João Sebastião da Rosa, ou Juca Rosa, “senhor de
forças sobrenaturais” e uma das maiores lideranças
religiosas na década de 1870. Ex-praça do Exército,
descreviam-no como um “crioulo entre 36 e 40 anos”, “de
olhos vivos e penetrantes”, alfaiate de profissão, sempre
elegante no trajar, alfabetizado, cuja mãe africa-na lhe legou
“um arcano de dar fortuna”. Aborreceu-se no trabalho e abraçou
a “nefanda procissão” de feiticeiro.
Mas foi deflagrado um processo contra ele, depois de uma denúncia
anônima enviada à Justiça e publicada no jornal
Diário de Notícias, que aí viu a possibilidade
de monopolizar o tema e multiplicar vendas. Seguiram-se notícias
sobre sua prisão, sempre sob o título de “Importante
diligência policial”. A seguir, em letras maiúsculas,
vinha a lista de “crimes” por ele cometidos: “sortilégios,
evocações, estelionatos, roubos, defloramentos, remédios
para que adúlteras encobrissem suas faltas, mortes, propinações
de veneno, abusos de confiança, ataques à religião,
seitas proibidas, reuniões secretas, feitiçaria”.
E, durante meses, a venda de jornais incentivou uma sucessão
de artigos escandalizados.
Segundo o mesmo jornal, quem o acusava era um jovem de 24 anos que conhecera
Juca, líder de uma “irmandade conhecida até na Europa”,
quando buscou tratamento para um braço doente, mas não
obteve um bom resultado. Adiantou-lhe 30 contos de réis para
compra de remédios e participou de uma cerimônia. Ajudou
Juca a realizar uma “amarração”: cercado de
“bugigangas”, descalço e sem paletó. Dando
saltos, mudando de voz e em meio a cantorias, segundo seu acusador,
ele convertia inimizade em afeição, aconselhando tam-
bém “os meios de se vencer quaisquer dificuldades na vida”.
Segundo a matéria do jornal, “era nesse momento que todos
os assistentes lhe beijavam a mão direita e batiam com a cabeça
no chão”.
Na rua da Carioca, 36, novo ritual de amarração entre
uma jovem portuguesa e um opulento negociante que a frequentava. Ali,
Juca estendeu um pedaço de pano, e sobre este, em forma de cruz,
outro encarnado e preto, pondo-se sobre tudo um urubu, um anu, pimenta
de Angola, farinha, azeite de dendê, milho e acaçá.
Feito isso, comparecia a consultante e Rosa fazia-lhe passar um galo
pelo corpo em todas as direções, pronunciando algumas
palavras ininteligíveis. Após, cortava-se o pescoço
da ave e a consultante esquartejava-a enchendo-a dos ingredientes e
mandando-a colocar à porta da Igreja de São Francisco
de Paula.A moça não só lhe entregara um anel de
brilhantes em pagamento dos serviços, como lhe dera dinheiro,
vendera sua mobília para arcar com despesas e, diziam, prestara-se
a serviços sexuais.
A irmandade tinha cerca de trinta pessoas e Juca se autoproclamava “Pai
Quibombo”. Segundo o jornal, ele extraía ferros e agulhas
de ferimentos, preparava medicamentos que levavam à sepultura,
casava-se com várias mulheres no “gongá”,
batizava seus filhos segundo rituais pagãos diante de um ídolo,
o Manipanço, promovia danças eróticas em frente
a imagens santas, e as “filhas que não cumprissem obrigações”
pagavam-lhe multas em dinheiro. Elas trabalhavam e participavam das
cerimônias descalças e algumas “nuas”, escandalizava-se
o jornal! A maioria das mulheres era fanaticamente dedicada a Juca.
Ele era conhecido por “inspirar paixões, tirar o vigor
dos indivíduos, fazê-los adoecer e sucumbir a moléstias”.
E tudo por dinheiro, rugiam os articulistas.
O “nigromante” recebia numa vila situada à rua do
Núncio, depois de um “banho de ervas cheirosas”,
diante de um altar com imagens, castiçais e salva de prata para
receber dinheiro. Nesse ambiente de luz mortiça e sepulcral,
tocavam-se as “macumbas”. Distribuíam-se bentinhos
para usar junto ao pescoço, cantava-se em língua africana
e, com “o espírito na cabeça”, Juca caía
como morto. Era aí que dava consultas como “Pai Quibombo”.
A região era infestada de cortiços, casas de fortuna (onde
atendiam cartomantes e videntes) e prostíbulos. Mas em seu candomblé
eram recebidas muitas senhoras elegantes com quem Juca teve ligações
mais do que espirituais. Sedutor e carismático, acabava por enfeitiçar
as clientes, a quem fazia, segundo algumas, “propostas indecorosas”.
Era adorado pelas belas e jovens que lhe prestavam serviços sexuais.
As notícias sobre seu julgamento fizeram vender muitos jornais;
afinal, consideravam-no “capaz de enganar o próprio Deus”
e “salteador da honra, do pudor e da fortuna”! As diversas
testemunhas que se apresentaram ao júri relataram uma “coleção
de cenas dignas de pena do mais extravagante romancista”. O que
impressionava era o número de amantes e de acólitas adúlteras
capazes de tudo pelo Juca, inclusive dar-lhe dinheiro. E muito.
A curiosidade pública transformou Juca num “herói
de horrores”, segundo uma dessas folhas. Não faltava quem
acusasse: curan- deiros como ele infestavam a cidade, e “tudo
isso vive à sombra de inqualificável proteção”
e nas barbas das autoridades. Era fanatis- mo. Pois nenhuma queixa para
“pôr cobro nos atos de selvageria” jamais chegara
aos ouvidos da polícia. Juca era protegido por “políticos
e capitalistas”.
Nas fórmulas mágicas que vendia, não faltava a
presença do catolicismo. Sincretismo, aculturação,
mestiçagem? Pouco importava. O julgamento de Juca Rosa teve início
no dia 5 de janeiro de 1871. A sala, lotada de autoridades, gente elegante,
“madamas” e seguidores, mais parecia uma festa.
Seis meses depois, ao final do julgamento, 45 edições
de 50 mil exemplares de uma brochura sobre o processo do “famigerado
Juca Rosa” eram vendidas nas boas casas do ramo, informam os jornais
da época. O feiticeiro foi, então, condenado. Não
por bruxaria, pois o Código Criminal do Império não
considerava tal crime, mas sim por estelionato. Embora fosse mais um
personagem no mundo do sobrenatural e das mandingas, Rosa chocou por
avançar num território proibido na sociedade escravista:
o do sexo. Ele era o negro que possuía sexualmente brancas, mulatas
e negras. Despertava paixões e alisava canelas, pernas e braços
femininos, ambicionados lugares de desejo masculino, para “curá-los”.
Em plena campanha abolicionista, Juca Rosa era o ex-escravo que enfeitiçava
iaiás com carícias. Sua magia, mas sobretudo seu poder
sexual, não podia ficar sem castigo exemplar. Foi libertado após
seis anos de prisão, a 26 de julho de 1877. – Mary del
Priore.
“Do Outro Lado – A História
do Sobrenatural e do Espiritismo”, Editora Planeta
“Bruxa e Mandrágora”, de Henry
Fuseli. Tradições europeias, rituais africanos e indígenas,
e catolicismo: a feitiçaria nas terras brasileiras.
Fonte:
http://historiahoje.com/?p=4135
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