Nos últimos meses um tema que vem ganhando grande repercussão
aqui nos Estados Unidos é a questão de se o governo
norte-americano deve apoiar, através de financiamento federal,
as pesquisas realizadas com a utilização de células-tronco
(stem cells) de embriões humanos. Novamente o desenvolvimento
da genética nos coloca frente às questões
morais profundas, com o poder de modificar (ou seria
atualizar) conceitos defendidos pelos espíritas.
Células-tronco
Células-tronco encontradas em embriões com até
uma semana de vida, aparentemente constituem o material perfeito
para que cientistas desenvolvam novos e poderosos tratamentos
para diversos tipos de doenças.
As células-tronco embrionárias são
células-mestre que podem se especializar e formar diferentes
tipos de células e tecidos no organismo. Ou seja, a partir
das células-tronco se formam outros tipos de células
especializadas e presentes em diferentes tecidos do corpo humano.
Devido a essa característica elas oferecem o potencial
de regenerar órgãos ou tecidos lesados. O problema
é que ao se extrair as células-tronco os embriões
são mortos. Atualmente existem três métodos
para a obtenção de células-tronco embrionárias:
1. Utilização de embriões
em excesso encontrados nas clínicas de fertilização,
ou seja, os embriões não usados nos processos de
fertilização assistida;
2. Criação de embriões especificamente
para a obtenção das células-tronco, através
da fertilização in-vitro, com a utilização
de óvulos e espermatozóides de doadores voluntários;
3. A clonagem. Uma vez desenvolvido o embrião,
através dos métodos discutidos acima, os cientistas
removem as células-tronco, matando os embriões.
As células-tronco removidas são colocadas em um
caldo rico em proteínas e enzimas onde podem crescer e
se multiplicar. Os cientistas estão desenvolvendo técnicas
onde é possível direcionar o crescimentos das células-troncos
em células especializadas desejadas. Assim, para diferentes
tratamentos seriam desenvolvidas, a partir das células-tronco
originais, células sanguíneas, pancreáticas,
nervosas etc. Essas novas células sadias seriam implantadas
em pacientes receptores com diversos problemas. A esperança
aqui é que as “novas” células (desenvolvidas
em laboratório a partir das células-tronco) atuem
terapeuticamente no receptor tratando doenças tais como
Alzheimer, Parkinson, diabete, enfarte, derrame e lesão
na medula espinhal.
Aonde começa a vida?
Apesar dos benefícios que tais pesquisas podem trazer e
a possibilidade de salvar várias vidas, as pesquisas com
as células-tronco embrionárias encontram fortes
opositores. O fato de que a retirada destas células causa
a morte dos embriões levantou a ira da comunidade religiosa,
notadamente as de origem cristã. Afinal, o cristianismo
determina que a vida começa desde a concepção,
portanto, matar embriões humanos seria o mesmo que retirar
vidas humanas.
É interessante notar que a definição
do início da vida como sendo a concepção
é um conceito relativamente novo na história da
Igreja Católica, sendo definido como dogma apenas em 1869.
Anteriormente essa questão teve várias interpretações
condizentes com os conhecimentos científicos da época
e das proposições teológicas de bispos e
papas.
Aristóteles estabeleceu
que um novo ser humano só existia após os primeiros
movimentos do feto no ventre materno. Hoje sabemos que os primeiros
movimentos perceptíveis no ventre materno ocorrem mais
ou menos após 20 semanas da concepção. Porém,
Aristóteles definiu como 40 dias o tempo para que um feto
de sexo masculino (80 dias para fetos de sexo feminino) se manifestasse
no ventre materno e por isso definiu esse como o ponto que marca
o início da vida moral, ou o momento em que o feto adquire
a alma. A regra dos 40 dias foi aceita em várias religiões,
sendo que muitas a mantém até hoje. Judeus e muçulmanos
ainda hoje ensinam que os embriões de até 40 dias
não diferem muito da matéria inanimada e podem ser
utilizados em pesquisas sem nenhuma consequência moral adversa.
No catolicismo tal regra foi
pela primeira vez contestada em 1588, quando o Papa Sixtus V declarou
que o aborto e os métodos anticoncepcionais eram pecados
capitais, definindo que a alma se manifestava no corpo desde o
momento da concepção. Apenas três anos mais
tarde o Papa Gregório XIV trouxe a Igreja Católica
de volta à regra dos 40 dias, como definido por Aristóteles.
Tal posição se manteve inalterada até 1869,
quando o Papa Pio IX retomou o conceito de que a ligação
alma-corpo se dá no momento da concepção,
definindo como passível de excomunhão o aborto e
a contracepção. A partir daí tornou-se majoritária
na Igreja Católica a idéia de que a alma se liga
ao corpo desde o exato momento da concepçao até
a morte do corpo. Recentemente, o Papa João Paulo II lançou
um veemente apelo ao presidente Bush para que os Estados Unidos
não patrocinassem as pesquisas com células-tronco
embrionárias, alegando que estariam consolidando um crime
e, portanto, comprometendo o desenvolvimento de uma sociedade
moral.
A) Allan Kardec
LE - 344 – Em que momento a alma se une ao corpo?
- A União começa na concepção, mas
ela não se completa senão no momento do nascimento.
Desde o momento da concepção, o Espírito
designado para habitar tal corpo a ele se liga por um laço
fluídico que vai se apertando, cada vez mais, até
que a criança nasça; o grito que se escapa, então,
da criança, anuncia que ela se conta entre os vivos e servidores
de Deus.
LE - 346 – Que acontece para o Espírito
se o corpo que escolheu morrer antes de nascer?
- Ele escolhe um outro.
LE – Qual pode ser a utilidade dessas
mortes prematuras?
- As imperfeições da matéria são as
mais frequentes causas dessa mortes.
LE - 353 – A união do Espírito
e do corpo não estando completa e definitivamente consumada
senão depois do nascimento pode-se considerar o feto como
tendo uma alma?
– O Espírito que o deve animar existe, de alguma
forma, fora dele. Ele não tem propriamente falando, uma
alma, pois a encarnação está somente em vias
de se operar; mas está ligado à alma que o deve
possuir.
LE - 356 – Existem natimortos que
não foram destinados a encarnação de um Espírito?
Sim, há os que jamais tiveram um Espírito designado
para os seus corpos: nada deviam realizar por eles. É,
então, somente pelos pais que essas crianças vieram.
Em A Gênese, Kardec explora
mais o tema, introduzindo o conceito de que o perispírito
se liga ao óvulo fecundado desde a concepção
e vai se ligando molécula a molécula ao corpo de
acordo com o desenvolvimento do feto, culminando no nascimento
quando a ligação é completa e irreversível.
B) André Luiz
André Luiz em Missionários
da Luz descreve com detalhes o processo reencarnatório
de Segismundo. No caso em questão os Espíritos acompanham,
influem e dirigem todo o processo reencarnatório. Em linhas
gerais o processo descrito por André Luiz se dá
da seguinte forma:
1. Segismundo (o Espírito desencarnado)
se prepara para sua reencarnação, reduzindo seu
perispírito ao tamanho de uma criança. Tal redução
ocorre anteriormente à fecundação.
2. Os mentores espirituais “entregam”
Segismundo aos pais, num processo de assimilação
mental.
3. Após o ato sexual, os mentores escolhem
o espermatozóide mais conveniente para a fecundação,
dirigindo seus influxos energéticos de forma que o mesmo
tenha sucesso em fecundar o óvulo.
4. Nesse momento as atenções se
voltam novamente para a forma reduzida de Segismundo, passsando
os mentores a coordenar a ligação do perispírito
ao óvulo fecundado.
5. Estando perispírito e óvulo ligados,
o processo caminha normalmente até o nascimento.
À luz das pesquisas atuais a descrição
acima é bem difícil de sustentar. Hoje centenas
de óvulos fecundados não chegam a produzir nenhum
ser humano, deixados que são nas clínicas de reprodução
assistida ou em hospitais. Além disso sabemos que o óvulo
fecundado pode se dividir em dois nas primeiras semanas após
a fecundação, gerando os gêmeos idênticos.
Sendo a alma ligada ao óvulo fecundado no momento da concepção
e sendo a mesma indivisível como explicar o processo de
nascimento de gêmeos idênticos? O segundo Espírito
se ligaria posteriormente? Saberiam os Espíritos de antemão
que aquele óvulo em particular produziria gêmeos?
Conclusão
Como sempre a posição exposta por Allan Kardec em
O Livro dos Espíritos me parece a mais adequada. Minha
interpretação de tais conceitos no Espiritismo é
de que os embriões desenvolvidos para a pesquisa ou aqueles
não utilizados pelos casais em processo de fertilizaçao
assistida não possuem alma, sendo passíveis de destruição
em prol da vida de outros. Ou seja, no âmbito da Doutrina
Espírita não temos nenhuma consequência maior
no fato de que vários embriões não cheguem
a bom termo. Não estariamos “matando” um ser,
nem traumatizando o Espírito.
Novamente a conclusão aqui é que
temos muito a aprender e que o Espiritismo e os espíritas
devem acompanhar de perto a evolução da ciência.
A realidade é que não sabemos quase nada do processo
reencarnatório, nos prendendo apenas às descrições
feitas por André Luiz há mais de 50 anos atrás.
Nenhuma pesquisa de maior relevância foi levada a efeito.
Poucas vezes temos solicitado aos Espíritos que descrevam
o processo, e muitas vezes temos assumido como verdades opiniões
e descrições particulares.
A marcha das pesquisas genéticas continuará
forte, e é muito provável que o presidente Bush
reafirme o patrocínio federal às pesquisas com células-tronco
embrionárias. Se o Espiritismo não pode contribuir
cientificamente pelo menos podemos tentar contribuir com nossa
análise ético-moral, provendo nossa perspectiva
sobre tais assuntos. O fórum sobre Espiritismo e Genética
planejado para o VII SBPE foi muito apropriado e espero ter contribuído
para o debate colocando “mais lenha nessa fogueira”.