inciso XVII, da Constituição Federal, o direito
de reunião é livre, sem que o seja para fins paramilitares
e ilícitos, bem como em outras múltiplas situações
há limite para nossas ações. Portanto, nosso poder
de agir no plano jurídico, é extremamente limitado em
face dos princípios éticos, sociais, políticos
e ideológicos pelos diversos ordenamentos que disciplinam a ordem
comportamental dos cidadãos no Estado.
O que não dizer dos vícios, do qual um
imenso número de pessoas no planeta é prisioneira. Vícios
de toda ordem, particularmente das drogas, do fumo, da bebida, do jogo
e dos múltiplos desvios comportamentais da pessoa. São
“algemas” que mantém o ser humano prisioneiro dos
prazeres momentâneos oferecidos pelos diversos vícios que
degradam a dignidade da pessoa humana, bem como sua condição
física e psicológica. Uma leitora da Revista VEJA de 13/12/2006,
na seção de Cartas (pág. 31) declarou: “Infelizmente,
o jovem não compreende que o pior cárcere não é
o que aprisiona o corpo, mas, sim, o que asfixia a mente, como o álcool”.
As substâncias entorpecentes, que enriquecem as maiores indústrias
do Mundo, o fazem às custas da fragilidade humana, algemando
as pessoas ao consumo desmedido das apontadas substâncias tóxicas.
A quebra das “algemas”, nesses casos, pode se tornar um
penoso e desgastante processo de libertação, muitas vezes
conseguido em face de imenso sofrimento pessoal e familiar.
No mesmo sentido, somos prisioneiros de nossa ignorância
a respeito do imenso conhecimento que a Humanidade assimilou e acumulou
no curso de milênios de história. Se a aquisição
do conhecimento nos torna sábios e, por conseqüência,
mais aptos à prática dos múltiplos atos que permeiam
a nossa existência, a ignorância representa “algemas”
limitando nossas ações. Na medida em que detemos domínio
do conhecimento, somos capazes de conduzir de maneira mais correta e
adequadamente nossas ações. Não foi sem razão
que Cristo afirmou: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
Portanto, nossa liberdade de agir consiste exatamente no conhecimento
de todos os fatores que modelam nossa personalidade e o ambiente em
que vivemos. O sábio haverá de se conduzir com mais segurança
nos diversos planos em que transita, exatamente porque conhece os atavismos
que contribuem para a formação ou deformação
do ser humano no curso da história terrena. Nessa linha de pensamento,
Joanna de Ângelis (1) assinala que “assimilar todos os condicionamentos
e exteriorizar uma personalidade consentânea com o ser real, eis
o desafio da terapia transpessoal, trabalhando a pessoa que assuma a
sua realidade positiva e superior, crescendo em conteúdos mentais
e desencarcerando-se, até permitir-se a perfeita harmonia entre
ser e parecer”. Portanto, um sábio que é juiz de
si próprio, será capaz de dimensionar e direcionar corretamente
suas ações, vivenciando-as na realidade do seu conhecimento.
No entanto, de todas as “algemas” conhecidas,
as mais graves delas são os dogmas. A palavra dogma, segundo
doutrina o dicionário Houaiss é “qualquer doutrina
(filosófica, política etc.) de caráter indiscutível
em função de supostamente ser uma verdade aceita por todos”
e, ainda, derivado por extensão do seu sentido, “opinião
sustentada em fundamentos irracionais e propagada por métodos
que também o são”. Portanto, trata-se de “algema”
que nos prende a conceitos que não admitem sejam objeto de debate
e ou reflexão. Quando as idéias de Galileo Galilei sobre
o heliocentrismo foram abjuradas pelo Tribunal da Inquisição,
havia o dogma de que a Terra era o centro do Universo. Ninguém
poderia questionar sobre esse fato. O dogma, o preconceito, as idéias
irracionais e inamovíveis constituem “algemas” que
mantém o espírito prisioneiro no restrito campo de conhecimento
imposto pelo dogma. E, o que é pior, converte o seu titular em
prisioneiro de si próprio. Na maioria das vezes, as pessoas dogmáticas
são fanáticas. Nesses casos, os sentimentos nobres são
desvirtuados. O fanatismo obscurece a razão do ser humano. É
capaz de converter pessoas pacíficas em violentas e determinadas
na prática de ações que julgam estar revestidas
de legalidade jurídica e mística. O faná-tico somente
raciocina sobre a realidade da vida e dos fatos, através da ótica
deturpada em virtude do seu julgamento limitado. Para o fanático
todos estão errados na sua forma de pensar e agir – somente
ele detém a verdade. Os cruzados cometeram inúmeras atrocidades
em nome do Cristo. Todavia, o Galileu nos legou uma filosofia de paz
e não de violência, tanto quanto de respeito aos direitos
do próximo. Este tipo de fanatismo religioso representa o testemunho
vivo dessa realidade.
Quando Sócrates proclamou, “Conhece-te
a ti mesmo” e Allan Kardec obteve a resposta do Espírito
da Verdade na pergunta 621, de O Livro dos Espíritos de que a
Lei de Deus se encontra em nossa consciência, tais ensinamentos
remetem-nos a uma profunda reflexão sobre a nossa realidade.
A liberdade de uma pessoa está inexoravelmente ligada à
sua maneira de pensar e agir, de forma livre e despreconceituosa.
É preciso que o ser humano se libere de suas
“algemas”, libertando o Espírito para alçar
vôos na direção do Universo existente em seu interior.
Quando Cristo proclamou, “Vós sois deuses”, quis
dizer que somos detentores de imenso potencial, que se encontra em estado
latente em nossa intimidade. Para descobrir essa realidade é
necessário que tenhamos discernimento para abrir nossas “algemas”
e permitir que esse incomen-surável poder que reside em nós,
Espírito, possa alçar vôos na reconstrução
do verdadeiro ser humano. Por essa razão, a lição
de Joanna de Ângelis (2) é esclarecedora quando assinala,
“Sediando o espírito, conforme a visão espírita
assevera, a lei de Deus está escrita na consciência, detentora
da realidade, que pouco a pouco se desvela, conforme a evolução
do próprio ser, no seu processo de lapidação de
valores e despertamento das leis que nela dormem latentes”.
A liberdade de ação da pessoa livre de
suas “algemas” dogmáticas, torna o ser humano capaz
de assimilar as extraordinárias riquezas que se encontram presentes
no Universo, bem como captar das esferas superiores os eflúvios
destinados à modelação do Espírito e de
nossas ações.
Sejamos livres, desatemos nossas “algemas”
e alcemos vôo na construção do ser humano, desapegando-nos
das âncoras que nos impedem navegar no imenso oceano da verdade.
(1) FRANCO, Divaldo P. O ser consciente. Pelo Espírito
Joanna de Ângelis. Salvador: LEAL, 2002. cap. 2.
(2) ______. Op. cit. cap. 1.
Fonte: Mundo Espírita on
line
http://www.mundoespirita.com.br/index.php?act=conteudo&conteudo=1386
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